28/9 é Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto
Data é um momento de luta, reflexão e acima de tudo de dedesa da autonomia e dos direitos reprodutivos das mulheres e pessoas com útero. Vamos às ruas!
O dia 28 de setembro é celebrado como o Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Uma data que, este ano, ganha ainda mais relevância no Brasil diante da tramitação do Projeto de Lei (PL) 1904, que busca criminalizar até mesmo o aborto legal no país.
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em casos de estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia do feto, mas o PL 1904 ameaça retirar esses mínimos direitos, num grave retrocesso em relação aos direitos reprodutivos das mulheres. Acuado pela onda de protestos que tomaram o país no primeiro semestre, Lira adiou a discussão para após as eleições municipais. Mas, a ameaça continua.
A proposta surge em um momento em que o Brasil vive uma situação de violência sexual alarmante.
De acordo com o 18° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, foram registrados 83.988 casos de estupro, o maior número da história. O dado equivale à assustadora marca de 1 crime de estupro a cada 6 minutos. Deste total, quase 64 mil foram contra vulneráveis. Crianças e adolescentes que, além da violência sofrida, são revitimizadas com a violência do Estado e a negação de seus direitos.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 70 milhões de abortos são feitos em todo o mundo anualmente e destes 45% são inseguros e um das principais causas de mortes maternas. Ainda de acordo com a organização, seis em cada 10 gestações indesejadas terminam em aborto induzido.
A criminalização do aborto
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2023, foram realizados 2.687 abortos legais no país, sendo 140 de meninas até 14 anos de idade — um número que mais que duplicou desde 2018, quando ocorreram 60 casos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, 291 abortos legais foram realizados, contra 199 em 2018, evidenciando o aumento da violência sexual contra meninas e adolescentes.
Os números são muito inferiores comparados à estimativa de abortos clandestinos no país. A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 mostra que uma em cada sete mulheres brasileiras, com idade próxima a 40 anos, ao longo da vida, já fez pelo menos um aborto, a maioria das vezes em condições inseguras.
O fato é que a criminalização do aborto, até mesmo dos casos já autorizados por lei, como prevê o PL 1904, ignora a realidade brutal que as mulheres enfrentam, especialmente as mais jovens e mais pobres. Mais do que isso, o estigma e a falta de políticas públicas em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres impedem o acesso a seus direitos e agravam o sofrimento de quem já vive uma situação dramática.
No último período, ganharam destaque na imprensa, casos de meninas que engravidaram vítimas de estupro e sofreram uma nova violência ao ter o direito ao aborto legal negado pela Justiça, por hospitais e pela família, além da intimidação de setores religiosos e reacionários.
Falta de políticas dos governos
A realidade é que mesmo com o direito assegurado, as mulheres enfrentam enormes barreiras para acessar o aborto legal.
Todos os hospitais credenciados ao SUS que oferecem serviços de ginecologia e obstetrícia deveriam realizar o procedimento nos casos permitidos por lei. No entanto, até setembro de 2022, apenas 115 hospitais em todo o país faziam o aborto legal, segundo o site Mapa Aborto Legal.
Esse número representa uma grave insuficiência de acesso, levando muitas mulheres a recorrerem a métodos inseguros ou arriscados.
Sem falar, em unidades que negam não só o aborto legal, mas outros atendimentos. Em janeiro deste ano, o Hospital São Camilo, conveniado ao SUS em São Paulo, por exemplo, se negou a implantar o DIU (disposto intrauterino) em usuárias do sistema, alegando ser um hospital de “orientação católica”, mesmo sendo este um dos métodos contraceptivos mais seguros.
O aborto segue sendo tratado como uma questão moral e religiosa e alvo de ataques, como foi no governo reacionário de Bolsonaro. Mas, no governo de Lula, seguimos sem avanços.
Aliás, nos governos Lula e Dilma não houve avanço na legalização ou mesmo na legislação do aborto no pais. O tema sequer foi pautado de forma séria pelo governo no Congresso. Em vez disso, o PT cedeu à acordos com a ultradireita e setores reacionários, rifando essa pauta crucial para a vida das mulheres, em troca de apoio político para aprovar seus projetos econômicos.
Com a política do arcabouço fiscal, a falta de investimentos em políticas de defesa da saúde reprodutiva e educação sexual são outras falhas.
A legislação sobre o aborto no mundo
Segundo a organização Centro de Direitos Reprodutivos, 77 países permitem a interrupção da gravidez mediante solicitação da mulher, abrangendo 662 milhões de mulheres. O limite gestacional permitido varia e as situações também.
Na Itália, por exemplo, o limite para interromper a gravidez é 90 dias de gestação. Na Alemanha, é 14 semanas; na França, de 16 semanas e na Tailândia, de 20 semanas. Em Portugal, o limite é dez 10 semanas para a mulher fazer um aborto sem precisar justificar, mas em caso de estupro ou malformação, o prazo é estendido para 16 e 24 semanas, respectivamente.
Outros 12 países permitem a interrupção da gravidez por razões socioeconômicas, beneficiando 457 milhões de mulheres, e 47 países autorizam o aborto para preservar a saúde da mulher, protegendo 226 milhões. Um grupo de 44 países permitem o aborto somente para salvar a vida da gestante, restringindo os direitos reprodutivos de 416 milhões de mulheres no mundo. Entre esses, 12, incluindo o Brasil, também estende a prática em casos de estupro e determinados diagnósticos fetais.
Segundo a organização, nos últimos 30 anos, mais de 60 países liberalizaram as leis sobre aborto e quatro reverteram a legalidade da prática (Estados Unidos, Polônia, Nicarágua e El Salvador) e 21 países proíbem totalmente o aborto.
Pelo direito ao aborto seguro e gratuito
A legalização do aborto é, acima de tudo, uma questão de saúde pública, justiça social e de uma luta mais ampla de defesa da autonomia e direitos reprodutivos das mulheres.
Queremos educação sexual e contraceptivos para decidir e não engravidar contra a vontade; e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer.
Neste dia 28 de setembro, vamos tomar as ruas, dando sequência à luta contra o PL 1904 e também pela descriminalização e legalização do aborto, bem como para exigir dos governos políticas públicas em defesa dos direitos reprodutivos e da vida das mulheres.