60º Congresso da UNE: Entre o governismo da direção majoritária e a potencialidade da unificação da Oposição de Esquerda

O 60º Congresso da União Nacional dos Estudantes (Conune) terminou no dia 21 de julho, tendo sido marcado, por um lado, pelos esforços da atual direção da UNE, conhecida como “Majoritária”, em alinhar a entidade ao governo e seu projeto, em detrimento da base estudantil; e, por outro, pela luta da Oposição de Esquerda (OE), que polarizou o congresso, contra a tentativa da Majoritária de fragmentar nossa força na plenária final.
Este também foi um Congresso importante para o Rebeldia, que dobrou o seu tamanho desde o 59º Congresso, realizou um Encontro de Estudantes Socialistas, sob o título “Organize seu ódio de classe”, e, ainda, lançou um encarte teórico-programático de propaganda, a cartilha “Organize sua Rebeldia”.
Os desafios do 60º Congresso da UNE
Com o tarifaço de Trump, e passados quase três anos do governo de conciliação de classes de Lula, o Conune tinha a oportunidade de ecoar a revolta da Palestina e a greve das federais de 2024, aprovando uma agenda política anti-imperialista, da classe trabalhadora e sem rabo preso com o Centrão e os bilionários.
Contudo, isso não foi possível, porque a direção majoritária da entidade – formada pela União da Juventude Socialista (UJS/PCdoB), Juventude do PT (JPT), Levante Popular da Juventude, Juventude da REDE Sustentabilidade (JREDE), do PDT (JPDT) e do PSB (JPSB) –, reforçada pela adesão do Afronte (Resistência/PSOL), do Rua (Insurgência/PSOL), do Fogo no Pavio (Revolução Solidária/MTST/PSOL), o Manifesta (Primavera Socialista/PSOL) e o Travessia (Subverta/PSOL), abandona as necessidades estudantis para colocar a defesa do projeto do governo Lula e do PT em primeiro lugar.
Lula no Conune: uma ode à conciliação
Diferente do cenário maravilhoso que Lula tentou desenhar em sua passagem pelo 60º Conune (ao lado de Camilo Santana, Ministro da Educação), o orçamento para as universidades, hoje, é menor do que o do governo Bolsonaro pré-pandemia. E com os cortes previstos pelo governo, fica menor ainda.
Além disso, Lula anunciou fundos do pré-sal para a Educação, como se fosse uma conquista sua. Mas, a medida é fruto de um projeto de lei de Davi Alcolumbre, do União Brasil, partido do Centrão. O que, também, desbanca a narrativa do próprio governo, quando ele afirma que é o antagonista do Congresso Nacional e do Centrão.
Sobre Trump e a ameaça imperialista, o governo disse que vai taxar as empresas digitais norte-americanas. Seria um primeiro passo no enfrentamento ao imperialismo. No entanto, até agora o governo não fez nada de concreto contra os Estados Unidos e, ainda, está negociando o tarifaço, ao invés de enfrentá-lo.
É parecido com o que faz em relação à Palestina: condena o genocídio, mas não rompe com Israel. E, aliás, Lula sequer falou sobre este tema no Conune, mesmo diante da exigência de ruptura ecoada, aos gritos, pelo movimento estudantil.
Encruzilhada
Uma UNE submetida à conciliação ou uma UNE com independência?
A Majoritária sacrifica a base estudantil com medo de que a oposição cresça. Por isso, a falta de democracia nas eleições, o alto valor da taxa de inscrição, um número menor de Grupos de Trabalho (GTs) em relação ao congresso de 2023 e a falta de espaço para os estudantes falarem…
E, se não bastasse, ainda houve a tentativa de impedir que a Oposição de Esquerda ficasse reunida na arquibancada durante a plenária final, o que expressaria melhor nossa força. O medo que a base saia dos trilhos tem a ver com as posições políticas da própria Majoritária.
