Os ataques de Trump aos direitos reprodutivos e à comunidade LGBT e a resposta socialista

O segundo governo Trump lançou um ataque frontal total contra todos os setores oprimidos e explorados da população, e as mulheres e a comunidade LGBT+ não são exceção. Um elemento central dessa resposta do setor de extrema direita da classe dominante à crise econômica, é o esforço para retornar às normas de reprodução social no país antes das conquistas da Segunda Onda do movimento de mulheres, e da posterior expansão dos direitos das pessoas LGBT+.
Esses ataques ocorrem num terreno fértil deixado pelo Partido Democrata com a catastrófica decisão da Suprema Corte em 2022, que com o caso Dobbs anulou a decisão judicial anterior Roe v. Wade, que em 1973 legalizou o aborto. Dobbs teve um impacto terrível sobre a saúde reprodutiva nos EUA. Principalmente para as mulheres negras gestantes, que têm três vezes mais chances de morrer por causas relacionadas à gravidez do que as brancas. Esse esforço foi refletido na legislação promulgada por 13 dos 50 estados para atacar a autonomia corporal no último ano, tornando o aborto ilegal, e por meio da legislação antitrans promulgada por 48 estados.
O Projeto 2025, que define as medidas propostas pela ultradireita para o segundo mandato de Trump, defende o fim do divórcio “sem culpa”, relativamente fácil, e faz parte de uma ofensiva ideológica maior para normalizar a família nuclear “cristã” e a aceitação da violência contra mulheres indisciplinadas. Para isso, há esforços estaduais e federais para aumentar a criminalização das mulheres que não levam a gravidez a termo como assassinas de crianças e para criminalizar as famílias pobres e da classe trabalhadora como “inaptas” para a criação de filhos. O projeto ideológico do governo é a normalização das noções patriarcais de criação de filhos. Esse último é acompanhado pelo número crescente de estados que passaram a permitir o trabalho infantil em frigoríficos, processamento de frangos e outros setores. O Projeto 2025 tem também como alvo 31 estados nos quais a equipe trumpista defende o enfraquecimento das regras de trabalho infantil por meio de alterações às leis federais de proteção ao trabalhador, como a Fair Labor Standards Act (FLSA). Todo o pacote é projetado para aumentar a vulnerabilidade das mulheres e das pessoas dissidentes de gênero, para ampliar o exército de mão de obra excedente e para aprofundar normas autoritárias.
A maioria dos estados que implementaram proibições ou restrições severas ao aborto estão tendo impacto na mortalidade materna. No Texas, que pune os provedores de aborto com até 99 anos de prisão, a taxa de sepse aumentou em mais de 50% para mulheres hospitalizadas com perda de gravidez no segundo trimestre. A sepse é uma condição com risco de morte e, de fato, mulheres do Texas como Josseli Barnica e Neveah Crain morreram de sepse que poderia ter sido evitada se os médicos não tivessem adiado a realização do aborto até que seus fetos parassem de bater o coração.
Concretamente, o Projeto 2025 de Trump e Musk planeja proibir e criminalizar o aborto medicamentoso, a forma mais comum de aborto e, muitas vezes, a única forma de atendimento ao aborto disponível para pacientes rurais e pessoas em desertos de aborto (lugares sem clínica de aborto dentro de 150 quilômetros). Esses desertos, onde hoje moram 53% das mulheres do país, ornaram-se ainda mais comuns após o caso Dobbs. O ataque tem duas vertentes: Primeiro, eles lançaram uma ação judicial para reverter a aprovação do FDA (Agência Federal de Medicamentos) para a mifepristona, uma das principais pílulas abortivas. Em segundo lugar, eles buscam expandir e aplicar o Comstock Act, uma lei federal de 1873(!) que criminaliza o envio de informações sobre cuidados reprodutivos pelo correio. No Projeto 2025, a proposta é criminalizar qualquer pessoa que envie ou receba não apenas pílulas abortivas, mas potencialmente qualquer coisa usada para o aborto, incluindo espéculos e analgésicos. Isso poderia resultar em uma proibição do aborto em todo o país, o que, segundo especialistas, aumentaria a mortalidade materna em 24% em nível nacional e em 39% para a população negra. O Projeto 2025, também busca expandir a vigilância das pessoas grávidas.
O presidente eleito Donald Trump também prometeu repetidamente destruir vidas trans. Sem medir palavras, Trump apresentou uma serie de ordens executivas no primeiro dia para banir as pessoas trans das forças armadas, das escolas, dos banheiros e dos esportes, além de banir os cuidados de afirmação de gênero que salvam vidas. Isso vem na sequência de propostas anteriores do plano, que também incluíam a segmentação de professores, pais e provedores médicos de pessoas trans.
