112 anos da Revolta da Chibata: Viva a liberdade! Abaixo a chibata!
Há 112 anos, os marinheiros negros liderados por João Candido, nosso Almirante Negro, se levantaram contra seus superiores e o governo Hermes da Fonseca, para denunciar os duros e desumanos castigos e punições que eram aplicados ao conjunto dos marinheiros e marujos, particularmente os negros, nas embarcações da Marinha.
As chibatadas estavam, oficialmente, proibidas desde 1890. Mas, mesmo assim, a cruel punição continuava sendo frequentemente praticada, resgatando e preservando os métodos e torturas da fase escravagista, como os pelourinhos e outros castigos físicos extremos.
Como se deu o conflito e quais eram as reivindicações?
No dia 22 de novembro de 1910, 2.379 marinheiros se rebelaram contra os castigos e chibatadas aplicados pelos superiores como castigo sob as “justificativas” mais diversas. A rebelião tornou João Cândido em um dos personagens mais respeitados na luta antirracista e, também, contra os governos, na História do Brasil.
Apesar de ter sido preparado durante um longo período, o levante explodiu quando o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes foi punido com 250 chibatadas sem direito a tratamento médico.
As principais reivindicações, sintetizadas em um Manifesto enviado para o gabinete do presidente da época, Hermes da Fonseca, eram o fim dos castigos físicos, a redução da jornada de trabalho e anistia aos marinheiros revoltosos. E, para garanti-las, os marinheiros tomaram as quatro principais embarcações da Marinha e cerca de 80 canhões foram apontados para a capital, o Rio de Janeiro, que foi atingida por um disparo de advertência, aumentando enormemente a tensão.
Pressionado tanto pelas ameaças dos marujos quanto de políticos, além da simpatia ao movimento demonstrada nas ruas, morros e cortiços, o governo aceitou os termos propostos e pôs fim aos castigos físicos, em 26 de novembro de 1910, prometendo, ainda, anistia a todos os envolvidos. Porém, a promessa não foi cumprida e, no dia 28, um decreto dispensou cerca de mil marinheiros por indisciplina.
Após isso, uma segunda revolta na Marinha iniciou-se, dessa vez, no Batalhão Naval, estacionado na Ilha das Cobras. Essa segunda revolta, no entanto, foi massacrada violentamente, e os envolvidos foram aprisionados e torturados nessa ilha. Outras centenas de marinheiros foram enviados para trabalhar em seringais na Amazônia e muitos foram fuzilados durante o trajeto.
Quem era o Almirante Negro?
João Cândido Felisberto nasceu em 24 de junho de 1880, em Encruzilhada, no Rio Grande do Sul, em uma família de ex-escravizados. Aos 14 anos, entrou para a Marinha, transformando-se num marujo muito experiente, que sabia manejar muito bem os instrumentos e principalmente os canhões dos navios, em particular o Minas Gerais, que era o seu “encouraçado”.
No decorrer dos anos, chegou a navegar pela Europa, as Américas e a África, absorvendo larga experiência de sobrevivência e nas operações no mar, além de fazer contatos com marinheiros organizados em sindicatos e organizações de esquerda na Inglaterra e de ter tomado conhecimento dos acontecimentos do Encouraçado Potemkin, em que marujos russos se rebelaram, em 1905, contra o governo de seu país.
João Candido tornou-se, assim, em um marco importantíssimo para o estabelecimento de novos marcos, mais humanitários, na Marinha. Sua vida é exemplo de uma trajetória de muita luta, resistência às injustiças históricas, especialmente no enfrentamento ao racismo, à intolerância e à violência que afetam o povo negro e pobre e foram herdadas dos sistemas escravagista, colonial e imperialista.
Contudo, sua história e legado também foram marcados pelo sofrimento (foi preso, torturado e internado em um hospício) e por décadas de negação, pelo Estado brasileiro, do reconhecimento da importância e relevância do papel que cumpriu. Ou seja, mais uma vez foi marginalizado e criminalizado, sem nenhuma reparação histórica e financeira em relação aos serviços prestados, legitimamente, ao Estado.
Somente em 2008, João Candido recebeu a anistia, mas sem nenhuma reparação póstuma aos seus familiares. E, mesmo assim, em 2021 o Estado o reconheceu como Herói da Pátria. Mas, de forma cínica, sem conceder qualquer indenização ou reparações, legitimas e necessárias, a uma vida inteira dedicada à luta contra a exploração, a opressão e em defesa dos direitos humanos, tanto para os marinheiros quando para o povo, em geral, e negros e negras, em particular.