Em suma, se o governo ataca a Educação, é necessário enfrentar o governo e suas medidas para defendê-la. Mas, para a Majoritária e seus aliados, se voltar contra o governo significaria se voltar contra si mesma e sua política.
Por isso, o máximo que fazem é exigir que a Educação fique fora do Arcabouço Fiscal. Não falam nada sobre os 14 ministros do Centrão que compõem o governo nem mencionam que a educação brasileira está cada vez mais desnacionalizada, colocada nas mãos de fundos de investimento ianques, por causa das privatizações que o governo apoia, o que, obviamente, ataca a soberania.
Da mesma forma, não falam nada sobre a submissão do Brasil ao imperialismo chinês e passam pano para a guerra de Vladimir Putin contra a Ucrânia, juntamente com os BRICS, não fortalecendo nossa soberania e nem enfrentando a extrema direita.
A nova maioria da UNE e a velha política de conciliação
A Majoritária se vangloria de uma nova maioria, formada juntamente com a “Juventude Sem Medo”. Segundo eles, não deveria existir oposição de esquerda, nem na UNE nem ao governo Lula, porque isso fragmenta a luta contra a direita.
O problema é que a unidade que eles defendem é com o governo. Mas a “governabilidade” se assenta nos R$ 50 bilhões em emendas parlamentares transferidas para o Centrão e em acordos com bilionários, como Jorge Paulo Lemann. Ou seja, se aliam a quem dizem combater – os bilionários, o Centrão e o Congresso –, abandonando a perspectiva de superar o capitalismo e, assim, preparando o terreno para a extrema direita.
O Rebeldia defendeu um projeto político de ruptura com os bilionários, o Centrão, essa tal “governabilidade” e o capitalismo. Apresentamos a necessidade de lutar contra os cortes e pelo fim do Arcabouço Fiscal e da jornada 6×1, combinado isto com a luta contra Lemann no MEC e os bilionários na Educação em geral, além da expropriação das empresas privadas de ensino, rumo ao fim do vestibular.
Por isso, também batalhamos pela unificação da OE, que é o campo que, com um programa comum, poderia enfrentar o projeto e os métodos da Majoritária.
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Balanço
Oposição de Esquerda sacudiu o Congresso e enfrentou a Majoritária
Na plenária final, quando a Majoritária tentou impedir nossa entrada nas arquibancadas, a Oposição de Esquerda – formada pela Correnteza (Unidade Popular), Juntos (Movimento Esquerda Socialista/PSOL), União da Juventude Comunista (UJC/PCBR), UJC/PCB), Ecoar (Rebeldia Ecossocialista/PSOL), Vamos à Luta (Corrente Socialista dos Trabalhadores) e Rebeldia (PSTU) – se recusou a entrar no estádio e fez uma plenária paralela, do lado de fora do local, o que acabou paralisando o Conune e obrigando a Majoritária a recuar.
Isto foi um feito inédito, que colocou em questão quem deve dirigir a UNE, mostrando, ainda, a força que a OE pode ter quando se unifica. A OE expressou a luta contra os cortes e o Arcabouço, em defesa da democracia, com voto direto e secreto.
Isso tudo sedimenta o terreno para que a OE se firme como um campo político nacional. É preciso batalhar para que isso se desenvolva.
Neste sentido, a posição da Faísca/MRT, que defendeu a construção de um 3º campo, de oposição à OE, atrapalha essa luta, o que só fortalece a Majoritária. E pior, também foram incoerentes com sua própria política, porque quiseram participar do ato unitário e da plenária dela e retiraram a própria chapa para apoiar a da OE. Isso após dias denunciando a OE, atrapalhando nossa falas na plenária final e, assim, igualando a OE à Majoritária.
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Os limites da Oposição de Esquerda
Em contraponto ao evento com Lula, construímos um ato junto à UJC/PCBR, denunciando o Arcabouço Fiscal e exigindo a ruptura das relações Brasil-Israel. Infelizmente, as demais organizações da OE não construíram esse ato, o que enfraquece a luta pela independência do movimento estudantil em relação ao governo, como também abala a unidade da própria OE.
