Projeto de isenção é insuficiente e não toca nos verdadeiros super-ricos

O projeto de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda enviado pelo governo Lula ao Congresso Nacional, em maio, concede um certo respiro momentâneo a uma parcela da classe trabalhadora, mas, além de limitado e insuficiente, está muito longe de representar qualquer reversão na injustiça e desigualdade do sistema tributário brasileiro. E, ao contrário do discurso, não toca nas fortunas dos verdadeiros super-ricos.
O projeto estende a faixa de isenção dos atuais R$ 2.259,20 até R$ 5 mil mensais. Dos R$ 5 mil aos R$ 7 mil, incide uma tributação gradual, e desta faixa em diante a tabela atual continua como antes. Por exemplo, quem ganha R$ 5 mil vai ter uma isenção de pouco mais de R$ 300. Quem ganha R$ 6 mil, por sua vez, terá um desconto de 50% na atual alíquota, que representará, na prática, R$ 157 a menos, mas ainda desembolsará absurdos R$ 417 ao leão todo o mês. E para quem recebe R$ 7 mil não mudará nada (R$ 849 de IR).
Se por um lado, R$ 300 ou R$ 200 por mês não são irrelevantes para quem, nessa faixa de renda, vive com a corda no pescoço (ainda mais com a escalada inflacionária em cima dos alimentos no último período), por outro não reajusta uma tabela de IR que está há muito defasada. Continuar taxando quem recebe R$ 7 mil com o teto da tabela é um absurdo. Para se ter uma ideia, esse salário está abaixo do salário mínimo constitucional calculado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) – o salário que, pela lei, deveria suprir as necessidades básicas de uma família – que, em fevereiro, era de R$ 7.229,32.
Como está e como fica a faixa de isenção do IR

Tapando o sol com a peneira
Se o valor da isenção que, segundo dados divulgados pelo governo, beneficiariam 10 milhões de trabalhadores, é insuficiente, ele ainda tende, com o passar dos anos, a perder seu efeito. Isso porque não se trata de uma atualização da tabela, mas simplesmente uma faixa fixa de isenção. O que vai acontecer? Com a inflação, os salários vão ultrapassar esse teto de R$ 5 mil e, consequentemente, o trabalhador antes beneficiado voltará a ser taxado. Percebam como o trabalhador fica entre a cruz e a espada: o governo Lula recentemente reduziu o índice de recomposição do salário mínimo, mas na medida em que ele aumenta, sua renda sai dessa faixa de isenção. Se não aumenta, continua com a renda sendo corroída pela inflação.
É bom lembrar que a defasagem da tabela do Imposto de Renda chega a 167% desde 1996 (segundo cálculos da Unafisco). Ou seja, com o arcabouço fiscal, e uma política de restrição de gastos públicos e achatamento do salário mínimo implementados pelo governo Lula (e os governos que o sucederam), dá para se supor, com certa margem de certeza, que a história se repetirá.
Desigualdade e concentração de riqueza
Isso mostra que o governo Lula não tem uma política de enfrentar a brutal desigualdade que se expressa na concentração de riquezas numa parte ínfima da população, algumas dezenas de bilionários, e nem ao menos corrigir a vergonhosa injustiça que é o sistema tributário. A reforma tributária do governo Lula, por exemplo, manteve a concentração dos impostos sobre o consumo (simplificando os poucos impostos que incidem sobre os grandes capitalistas). No Brasil, quem paga imposto, na fonte ou no consumo, é o trabalhador, gente pobre e a classe média.
Assim, simplesmente não é verdade que quem ganha até R$ 5 mil não vai pagar imposto. Continuará pagando, e muito, toda vez que vai ao supermercado ou compra um pingado com pão e manteiga na padaria. Assim como os 40 milhões de trabalhadores informais (segundo números do próprio IBGE), cuja renda média é inferior à dos trabalhadores com carteira e pagam o mesmo imposto sobre o consumo que o bilionário Carlos Alberto Sicupira, um dos que fraudaram as Americanas.
Trocando em miúdos, o projeto de isenção do IR vem num momento de forte queda da popularidade do governo, vai ter efeito só em 2026, ano eleitoral, não resolve a regressividade do sistema e seus efeitos virarão pó com o tempo.
Conversa pra boi dormir
Os super-ricos vão pagar mais impostos?
Ao contrário do que vem sendo divulgado pelo governo, os que seriam sobretaxados, essencialmente a faixa que vai de R$ 600 mil a R$ 1,2 milhão anuais (com alíquotas que vão de 2,5% a 10%), estão muito longe de abarcar os verdadeiros “super-ricos”, os bilionários que concentram grande parte da renda no país.
Os que vão entrar no alvo do leão, apesar de não comporem mais de 0,1% da população, fazem parte de uma classe média mais endinheirada que está muito longe do topo da pirâmide social. É o profissional liberal, um gerente de uma empresa, um trabalhador mais qualificado, enfim, grande parte que, embora usufrua de uma renda maior que grande parte da população, ainda vive, em sua maioria, de seu trabalho.
Num país em que 90% da população ganha até R$ 3.500,00 por mês, essa classe média que está nessa faixa de renda totaliza apenas 141.400 pessoas, segundo o Ministério da Fazenda. No entanto, parte significativa dessa renda já é tributada, pois se trata de um estrato que ainda vive essencialmente do trabalho. São, de certa forma, uma “elite”, mas que nada tem a ver com quem, de fato, concentra a maior parte das riquezas do país. E mesmo assim, esse público vai desembolsar um valor ínfimo a mais no que vem sendo chamado de “imposto mínimo”.
Imposto mínimo
Como isso ocorre? Segundo levantamento do economista Sergio Wulff Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a partir de dados da Receita Federal, esses milionários já pagam atualmente uma alíquota média que vai de 5% a 8,5%. Para atingirem os 10%, portanto, terão que desembolsar uma porcentagem de apenas 1,5% a 5% a mais. O governo afirma que quer taxar os dividendos (parte dos lucros de uma empresa garantidos por uma ação ou título), mas como já vai haver um teto de 10% sobre a renda total dos milionários (e, quanto mais rico, mais os dividendos compõem essa renda), na prática eles continuarão isentos, ou pagando muito pouco, pois a parte dos dividendos que faria exceder esse limite dos 10% será devolvida.
O projeto enviado pelo governo Lula ao Congresso Nacional é ainda mais limitado do que defendia o próprio Paulo Guedes, o ultraliberal ministro da Economia de Bolsonaro, que fez um projeto taxando em 20% os dividendos (que o próprio já considerava “modesto”). O projeto do governo Bolsonaro chegou a ser aprovado na Câmara, mas foi engavetado e está mofando no Senado.
Além disso, pelo atual projeto do governo Lula, títulos financeiros como LCA e LCI (Letra de Crédito Imobiliário e Letra de Crédito do Agronegócio) continuarão completamente fora de qualquer taxação, independentemente da renda de seus detentores. Ou seja, de antemão, antes mesmo de qualquer negociação no Congresso Nacional, o governo Lula já protege o agronegócio e o setor imobiliário.
É preciso pegar os bilionários
Taxar as grandes fortunas, mas não só
Segundo levantamento do banco suíço UBS divulgado em 2024, o Brasil possui 60 bilionários (em dólares). Um conjunto de pessoas que caberia num ônibus e que carrega uma fortuna equivalente a R$ 943 bilhões, quase 10% do PIB do país.
Um estudo divulgado pela ONG Oxfam em 2022, quando o Brasil contava com 55 bilionários, revela que, juntos, esses verdadeiros super-ricos (e não o que o governo chama de super-rico) concentravam o equivalente às riquezas de 60% da população.
É impossível realizar uma verdadeira reforma tributária, que ao menos minimize um dos mecanismos mais regressivos do mundo, sem mexer nas fortunas, nos lucros e nos patrimônios dessa fatia de seis dezenas de bilionários, e sem desonerar completamente o consumo.