As implicações desses ataques são muito graves, tanto que as ligações telefônicas para linhas diretas de suicídio de pessoas trans aumentaram 700% após a eleição. A expectativa é que o segundo mandato de Trump repita a ofensiva antitrans de seu primeiro mandato, mas mostre uma brutalidade ainda não vista, com a ajuda de uma rede de forças antitrans mais desenvolvida do que a existente na época.
O que fazer?
O que podemos fazer? Uma solução vital é reagir por meio do movimento sindical, uno dos movimentos da classe trabalhadora. As lutas sindicais são um mecanismo pelo qual as mulheres trabalhadoras podem conquistar liberdades vitais. Os sindicatos podem lutar por benefícios de saúde e podem até mesmo travar lutas pela justiça reprodutiva, conquistando proteções para as trabalhadoras que buscam abortos ou outros cuidados reprodutivos. E os sindicatos podem se associar e ajudar a organizar manifestações nas ruas pelos direitos reprodutivos e das pessoas trans e LGBT+.
As trabalhadoras sindicalizadas nos Estados Unidos — que têm uma taxa de sindicalização muito baixa, de 10% — ganham em média, cerca de 19% a mais do que suas colegas não sindicalizadas. Elas também têm muito mais probabilidade de ter um plano de saúde. Esses benefícios e melhorias salariais são particularmente benéficos para as mulheres negras trabalhadoras, que enfrentam uma discriminação particularmente severa na interseccionalidade da exploração de classe, opressão racial e opressão de gênero.
As lutas vitoriosas por licença familiar remunerada e licença médica remunerada beneficiam as mulheres — que têm maior probabilidade de serem responsáveis por cuidar dos filhos e dos idosos. A aposentadoria também beneficia as trabalhadoras, que tendem a ganhar menos do que os homens ao longo de suas vidas, apesar de sua maior longevidade.
Porém, por mais importantes que sejam essas vitórias trabalhistas — e não se engane, elas podem ser a diferença entre a vida e a morte — a libertação das mulheres e o fim da opressão de gênero não serão conquistados sindicato a sindicato.
Tampouco será conquistada pelos esforços do Partido Democrata, sob cujo o governo Roe foi derrubada com pouco mais do que um encolher de ombros do presidente ou do Congresso democrata. O Partido Democrata sempre trabalhou para desmobilizar os movimentos de massa e canalizar sua energia para a ação eleitoral. Um dos exemplos mais flagrantes disso é a maneira como os democratas aproveitaram a indignação popular com a primera eleição de Trump em 2017 e logo com reversão do caso Roe v. Wade en 2022. Em ambos casos, tentaram redirecionar essa indignação para as urnas. Em 2017, eles popularizaram o slogan “today we march, tomorrow we vote” (hoje marchamos amanhã votamos), para redirecionar a raiva para as eleições de meio de mandato de 2018.
Em 2022, e agora depois da nova eleição de Trump, em 2024, os democratas nem sequer se deram ao trabalho de organizar uma tentativa de manifestações populares contra o novo governo como fizeram em 2017. A razão para isso é que a elite liberal está cada vez mais assustada com a radicalização da juventude, que abraçou totalmente o movimento de libertação da Palestina como parte de um movimento global pela liberdade, pela libertação sexual e de gênero e pela justiça climática, uma juventude que se sentiu profundamente traída por Biden e poderia vaiar os democratas em manifestações contra Trump.
A verdade e que os democratas e as Organizações Não Governamentais (ONGs) ligadas a eles, ONGs como a Planned Parenthood ou o Guttmacher Institute, não conseguiram criar manifestações de massa sustentadas em resposta a esses ataques. As ONGs não são grupos de ativistas. São instituições, muitas vezes dependentes de dinheiro de empresas ou fundações, que usam métodos de organização orientados pela equipe. Elas estão em dívida com seus ricos doadores da classe dominante, dependem de subsídios do governo e, portanto, são incapazes de se engajar na luta de classes.
Nossos direitos serão reconquistados por meio da criação de uma ala esquerda de luta de classes no movimento sindical, com um foco específico no desenvolvimento da liderança de mulheres e pessoas queer, que logre gerar um movimento de massa nas ruas, um movimento com democracia de base e independente dos democratas e dos republicanos e governado pelas necessidades e métodos das mulheres da classe trabalhadora e das pessoas queer que lutam por seus direitos.
Precisamos de um programa socialista para a libertação das mulheres e os LGBT
A única solução real para o fim da opressão das mulheres é o fim do sistema capitalista sexista e patriarcal. O fim desse sistema só será conquistado com a construção de um grande movimento de trabalhadores nas ruas, comunidades e locais de trabalho, organizado por um partido socialista revolucionário independente que inclua a participação em massa das mulheres trabalhadoras.