O fato é que os distintos graus de adaptação das organizações em relação ao governo são limites para a Oposição de Esquerda.
Para que a OE possa levar a luta contra a Majoritária às últimas consequências, é preciso ir além das atuações conjunturais. É preciso definir um programa que a supere. Como contribuição, apresentamos três eixos, que podem servir de base para um novo programa da OE: a) oposição de esquerda ao governo Lula; b) aliança operário-estudantil: nossos aliados são os trabalhadores e trabalhadoras, não o Centrão e os bilionários; c) democracia: voto direto e secreto na UNE, eleições na base, contra as impugnações, acordos e negociações de cúpula.
Conheça!
O Encontro de Estudantes Socialistas e o encarte “Organize sua Rebeldia”
Nosso Encontro contou com a presença de Gustavo Machado, do canal “Orientação Marxista”, em uma atividade de formação intitulada “O que falta para o Brasil é uma revolução socialista”. Soraya Misleh (PSTU/Frente Palestina-SP) também esteve presente, participando da mesa internacional, e do ato anti-imperialista, no qual queimamos bonecos de Trump e Netanyahu.
Além disso, Julia Emmilyn (Rebeldia/SP) e Hertz Dias (Secretaria Nacional de Negras e Negros/PSTU e Gíria Vermelha) conduziram a mesa “Na linha de frente: contra a opressão, pela revolução”, com peso da juventude negra e o do debate antirracista, e na qual também lançamos a “Cartilha Feminista de Autodefesa”. A mesa ainda foi fechada com o “Sarau Periférico”.
Por fim, Mandi Coelho (Rebeldia) e Weller Gonçalves (presidente Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região) encerraram a atividade fazendo um convite: “Organize sua Rebeldia”.
Nossa cartilha também foi lançada para dar respostas revolucionárias à realidade e fazer a disputa ideológica contra as diferentes visões de mundo existentes no movimento estudantil. Entre outros temas, nela discutimos a realidade brasileira e a necessidade de uma revolução socialista, a luta contra as opressões à maneira revolucionária, o combate ao oportunismo e esquerdismo.
Além disso, há artigos de polêmica a com a UJC/PCBR e a Correnteza (UP), um balanço dos 20 anos do PSOL e dos partidos anticapitalistas. Leia, discuta e divulgue!
Próximos passos
Desafios de um movimento estudantil que enfrente a extrema direita e o governo Lula
No dia 11 de agosto, vamos tomar às ruas para derrotar a ingerência de Trump e garantir a prisão de Bolsonaro. Para que se expresse a mais ampla unidade nas ruas, precisamos de assembleias em todas as universidades. E para levar nossas pautas às últimas consequências é preciso independência do governo, o que passa por disputar o conteúdo do Plebiscito Popular, para incluir os cortes, o Arcabouço Fiscal e a taxação dos bilionários.
Para superar a extrema direita e Trump, não podemos esperar as eleições e nem sermos parte da engrenagem de governabilidade capitalista, como propõem a Majoritária da UNE, Lula e os aliados do imperialismo chinês.
Nossa estratégia é fazer uma revolução socialista, que ponha fim às podres instituições da burguesia, para refundar a sociedade, com base no poder dos trabalhadores. Queremos superar o projeto capitalista do governismo – que é justamente o que fortalece a extrema direita –, apostando em construir uma oposição socialista e revolucionária ao governo.
Por fim, queremos prestar condolências aos camaradas do Correnteza, que perderam lutadores de sua organização no trágico acidente do ônibus da Universidade Federal do Pará (UFPA) que estava a caminho do congresso. Nossas homenagens a esses estudantes e aos dois motoristas que faleceram. Leandro, Welfeson e Ana Letícia presentes!