Educação

9 razões para dizer não à escola cívico-militar em Minas Gerais

PSTU-MG

12 de julho de 2025
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Governador Zema quer transformas 700 instituições educacionais em escolas cívico-militares | Foto: SEE/Divulgação

Yuri Gomes Alves, professor de História na rede estadual e sua escola está listada para a consulta da escola cívico-militar

No dia 2 de julho, as comunidades escolares de mais de 700 unidades de ensino estaduais de Minas Gerais foram surpreendidas com um comunicado de que estariam contempladas com a possibilidade de adesão a um projeto de escola cívico-militar. Em um processo de debate, votação e formalização inferior há 16 dias, no final do bimestre letivo.

Todos os documentos enviados para as direções escolares ainda não explicam com detalhes como seria este modelo cívico-militar na prática. O que se é explicado, para além da propaganda governamental, é que o critério de escolha foi primeiramente através do número de estudantes, que a direção será compartilhada com a Polícia Militar ou os Bombeiros Militares, inclusive nas instâncias eletivas pela comunidade como os Conselhos Escolares, e que o número de militares será em torno de 1 para cada 150 estudantes.

Com estas informações querem que as escolas através de seus trabalhadores, estudantes maiores de 16 anos e famílias votem como manifestação de interesse, sendo que já existem diretorias convocando assembleias para menos de 3 dias.

A pressa e o desespero são amigos das armadilhas. O cotidiano escolar está cada vez mais duro e desgastante na educação estadual, devido a baixos salários, obrigações burocráticas crescentes, insegurança de contratos temporários, adoecimento, falta de estrutura e estudantes tendo cada vez mais que escolher entre o aprendizado, trabalhos precarizados e responsabilidades familiares, em um modelo educacional questionável.

Em uma máquina feita para moer e que reflete toda a realidade da sociedade capitalista, os resultados são o insucesso escolar e o aumento de índices de violência.

E tudo isto traz a cada estudante, a cada trabalhador da escola, a cada familiar, uma necessidade urgente de mudança. E é exatamente este sentimento legítimo que faz muitos olharem com bons olhos para projeto de escola cívico-militar, como, pelo menos, uma tentativa de mudança.

Mas qualquer mudança pode ser para melhor ou para pior. Sobre as escolas cívico-militares estamos de frente a uma mudança que definitivamente será negativa para uma realidade escolar que parecia não ter como ser pior. Estamos no fundo do poço, gritando desesperados por uma escada, e o governo joga algo… temos agora uma pá.

Mas por que? Veja os nove pontos para votar contra a adesão à escola cívico-militar.

1. Não se trata de novos Colégios Tiradentes. As escolas cívico-militares são militarizadas, não militares

Como carro-chefe da propaganda dos defensores do projeto cívico-militar estão os Colégio Tiradentes, que são diretamente administrados pela Polícia Militar, e reconhecidos por índices educacionais superiores à da rede estadual. Nem é este o projeto e nem os índices educacionais podem ser relacionados dessa maneira.

Os Colégios Tiradentes recebem mais investimentos, inclusive com diferença salarial de seus funcionários em relação as escolas civis, e suas vagas são priorizadas para dependentes de militares e servidores civis da polícia. Além disso, estudantes passam por um crivo social e disciplinar.

O kit de apostilas é caríssimo para famílias vulneráveis e os uniformes têm preços muito maiores do que o uniforme escolar em geral, mesmo de escolas privadas.

Em relação à disciplina, mecanismos de transferências compulsórias e desligamentos são muito mais usuais que na rede pública como um todo. É uma realidade absolutamente distinta e que vai gerar, obviamente, índices educacionais distintos.

Já as escolas cívico-militares é uma intervenção militar na gestão escolar e disciplinar, com inserção, de escolha das corporações, de militares em órgãos decisórios e no cotidiano escolar, sem mudar os investimentos aos trabalhadores na educação, ou em estrutura, e mantendo a abrangência comunitária.

Apesar do governo evitar o termo militarização, se passamos de uma escola exclusivamente civil para civil-militar, não é possível utilizar outro conceito.

