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Lutas feministas: Balanço e perspectivas para o movimento de mulheres trabalhadoras

Érika Andreassy, da Secretaria Nacional de Mulheres

31 de março de 2025
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Ato do 8 de março em SP, em 2017. Foto Romerito Pontes

Os anos 2010 foram marcados pelo crescimento das mobilizações feministas em escala global, com um ponto alto na Greve Internacional das Mulheres em 2017/2018. Chamada de “Primavera Feminista”, essa onda de protestos não foi um fenômeno isolado, mas parte de um cenário de polarização social. Ela se articulou com diversas lutas por direitos democráticos e com movimentos mais amplos da classe trabalhadora e das massas exploradas, em resposta aos planos de austeridade e às contrarreformas impostas por governos de diferentes países após a crise econômica de 2008. Em muitos casos, foram as mulheres e outros grupos oprimidos que estiveram na linha de frente dessas resistências.

Desde o início, ficou nítido quem seriam os mais afetados pela crise. A saída burguesa para garantir suas taxas de lucro significou um aumento brutal da exploração, do desmonte de direitos sociais e do ataque às liberdades democráticas. As consequências para a classe trabalhadora e os setores oprimidos foram devastadoras: piora nas condições de vida, aumento da violência, do desemprego, da miséria e da fome.

A crise – e, mais tarde, a pandemia – expôs em todas as cores como o capitalismo joga sobre os mais explorados o peso de sua própria sobrevivência. Desfez a ilusão de que as conquistas políticas e econômicas obtidas sob a democracia burguesa são permanentes, já que estão sempre subordinadas aos interesses do capital e à correlação de forças entre as classes. Mas também gerou reação.

A emergência política das mulheres e dos oprimidos refletiu o aprofundamento da contradição entre os ideais burgueses de igualdade e liberdade – materializados em avanços democráticos e a realidade concreta desses grupos sob o sistema capitalista. Houve um salto na consciência dessa contradição: o abismo entre a vida real e a promessa que a conquista de direitos formais sob o capitalismo traria, ficou cada vez mais evidente, confirmando que igualdade perante a lei não significa igualdade perante a vida. A recusa em aceitar essa realidade foi o combustível que impulsionou a revolta.

As particularidades do processo: avanços e limites

O ascenso feminista dos anos 2010 diferenciou-se de outros momentos históricos do movimento de mulheres – seja do período imediatamente anterior, hegemonizado pelo feminismo liberal, integrado aos governos e organismos burgueses internacionais, seja das primeiras e segundas ondas, marcadas pela influência do feminismo pequeno-burguês e das correntes socialistas. A seguir, destacamos suas principais características:

a) Crítica ao feminismo liberal e pós-feminismo

Uma das marcas desse período foi o questionamento ao projeto emancipatório do feminismo burguês, que reduz a libertação da mulher à conquista gradual de direitos, via mecanismos institucionais (reformas legais, representação política, mudanças no judiciário etc.), posta em xeque tanto pela clivagem entre as demandas das mulheres burguesas e as das trabalhadoras pobres e a constatação de que os avanços em alguns países ocorreram às custas da superexploração da maioria das mulheres no mundo, como por sua incapacidade de enfrentar a ascensão da extrema direita e do populismo reacionário.

O surgimento do Feminismo para os 99%, foi uma resposta à crise do feminismo liberal. Apesar de limitada do ponto de vista estratégico, teve o mérito de levantar a necessidade de construir um feminismo anticapitalista, internacionalista e de base, retomando a greve como método de luta. Representou um contraponto também e ao pós-feminismo, que substituiu a luta coletiva contra a opressão por uma estratégia de “libertação individual”.

Porém, ao não avançar na defesa de uma estratégia revolucionária, esse feminismo “anticapitalista” acabou contribuindo para o refluxo do movimento, como discutiremos adiante.

b) Massividade e radicalização

A segunda característica foi o caráter massivo e radical das lutas, alimentado pela contradição entre as conquistas formais e a realidade concreta das mulheres trabalhadoras. No Brasil, por exemplo, a Constituição de 1988, a Lei Maria da Penha e a eleição de Dilma Rousseff representaram avanços democráticos, mas não alteraram a vida das mulheres negras e periféricas, submetidas à precariedade, à violência e à dupla jornada. Nos EUA, a experiência dos negros sob o governo Obama, décadas após o fim das leis Jim Crow, não impediu o surgimento de Ferguson nem a explosão de protestos após o assassinato de George Floyd em 2020.