Nós reivindicamos a teoria da reprodução social, que é uma expansão da economia marxista que postula que o capitalismo não reproduz a força de trabalho necessária para se perpetuar. Em outras palavras, o capitalismo produz bens e serviços, serviços dos quais pode obter lucro (extraído da mais-valia do trabalho), mas não leva em conta a produção de trabalhadores. Em vez disso, ele pressupõe o trabalho para produzir trabalhadores como trabalho necessário: parte desse trabalho é o trabalho de reprodução social que as mulheres fazem na casa.
O capitalismo faz pouco para prover a manutenção dos trabalhadores e socializa apenas muito parcialmente o trabalho reprodutivo. Assim, as mulheres têm a tarefa de
de apoiar a continuação do capitalismo por meio da reprodução biológica, o cuidado de não trabalhadores, como crianças, idosos ou pessoas com doenças, e trabalho doméstico não remunerado, como cozinhar e limpeza.
A falta de direito ao próprio corpo auxilia a família tradicional e os papéis de gênero, reforçando assim ainda mais o regime capitalista de reprodução social baseado na opressão das mulheres e dos LGBT+. Ao mesmo tempo, a busca pelo lucro sempre funciona para corroer ou negar direitos sociais como licença-maternidade remunerada, creches gratuitas, assistência médica e outros benefícios sociais que faltam nos Estados Unidos, mas que incentivam ou apoiam a reprodução. Isso cria uma contradição em que os novos nascimentos são obrigatório, mas não são apoiados com medidas sociais.
O sistema capitalista quer ter as duas coisas: Ele quer que as mulheres tenham filhos para reproduzir a força de trabalho (por isso regula fortemente os direitos reprodutivos), mas não quer pagar integralmente pelo custo da reprodução social da força de trabalho. A luta pelo aborto e a luta pela saúde materna são, na verdade, lutas de classe sobre quem controla o poder reprodutivo da classe trabalhadora: a classe dominante e o Estado, ou nossa classe, as mulheres da classe trabalhadora e todas as pessoas com capacidade de gestar, juntamente com suas famílias.
Nossa exigência de aborto livre sob demanda também é uma luta política contra esse processo de dominação e mercantilização dos corpos das mulheres. Não se trata da luta para “possuir” nossos corpos como propriedade privada. Se trata da luta para retirar nossos corpos e nossas relações sociais das relações de troca e propriedade que nos desumanizam. A luta pelo acesso ao aborto é parte de um movimento mais amplo por um feminismo da classe trabalhadora, assumido por nossas organizações de classe, e deve também deve ser uma luta contra o racismo, a transfobia, o capacitismo e pela libertação de todos os corpos há muito tempo subjugados pelo capitalismo.
As mobilizações por demandas democráticas muitas vezes arrastam para a arena da luta de classe diferentes classes e diferentes setores de classe, e a dinâmica e composição dessas lutas também estão sempre mudando. Nosso objetivo ao intervir nas lutas pelos direitos das mulheres é encontrar as melhores táticas para mobilizar os setores da classe trabalhadora em cada momento. Se os setores oprimidos da nossa classe se unirem de forma maciça e independente dos gobernos e dos partidos burgueses, seremos capazes de conquistar demandas concretas que avançam no caminho da libertação e do socialismo.
Nossa tarefa hoje é continuar lutando para construir uma ala de movimento de massa dos movimentos de justiça reprodutiva e de libertação queer contra esses ataques. Precisamos romper com as garras do Partido Democrata e das lideranças burguesas. Para conseguir isso, nosso partido aqui nos EUA, Workers’ Voice, participa ativa e regularmente na organização de manifestações, eventos educacionais e conversas no local de trabalho em torno de um programa capaz de inspirar as amplas massas de mulheres e pessoas queer, com ênfase especial nos negros, indígenas e outros grupos oprimidos. Propomos aos ativistas e ao movimento um programa socialista que vá além do feminismo liberal, além de reformas frágeis e parciais, um programa que ataque a base material de todas as opressões de gênero, o capitalismo, e que seja inclusivo para pessoas queer, trans e racializadas, que abrace a luta pela justiça reprodutiva em um sentido amplo em nossa organização e propaganda. Precisamos apresentar uma visão socialista que conecte as lutas democráticas com as demandas transicionais em torno da reprodução social, ou seja que conecte a luta pelo aborto livre sob demanda com as lutas pela assistência médica trans, com a moradia gratuita para todos, com reparações para os povos oprimidos, com um fim imediato das deportações, com creches gratuitas e a socialização do trabalho reprodutivo. Para isso é necessário que os movimentos de luta enfrentem o capitalismo e proponham um governo da classe trabalhadora. Para construir essas lutas e esse programa, precisamos continuar construindo uma organização revolucionária, que reúna os melhores ativistas e quadros do movimento e desenvolva a capacidade de liderar lutas e vencer.