2. A experiência de escolas militarizadas não apresenta melhoria nos índices educacionais e de violência escolar

Se não é possível equivaler com os Colégios Militares Tiradentes, é possível olharmos para outros estados e municípios que já aderiram a militarização de escolas como propõe o governador Zema (Novo).

Através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) temos uma noção disso. De acordo com o estudo de Fernando Cássio da Universidade de São Paulo, temos esta situação de projetos municipais, em que os índices são parelhos.

Em escolas estaduais o índice de crescimento do Ideb em relação a elas mesmas antes de serem militarizadas se mantiveram sem variações significativas. Já comparado o Ensino Médio com todas escolas nesta etapa no país também há números de crescimento equivalente, mesmo mais equipadas, com mais presença no Sul/Sudeste, e com mais investimentos. O crescimento nos quatro anos foi de apenas 0,2, enquanto da média do Brasil 0,1.

Sobre a violência escolar não há dados estatísticos que comprovem mudanças consistentes. O que temos são uma série de denúncias de violências institucionais, como o caso que ficou nacionalmente conhecido de uma escola em que adolescentes foram obrigados a cantar no Tocantins: “E vou pegar você / E se eu não te matar / Eu vou te prender…”.

3. A militarização é um golpe à democracia escolar, é perda de poder da comunidade escolar e de diretores eleitos, é mais trabalho para professores e vigilância geral

A rede estadual tem muitas debilidades, muitas mesmas. Mas existe algo que ainda precisamos defender: as eleições para as diretorias escolares. Por mais que haja uma interferência cada vez maior da autonomia das escolas por parte da Secretaria e pressão às gestões para abaixar a cabeça para todo o tipo de ação do governo, a comunidade escolar ainda pode definir sua gestão, eleger o Conselho, e mudá-la caso não esteja de acordo com seus princípios comunitários.

Com a militarização esta interferência vai ser cada vez maior. Estamos tratando de uma gestão compartilhada, mas a parte militar, portanto, não será elegível pela comunidade, e sim uma decisão da corporação vinculada.

Como já foi elaborado, não há um detalhamento sobre como vai ser a atuação dos militares, o que vemos nos documentos é apenas:  coordenar atividades cívicas, moderar conflitos, participar de instâncias de decisão e disciplinar estudantes.

Mas exatamente na questão de gestão colaborativa e participação das instâncias de decisão, e observando a dinâmica cada vez maior de controle, vigilância e pressão – por exemplo, os painéis criados sobre diário eletrônico – a parte militar pode ser ferramenta de controle e pressão ainda maior por parte do governo em relação ao trabalho docente e sua produtividade burocrática.

Na realidade as exigências burocráticas podem ampliar. Apesar das lacunas do projeto, podemos usar como base o Manual de Escolas Cívicas Militares do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), projeto descontinuado do governo federal anterior, e que é o modelo das atuais escolas militarizadas no país.

Nele vemos como a questão disciplinar vai necessitar de uma série de procedimentos, com escrita de relatórios e afins, para encaixar em categorias pré-definidas, precisando se reportar para  além da perda de conteúdo em atividades ditas cívicas, mas que são elaboradas por não-civis.

4. Padronização militar afronta liberdades individuais dos estudantes, podendo gerar evasão

Um dos pontos mais polêmicos em torno do projeto são a chamada padronização dos estudantes, que deverão usar uniformes completos de inspiração militar, além da restrição quanto ao cabelo e adereços.

Em reuniões pedagógicas, o uniforme escolar sempre foi tratado com a função de identificação do estudante, levando a discussão de segurança em primeiro lugar.

A obrigação do uniforme militarizado cumpre outra função: a de dizer que o estudante não é possuidor de individualidades dentro da instituição e serve de controle e disciplina hierárquica, em relação aqueles que sim podem manifestar suas individualidades.

Isto contradiz toda elaboração pedagógica para o bom desenvolvimento educacional, em que o estudante não deve anular sua identidade, pelo contrário, o objetivo é o estabelecimento de um ambiente escolar em que seja criado um sentimento de pertencimento a ele.

