Opinião Socialista

108 anos da Revolução Russa: um legado sobre as nacionalidades que precisa ser lembrado

Ana Godoi

7 de novembro de 2025
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Colagem Ana Sbabbo

Chegamos a mais uma comemoração do início do processo de tomada do poder pela classe trabalhadora do Estado russo e da construção de uma sociedade diferente da sociedade capitalista. Cento e oito anos nos separam desse ato grandioso que marcou a história da humanidade e nos ensinou que é possível os trabalhadores ditarem os rumos de seu próprio destino.

Mas não é obvia para todos a necessidade de se lembrar e aprender com esse legado. Nos dias de hoje, a luta para apagar e distorcer todas as conquistas deste processo é feroz. Por isso, algumas pessoas podem nos perguntar: por que comemorar este evento nos dias de hoje? E nos afirmarem que o capitalismo foi restaurado na URSS e o comunismo perdeu. Afirmamos de forma categórica frente a esses questionamentos: mais do que nunca, o legado da Revolução Russa precisa ser lembrado e reivindicado.

Por sua própria grandeza e pelo fato de ter sido a primeira revolução vitoriosa liderada pelos trabalhadores, o evento já merece ser comemorado. No entanto, há muito mais a ser lembrado e aprendido com os operários russos. Se olharmos para o mundo hoje veremos uma verdade se desvelar diante de nós: guerras e massacres são a verdadeira fase do capitalismo. Os países imperialistas se esforçam para aumentar seu poder de controle e domínio sobre os países já dominados; guerras por território impõem fome aos trabalhadores; povos são exterminados, como acontece com os palestinos neste momento. Em nome do controle do capital, as diferenças entre os povos se transformam em desigualdade, e o capitalismo se move fomentando exploração e opressão.

Mas qual a relação existente entre o que ocorreu há mais de cem anos e o mundo que vivemos hoje? Voltemos no tempo e resgatemos algumas das lições que Outubro nos deixou.

Outubro de 1917: o mês que mudou o mundo

Pela primeira vez na história, a classe trabalhadora tomava o poder e iniciava a construção de um novo tipo de Estado. A Revolução de Outubro de 1917 representou o ponto culminante de um processo revolucionário que transformou a Rússia e marcou o século XX. Sob a liderança decisiva do Partido Bolchevique, a classe trabalhadora demonstrou que, com uma direção revolucionária, era possível conquistar o poder político e começar a edificar uma nova ordem social.

Essa continua sendo uma de suas lições mais valiosas: é possível fazer uma revolução operária e socialista, em aliança com os setores oprimidos e pobres da classe trabalhadora. Em outras palavras, ao contrário do que tantos afirmam, os operários podem, sim, tomar o poder e transformar a sociedade.

No entanto, essa conquista não surgiu do nada. Ela foi precedida por meses de mobilização popular e por uma série de acontecimentos que abalaram as estruturas do velho regime. Em 23 de fevereiro de 1917 (8 de março no calendário atual), as trabalhadoras têxteis de Petrogrado deram início a uma greve no Dia Internacional da Mulher, desafiando a descrença generalizada quanto à força do movimento operário.

A paralisação se espalhou rapidamente pelas fábricas, contou com a adesão dos metalúrgicos e, em seguida, dos soldados – uma aliança que selou o destino do tzarismo, derrubado em poucos dias. Assim, as mulheres operárias foram as primeiras a colocar em marcha a engrenagem revolucionária que meses depois levaria à Revolução de Outubro.

A Revolução Russa desafiou todas as previsões. Num país marcado pelo atraso econômico, pela miséria, pelo analfabetismo e pela devoção ao tzar, quase ninguém acreditava que pudesse florescer uma revolução socialista. Ainda assim, foi exatamente nesse terreno adverso que os trabalhadores e camponeses mostraram sua força histórica, rompendo com o destino que lhes era imposto. A experiência de 1917 segue como um marco e um ensinamento: quando os oprimidos se organizam e acreditam em sua própria força, podem não apenas derrubar um regime, mas também construir um novo mundo.

Um novo horizonte

Sob o comando dos trabalhadores, a sociedade avança

Constituía-se ali um novo tipo de Estado, dirigido pela classe trabalhadora e pelos setores oprimidos da sociedade. Sua base eram os sovietes – conselhos populares cujos representantes podiam ser substituídos a qualquer momento e cuja remuneração não ultrapassava o salário de um operário qualificado. Dessa forma, eram as camadas populares que discutiam e decidiam sobre todos os aspectos da vida coletiva, desde as grandes orientações econômicas do país até as questões mais cotidianas da população.

No campo dos direitos civis, o avanço foi igualmente impressionante: o Estado deixou de interferir nas escolhas pessoais e sexuais dos cidadãos, exceto nos casos de violência ou dano. Muito antes de qualquer potência capitalista, a Rússia soviética descriminalizou as pessoas LGBTI+ e reconheceu o direito de pessoas trans realizarem procedimentos de redesignação sexual e utilizarem seus nomes sociais.