O topo da pirâmide paga menos impostos
É necessário taxar e expropriar os bilionários e os monopólios
É preciso ainda isentar na íntegra pelo menos os trabalhadores assalariados, além de pequenos e microempresários que ganhem até R$ 10 mil. Depois, impor um Imposto de Renda fortemente progressivo que reduza o peso da classe média e ataque os verdadeiros donos das riquezas, os bilionários sentados sobre fortunas acumuladas a partir da apropriação do fruto do trabalho da grande maioria da população. Seria o mínimo do mínimo para se falar em reforma tributária.
A política do governo Lula, porém, vai no sentido contrário. Um exemplo: ao mesmo tempo em que Haddad anunciou seu projeto de isenção, o Banco Central, já sob a gestão do governo Lula, aumentou ainda mais as taxas de juros. Só para comparar, a isenção do IR custaria algo em torno de R$ 25 bilhões; já a cada 1% de juros que o BC aumenta, são mais de R$ 50 bilhões que são transferidos a banqueiros e especuladores por meio da dívida pública. E, como numa roda infernal, a dívida aumenta, e o governo corta verbas e aperta o arcabouço fiscal para garantir seu pagamento. Isso é distribuição de renda? É transferência pura e simples das riquezas produzidas pelos trabalhadores para grandes monopólios capitalistas e internacionais.
Atacar a desigualdade
A desigualdade social, porém, só será combatida de forma consequente ao taxar de fato as fortunas dos bilionários, assim como expropriar os monopólios capitalistas que dominam, por meio das 200 maiores empresas, a maior parte da economia do Brasil, impondo a escala 6×1 e salários de fome, remetendo seus lucros para fora e aprofundando seu caráter colonial; suspendendo e auditando a dívida pública e, enfim, fazendo com que a classe trabalhadora e a classe média deixem de pagar pelas isenções e pelos lucros dos grandes bilionários.