RS: Encerrada a greve de municipárias(os) de Porto Alegre. Quais as lições que ficam?

No último dia 12, as(os) servidoras(es) do município de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, decidiram em assembleia pelo encerramento da greve. Após 12 dias de paralisação a proposta apresentada pelo prefeito Melo e aprovada foi de 4,83% de reposição salarial em quatro parcelas, aumento de 10% no vale alimentação em duas parcelas, abono mediante reposição das horas paradas e complemento aos servidores que ganham abaixo do salário mínimo.
Uma proposta muito abaixo do percentual de defasagem de 33,40% dos salários. Também, do grau de sucateamento dos serviços públicos, da precarização do trabalho e da entrega do patrimônio público. O Melo/MDB apresentou n,a segunda-feira (14), à Câmara de Vereadores o projeto de entrega para a iniciativa privada do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE).
O governo se deu em aumento real mais de 62%, para os seus secretários e cargos comissionados. Melo passou a ganhar um salário de R$ 35 mil, inclusive ultrapassando o teto de gastos. Assim como tem ostentado um superávit nas contas do município mesmo com as despesas com a enchente de 2024.
Acreditar na categoria
Uma das lições é que a direção precisa acreditar mais na base da categoria. A greve era visivelmente composta de uma maioria de mulheres, já que as maiores secretarias do município são Educação e Saúde, profissões formadas majoritariamente por mulheres, e essas trabalhadoras tomaram a frente da luta se demonstrando aguerridas e com muita disposição.
As atividades foram diárias: atos, caminhadas, protestos e visitas aos locais de trabalho para reforçar a greve. A greve forçou o prefeito a receber a comissão de negociação. Ocupou as redes sociais e a grande imprensa não conseguiu omitir a existência do movimento.
Também foi denunciado o SOUTH SUMMIT – evento da burguesia, voltado ao empreendedorismo, denunciando o caráter de mercantilização da cidade. Evento com ingressos entre R$ 1.090,00 e R$ 5.499,00 e ainda assim contou com investimentos públicos do estado, da prefeitura de Porto Alegre e da Assembleia Legislativa de R$ 27,6 milhões. O ato na entrada do evento enfrentou o aparato repressivo da Brigada Militar, em especial da cavalaria, gerando grande repercussão na cidade.
A direção do Sindicato (PT, PSOL e PCdoB) defendeu acabar com a greve no 2º dia do movimento, sem nenhuma proposta apresentada, sequer de negociação dos dias parados, gerando indignação em grandes setores da categoria, essa proposta foi derrotada e manteve-se a greve.
Outra lição é que é necessário avançar na unidade com os terceirizados, pois a exploração contra os terceirizados reverbera na organização de luta e realidade da categoria. Inclusive, porque ficou evidente a diminuição de contingente na greve devido o avanço da terceirização nos setores da saúde, DMAE e mesmo na educação.
Ainda da disposição de luta. A greve teve uma característica marcante de pressão política para além do corporativismo. Teve pontos altos como na denúncia da precarização do trabalho, no desmonte dos serviços públicos, na privatização do DMAE e do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV), chegando ao descaso do prefeito com a enchente que inundou Porto Alegre.
Foi forte a denúncia da responsabilidade do prefeito Melo/MDB com a enchente de maio, suas relações com a especulação imobiliária e os donos da cidade (Melnick, Cyrela, Goldstein, Zaffari e MRV), o ataque do governo às vítimas das enchentes e a demolição de residências nos bairros atingidos sem haver nenhuma reparação aos moradores.
Mas têm um porém, uma greve política não significa povoar as atividades da greve com parlamentares. Ou mesmo fazer do parlamento uma tábua de salvação. É importante que trabalhem para a categoria, sim. Mas, em hipótese alguma é interessante que substituam a categoria. Estejam metidos o tempo todo na linha de frente das negociações e/ou movimentações. Trocando a ação direta por intervenções institucionais. Privilegiando os gabinetes. Promovendo o protagonismo dos parlamentares em detrimento aos servidores, submetendo a independência do movimento às construções de cunho eleitoral, na busca incessante da manutenção dos mandatos eletivos.
A luta contra o desmonte do serviço público
A greve pautou os projetos de desmonte do serviço público de Melo, mas é importante dizer que são os mesmos projetos com os governos estadual e federal. Porque não é só o Melo/MDB que sucateia e entrega para a iniciativa privada as empresas estatais e os serviços públicos. O Leite/PSDB e o Lula, através das Parceria Público Privada (PPPs), têm enriquecido os capitalistas, negociando o transporte público, a saúde, a educação e outros tantos setores.
A terceirização e as PPPs são políticas, diretrizes dos governos federal, estadual e municipal, aparecem também em colaboração entre essas 3 esferas. Por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está financiando o estudo de privatização do DMAE e liberou a verba para a privatização do HMIPV.
Durante os dias de greve, Fabiana Sanguiné – militante do PSTU, ex-candidata a prefeita de Porto Alegre e trabalhadora do HMIPV – teve iniciativas de intervir, agitar, gravar vídeos de promoção e divulgação da greve e participar ativamente das atividades. Denunciando a escalada de exploração e opressão que as trabalhadoras da categoria e terceirizadas estão submetidas.
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Apoio e solidariedade à greve
As ativistas do Movimento Mulheres em Luta (MML) estiveram presentes distribuindo panfleto de apoio e conscientização da realidade das mulheres. A composição da greve era fortemente de grevistas mulheres. No setor da saúde, em especial, são mais de 80% de mulheres e mais da metade são negras. As mulheres trabalhadoras estão à frente do atendimento à população, mas também à frente da luta em defesa dos serviços públicos. Quando o governo desmonta essas categorias e ataca o atendimento à população, está essencialmente atacando as mulheres, em especial, às mulheres negras que na sua maioria são mães solo e arrimo de suas famílias.
Os militantes do PSTU engrossaram as fileiras da greve, ajudaram nas atividades de rua, nas palavras de ordem, na divulgação do movimento e na segurança.
Importante dizer que essa greve evidenciou a disposição de enfrentamento que os trabalhadores têm, mesmo quando barrados por direções conciliadoras. A greve encerrou com um gosto amargo de uma proposta muito recuada, de uma negociação em que todos os presentes naquela sala, desde o governo às correntes políticas da direção do sindicato estão alinhados na Frente Ampla a nível nacional, portanto estão todos juntos na base do governo Lula que de fato está financiando a privatização do DMAE e do HMIPV. O pior foi constatar que apenas dois dias após o encerramento da greve foi apresentado na Câmara de Vereadores o projeto de privatização do DMAE.
A greve recuou mas a categoria não saiu derrotada. Porém, mais uma vez, fica evidente que na luta de classes, independência e autonomia política não se negocia na mesa do patrão. Que essa greve seja a retomada de um caminho de lutas e enfrentamentos na defesa intransigente dos trabalhadores, com independência e autonomia colocando em prática as lições aprendidas: a força da ação direta, a confiança no seu poder de mobilização, a necessidade da unidade com os terceirizados e a importância do aprofundamento do trabalho de base.
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