Além disso, a experiência de outros estados apresenta muitos casos em que os estudantes são impedidos de seu direito constitucional de estar na escola por conta de alguma inconformidade com o padrão estético estabelecido, ou propiciando caso de proibição de manifestação religiosa, como o uso de guias ou hijabs.

Quando o estudante não sente minimamente pertencente ao espaço escolar temos uma colher cheia para transferências e evasão, sendo a última o maior insucesso educacional, combinada com redução de investimentos e funcionários na unidade.

5. O projeto é inconstitucional como a Lei 100 e pode ser derrubado

Em junho do ano passado o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União consideraram o programa exatamente igual de São Paulo como inconstitucional, pela lei estadual afrontar “os princípios da liberdade de pensamento e da gestão democrática das escolas, além de ferir o modelo de educação nacional previsto na Constituição Federal”.

O procurador federal estabeleceu estas contestações:

Escopo legislativo — cabe à União legislar sobre normas relacionadas às diretrizes e bases da educação nacional. Portanto, o Legislativo estadual não tem competência para regulamentar a implantação do modelo cívico-militar no estado;

Formação e concurso — seleção de militares da reserva para exercerem funções pedagógicas sem a exigência de formação específica ou aprovação em concurso público, como previsto na lei recém-aprovada em São Paulo, afronta o princípio constitucional de valorização dos profissionais de educação;

Desvio de função — a Constituição restringe a atividade policial ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública. Logo, designar militares para exercerem funções pedagógicas seria enquadrado como desvio de função da força militar;

Efetividade atestada — a falta de evidências científicas ou estudos conclusivos que atestem que o modelo cívico-militar implique na melhora no comportamento dos alunos e na qualidade do ensino.

Os argumentos jurídicos são muito sólidos e existe uma tendência para a declaração de inconstitucionalidade, como ocorreu com a Lei 100 no estado.

Com a inconstitucionalidade a educação pública estadual estará novamente em uma situação de desorganização. Em um cenário como o observado hoje de ações governamentais que sobrepõe uma a outra dentro da escola, haverá mais uma demanda de adequação e readequação.

6. A escola cívico-militar é isca eleitoral para conservadores de um governo que paga menos de 2 salários mínimos para os professores

Estamos em 2025. Um ano antes da próxima eleição. Neste período todos os projetos de qualquer governo atendem ao interesse eleitoral da candidatura futura do governante.

Em uma entrevista recente, o governador Romeu Zema disse ter interesse em se candidatar à presidência da República. E não só se manifestou, mas também relativizou a ditadura militar no Brasil. Mais um aceno para o eleitor de Jair Bolsonaro, já que ele está inelegível.

No meio da disputa para ser herdeiro político de Bolsonaro, entre ele e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, uma das cartas na manga do governador mineiro será o projeto de escolas cívico-militares, como já dito, também tentada pelo governador paulista.

O problema é que a educação pública não pode estar pautada da disputa eleitoral e na politicagem.

E não é só isso. A opinião pública é clara quanto a educação estadual precisa ser melhorada, que os profissionais precisam receber mais, que são necessários mais investimentos.

O atual governador está finalizando seu segundo mandato, nenhuma mudança qualitativa foi vista, ao contrário, os questionamentos são cada vez mais frequentes. Por que agora ele estaria tão preocupado com a educação?

7. Processo de consulta à comunidade escolar é apressado e não respeita o debate democrático

Não é por acaso a escolha desta data para consulta à comunidade. Estamos no final de bimestre, inclusive a mesma semana marcada para a realização das consultas é a mesma na qual os professores precisam fechar o diário eletrônico.

Como já dito, todo o processo não chega a 16 dias. Como pode a comunidade escolar se aprofundar neste tema tão importante para os próximos anos da rede estadual?

Esta também foi uma tática feita pelo governador do Paraná, Ratinho Jr (PSD). O objetivo é não mobilizar aqueles que são contrários, enquanto os diretores são pressionados a apresentarem a cartilha governamental sem poder fazer críticas, em um projeto que os próprios diretores são os mais afetados.