As mulheres também conquistaram direitos inéditos, como o acesso ao aborto legal, além da criação de serviços públicos coletivos – lavanderias, refeitórios e creches – que buscavam libertá-las do peso do trabalho doméstico e ampliar sua participação na vida social, política e produtiva.

Ao mesmo tempo, o período foi marcado por uma extraordinária efervescência cultural, artística e científica, acompanhada por uma profunda transformação no sistema educacional. A educação tornou-se um instrumento de emancipação e inclusão, abrindo espaço para milhões de pessoas antes excluídas do saber. Em poucos anos, a Rússia soviética alcançou conquistas que nenhuma nação havia obtido em tão pouco tempo, tornando-se um dos maiores laboratórios de experimentação social e criativa do século XX, consolidando o ideal de que uma sociedade baseada na igualdade e na participação popular podia, de fato, construir um novo horizonte para a humanidade.

A Rússia, até então o país mais atrasado da Europa, converteu-se em uma potência mundial que chegou a se aproximar dos níveis de produção dos Estados Unidos. Durante as décadas seguintes, sua economia cresceu a taxas duas ou três vezes superiores às da China capitalista de hoje, mas com um sentido oposto: não para gerar lucro privado, e sim para resolver problemas sociais que o capitalismo jamais conseguiu eliminar, como o desemprego, que foi erradicado sob o sistema socialista.

Nacionalidades

Uma grande luta se instaura: Lênin e a luta pela questão nacional

As conquistas da Revolução Russa não ocorreram sem contradições internas e disputas políticas. Após a vitória na guerra civil e a consolidação do novo Estado soviético, surgiu o desafio de integrar as diversas nacionalidades que compunham o imenso território da antiga Rússia tzarista.

Stálin, então comissário do povo para as Nacionalidades, foi encarregado de formular um plano para a unificação. Ele propôs que todas as repúblicas soviéticas ingressassem na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) como entidades autônomas, subordinadas ao governo central de Moscou.

A proposta, contudo, foi duramente criticada por Lênin e pelos bolcheviques georgianos, liderados por Pilipe Makharadze e Budu Mdiváni, que defendiam uma federação baseada na igualdade plena entre as repúblicas. Para eles, a própria Rússia deveria integrar a União como um membro igual aos demais, e não como a potência dominante.

Os métodos utilizados por Stálin e seu aliado Ordjonikídze para impor seu plano foram brutais – incluíram insultos, ameaças e até agressões físicas contra os opositores georgianos. Indignado, Lênin denunciou essas práticas e alertou para o perigo de reproduzir dentro do Estado soviético as velhas formas de opressão nacional herdadas do império tzarista.

Em suas Anotações de 31 de dezembro de 1922, registradas no Diário das Secretárias, Lênin escreveu que não bastava garantir a igualdade formal entre as nações; era necessário também compensar, de forma concreta, a desconfiança e os ressentimentos históricos causados pela dominação russa. Para ele, “o internacionalismo deve consistir não apenas na observância da igualdade formal entre as nações, mas também numa desigualdade que compense, por parte da nação opressora, aquela desigualdade que se produz na vida real”.

A postura de Lênin refletia a essência internacionalista da Revolução de Outubro. Desde o início, os bolcheviques viam a revolução russa não como um fim em si mesma, mas como o primeiro passo de uma transformação mundial. Eles compreendiam que a sobrevivência e o avanço do socialismo dependiam da extensão da revolução aos principais centros capitalistas, sobretudo à Alemanha. Essa perspectiva mostrava que o socialismo, para realizar plenamente seu potencial emancipador, deveria ultrapassar as fronteiras nacionais e colocar a produção a serviço de toda a humanidade.

A libertação dos povos hoje

Essas lições mantêm sua atualidade. Hoje, em um mundo onde a socialização da produção e os avanços tecnológicos já permitem satisfazer as necessidades básicas de todos, a contradição entre abundância potencial e miséria real evidencia o esgotamento do capitalismo. A experiência soviética mostrou que é possível organizar a economia de modo a eliminar o desemprego, reduzir as desigualdades e libertar os povos.

Em um momento de aprofundamento da dominação imperialista, com as disputas entre EUA e China na ordem do dia e a volta do stalinismo como explicação para o que houve na URSS, desvelar a última batalha de Lênin é primordial. Sem a luta pela autonomia dos povos e sua libertação, não mudaremos o mundo. Essa lição, outubro nos deixou.

O desafio contemporâneo é levar essa lógica a uma escala global. Assim como os operários russos em 1917, a humanidade de hoje enfrenta a tarefa histórica de construir um sistema que coloque o desenvolvimento coletivo acima do lucro privado – um socialismo mundial, baseado na solidariedade entre os povos.

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