Essas lutas democráticas demonstram uma tendência a assumir conteúdos cada vez mais explosivos e anticapitalista, despertando a simpatia e canalizando o descontentamento de milhares de trabalhadoras e trabalhadores e da juventude precarizada com os planos de ajuste e as medidas de austeridade que agravam sua condição de vida sob o capitalismo.

c) A ausência de uma direção revolucionária

O terceiro aspecto – e o principal limite do ascenso – foi a falta de uma direção capaz de levar essas lutas até suas últimas consequências. A transformação das lutas democrática – por mais radicais e explosivas que sejam – em lutas revolucionárias depende da capacidade do proletariado, enquanto classe, de assumir a hegemonia desses processos, articulando essas demandas com a luta geral contra a exploração. O refluxo do movimento e o avanço da extrema-direita não são acidentais: resultam dessa incapacidade.

Aqui, não se trata de um dogma marxista, mas de uma constatação. A superação das opressões está intrinsecamente vinculada à destruição de sua base material: a divisão da sociedade em classes e a exploração capitalista. O operariado, como sujeito central na produção de riqueza, ocupa uma posição estratégica para desarticular esse sistema e, portanto libertar os oprimidos.

O marxismo não nega a especificidade das opressões de gênero, raça ou sexualidade, mas demonstra como o capitalismo as instrumentaliza para reforçar a dominação de classe – dividindo os trabalhadores, barateando a força de trabalho e transferindo para as mulheres o custo da reprodução social –articulando essas lutas à necessidade da destruição do sistema.

Mas pelo próprio caráter democrático e policlassista que apresentam, surge um dilema político: esses movimentos podem ser cooptadas pela burguesia – transformando-se em reformas que não questionam o sistema – ou podem vincular-se a um projeto revolucionário, sob a direção do proletariado.

Eis o limite das correntes reformistas – incluindo o Feminismo para os 99%: não apontam a necessidade da luta revolucionária e da tomada do poder, limitam-se a denunciar o neoliberalismo sem oferecer uma saída estratégica. Na ausência de uma alternativa revolucionária, a direita retomou a ofensiva.

A lição é nítida: sem independência de classe e sem um programa socialista, as lutas contra as opressões estão fadadas a recuos ou a ser absorvidas pelo sistema que pretendem combater.

Conclusão

O ascenso feminista dos anos 2010 revelou tanto o potencial explosivo das lutas contra a opressão quanto os limites impostos pela ausência de uma direção revolucionária. A experiência demonstra que o reformismo é uma armadilha, pois as conquistas democráticas no capitalismo, ainda que importantes, não eliminam a base material das opressões. A emancipação real exige a destruição do capitalismo, sistema que necessita da exploração de classe e de todas as formas de opressão para se reproduzir.

O sujeito revolucionário da luta contra as opressões é a classe operária, com seus setores oprimidos na vanguarda, única força capaz de unificar as lutas contra as opressões ao combate estratégico pelo poder político. As reivindicações democráticas devem servir para fortalecer a organização independente da classe, e a luta imediata deve estar subordinada à estratégia socialista.

A maior parte dos movimentos de mulheres, mesmo aqueles que se reivindicam como movimentos ligado aos trabalhadores e trabalhadoras, infelizmente renunciou a essa estratégia, se não nas palavras, nas suas ações concretas, no quotidiano. Ao fazê-lo já não podem libertar as mulheres trabalhadoras da exploração e sequer da opressão e por isso se tornaram inúteis. Cabe nós resgatá-la e disputar a direção dessas lutas, reestabelecendo o papel de vanguarda da classe operária na luta pela igualdade e pela emancipação dos oprimidos, colocando esses movimento novamente no caminho da revolução.

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