A consulta inclusive é cheia de vícios, para além do prazo curto. De acordo com os documentos enviados, a Assembleia Escolar deverá cumprir os critérios do Art. 6º da Resolução da Secretaria Estadual de Educação (SEE) nº 5.065/2024, em que o quórum mínimo é de 10% dos estudantes e pais/responsáveis, de acordo com o número de matrículas, e 30% dos profissionais da escola. Caso não alcance o quórum, deverá respeitar o prazo de 48h para realizar uma nova assembleia.

Aqui há uma indefinição sobre critérios de votação, como por exemplo: em uma família pode ser votado pela mãe e pelo pai?

Mas para além disso, 10% de estudantes e da comunidade escolar e 30% de servidores da escola podem responder por toda a comunidade escolar? Claro que não. Definições dessa envergadura deveriam ter quórum de pelo menos 50% mais um para todos os setores, e deveriam ocorrer depois de debates prolongados e conscientizadores. Não à toque de caixa como vem sendo feito.

Outro vício do processo é a cédula de votação proposta, como pode observar em seguida:

Aqui temos uma série de problemas: primeiro é a votação aberta, em que o votante precisa se identificar. Essa prática da Primeira República no Brasil e é extremamente antidemocrática, dado que, com a identificação, o votante pode sofrer perseguições.

Em segundo lugar está o descaso com os Auxiliares de Serviço da Educação Básica (ASBs), que não estão designados entre os segmentos a ser marcado. O que mostra mais um desrespeito para uma categoria que por tempos recebia menos que um salário mínimo.

8. Fácil entrar, difícil sair

Através da consulta apressada o governo quer conquistar o máximo de escolas. Muitos servidores, estudantes e familiares mesmo com críticas podem pensar assim: mas pelo menos será uma mudança, precisamos testar novas abordagens.

E, realmente, é necessário testar novas abordagens. Mas não há garantias qualquer de que com a experiência, caso ela não se adeque à realidade escolar, possa ser revertida pela comunidade.

Estamos tratando de instituições como a Polícia Militar e os Bombeiros Militares, que mesmo com uma mudança para governos de oposição, não há qualquer certeza de voltar ao que era antes, podendo ser uma indisposição com corporações de forte lastro político institucional.

Um exemplo é o atual governo federal, que descontinuou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), projeto federal do governo anterior. Isto não demonstrou a redução de escolas militarizadas, pelo contrário. Houve um crescimento de mais 83 escolas, e com a entrada de Minas Gerais poderá chegar a mais de 700, inclusive o estado terá o maior número de escolas militarizadas do país.

9. Escola não é caso de polícia. Educação é para criar asas, não colocar em gaiolas.

Por fim, os professores devem olhar para o conteúdo de suas formações. São anos na formação superior para entendermos que se não há uma vinculação do estudante com o conteúdo abordado. Senão tudo é mera formalidade.

Devemos lidar com os dilemas da aprendizagem e do convívio de maneira pedagógica. A indisciplina não é apenas uma questão moral, mas a expressão maior de que cada vez mais o atual modelo escolar faz menos sentido para os jovens.

É preciso mudanças. Mas as mudanças só serão de qualidade se a escola se aproximar da juventude e das crianças, compreender suas demandas, e valorizar seus profissionais.

E como a escola é parte de uma sociedade, uma nova escola precisa necessariamente de uma mudança do todo. Mas o que podemos fazer como exemplo para toda sociedade é construir um espaço de formação com mais participação e decisão de estudantes e seus familiares, e que a disciplina não seja só papel da gestão, dos pedagogos e professores.

Em vez de compartilhar com os militares essa tarefa, devemos compartilha-la mais com os próprios estudantes e suas famílias, e isto só será possível se todos verem a escola como sua escola.

A escola cívico-militar vai no caminho oposto a isto, é uma tentativa de pegar um atalho. Mas atalhos são perigosos. Não é inserindo militares sem formação educacional, pelo contrário, de formação repressiva, que vamos resolver os problemas que nos afligem. Precisamos é de mais democracia escolar, de mais investimentos em infraestrutura e melhores salários para trabalhar menos e melhor.

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