Colunas

Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro. Ou não

Tem Inteligência Artificial para tudo, só não tem para aquilo que não queremos fazer

Jorge H. Mendoza

13 de abril de 2025
star4.11 (9 avaliações)
Miyazaki feito em IA provavelmente está desapontado com vocês usando IA.

Se você vive nesse mundo e tem acesso à internet, provavelmente viu algo nas últimas semanas sobre transformar sua foto em uma ilustração no estilo dos estúdios Ghibli, de Hayao Miyazaki. Até a ROTA e as Forças Armadas de Israel entraram na onda.

A moda, por mais passageira que fosse, foi suficiente para levantar um debate nas redes sobre o quão ético isso era. Quer dizer, Miyazaki sequer foi consultado sobre isso, e não demorou para que pipocassem memes com sua famosa declaração sobre o uso de IA: “Sinto que isso é um insulto à própria vida.”

Discutiu-se bastante sobre os direitos autorais do autor nesse caso. Mas o problema jurídico (ainda não resolvido) é que os direitos se aplicam a criações realizadas, e não a um estilo em abstrato. Tampouco alguém que aplica o filtro em uma foto pessoal poderia ser acusado de plágio. A culpa seria então da empresa detentora da IA? Mas ela não pode ser responsabilizada pelo uso que seus clientes fazem — tal como uma montadora não pode ser culpada por acidentes de trânsito…

O imbrólio é tanto que não dá para reduzir a discussão a uma postura moralista do tipo “essa é a arte de Miyazaki e precisa ser respeitada.

Alto lá.

Primeiro, a declaração de Miyazaki é frequentemente descontextualizada. Ela foi dita em 2016, quando, convenhamos, as IAs ainda estavam engatinhando. Até duas semanas atrás, elas mal conseguiam desenhar uma mão com cinco dedos.

Segundo — e talvez esse seja o ponto mais importante —, a Arte não pode ser reduzida ao objeto artístico em si. Essa concepção ficou para trás no século passado com as vanguardas modernistas. Desde então, a arte está muito mais no gesto do que no objeto.

Desde que Duchamp assinou um mictório e o expôs numa galeria, essa questão está posta: a Arte é maior que o objeto. Implicam-se aí a subjetividade, a intencionalidade e o gesto — tanto de quem faz quanto de quem consome. Não à toa, a segunda metade do século XX viu nascer as performances, uma forma de arte sem objeto.

Mas voltemos a Miyazaki. Sua arte não são apenas suas ilustrações. O que torna obras como Meu Amigo Totoro (1988) e Túmulo dos Vagalumes (1988) tão potentes não é, nem de perto, o estilo característico do Estúdio Ghibli. Mas sim a sensibilidade profunda e a potência narrativa com que captam aspectos subjetivos e emocionais da experiência humana: o medo, o trauma e a busca por significado e felicidade.

Isso — até agora — IA nenhuma consegue fazer.

Acho que o debate deveria seguir por aí. Porque entre a nossa existência singular enquanto indivíduos e a universalidade humana — o ser genérico, como diria Marx — existe um particular que nos conecta.

Esse particular é justamente a experiência estética, e é por isso que a Arte importa, para além da técnica. Quando lemos Graciliano Ramos, não queremos ser Fabiano, nem a cachorra Baleia, mas sabemos exatamente o que é sonhar com um mundo cheio de preás.

É essa experiência de conectar o nosso singular ao universal que faz da Arte, Arte. Grandes obras sobrevivem ao tempo porque nunca perdem a capacidade de nos conectar com o que há de mais humano em nós. Através da Arte, nos humanizamos — e nos reencontramos.

Miyazaki, portanto, não é diminuído pela IA. Contraditoriamente o contrário: para mim, frente aos rumos que o mundo toma, suas obras se tornam mais necessárias. Afinal, desenhar qualquer IA desenha. Mas entender as angústias que fazer de mim ao mesmo tempo um humano universal e singular, é outra história. Aqui eu fico com Miyazaki.

Isso significa que a Arte é a solução para os males do Capitalismo? Seria a arte a panaceia para os males da alienação? Não exatamente… Afinal, o próprio capitalismo ameaça o desenvolvimento artístico.

Mas isso fica para um próximo texto.

Mais textos de Jorge H. Mendoza
WordPress Appliance - Powered by TurnKey Linux - Hosted & Maintained by PopSolutions Digtial Coop