Cultura

Só desenhos? Animes também denunciam injustiças e tensionam questões sociais

Redação

24 de abril de 2025
star5 (1 avaliações)
Akira, animê clássico dos anos 1980

Olhos grandes, cabelos estilizados, poderes incríveis e muita cor: assim são os animês, animações produzidas no Japão, com estilos visuais bem característicos. Eles abrangem diversos gêneros, como ação, drama e ficção científica. Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Pokémon, Naruto e One Piece são, geralmente, as primeiras a serem lembradas. Diferente dos desenhos ocidentais, os animes costumam tratar temas complexos, atingindo tanto o público infantil quanto o adulto.

A narrativa típica dos animês envolve protagonistas jovens que enfrentam missões impossíveis, superando desafios através de altruísmo e dedicação, enquanto o mundo é ameaçado por forças malignas. Essa estrutura reflete aspectos da história japonesa, marcada por períodos de guerra e modernização e, também, serve como veículo para crítica social.

Guerra e trauma: a história japonesa

O Japão passou por intensa modernização durante a Restauração Meiji, por volta de 1860, quando o país se industrializa e começa a exercer um imperialismo agressivo na Ásia, durante a Segunda Guerra Mundial.

O imperador Hiroito, aliado de Hitler e Mussolini, era venerado como descendente de deuses e liderou o Japão em práticas genocidas durante a Segunda Guerra. Após intensos bombardeios, os EUA lançaram duas bombas atômicas em 1945, matando mais de 200 mil pessoas.
O impacto foi devastador e marcou o mundo com o terror nuclear. No entanto, o Japão reprimiu esse trauma histórico. Com o apoio dos Estados Unidos, a dinastia imperial se manteve no poder. Até hoje, o país não reconheceu oficialmente seus crimes de guerra.

Da forma semelhante, os animês escondem temas e eventos graves, por baixo de uma máscara de fofura e doçura. Os eventos históricos deixaram marcas nas narrativas dos animês, onde poderes explosivos e ameaças constantes são comuns.

Crítica social nos animes

Você já deve ter visto um animê com robôs gigantes em lutas épicas — esse é o gênero “mecha”. Lançado em 1995, Neon Genesis Evangelion, de Hideaki Anno, vai além da ação e mergulha em temas como depressão e alienação. O protagonista, Shinji Ikari, é forçado a pilotar um robô sem preparo, refletindo a pressão sobre jovens japoneses. Sua frase “Eu não posso fugir” virou símbolo dessa cobrança. A relação com seu pai representa o autoritarismo em casa e na escola. Shinji literalmente foge de suas responsabilidades, apenas para retornar às batalhas, por sentir que não tem alternativa. Um paralelo direto com estudantes que não veem outra opção além de se conformar às expectativas acadêmicas, profissionais e sociais.

Publicado como mangá (1982–1990) e adaptado ao cinema em 1988, Akira, de Katsuhiro Otomo, revolucionou o visual da animação e trouxe forte crítica política. Ambientado em uma Neo-Tóquio pós-catástrofe, o filme aborda o militarismo, a repressão e os efeitos do crescimento urbano descontrolado. Gangues de motoqueiros, experimentos com crianças e violência policial, mostram como Otomo questiona o milagre econômico japonês, ao escancarar suas consequências sociais: uma juventude alienada e uma elite política corrompida pelo poder.

Lançado recentemente, Chainsaw Man é um exemplo de como os animês atuais mantêm forte crítica social. O protagonista, Denji, um trabalhador explorado e precarizado, realiza tarefas ingratas, estigmatizadas e perigosas para sobreviver: elimina demônios que vagam o mundo buscando sangue humano. A trama remete à exclusão dos Burakumin, grupo historicamente marginalizado no Japão por lidar com sangue e morte. Após ser traído e morto pelo patrão, Denji renasce e vira uma arma controlada pelo Estado, que o transforma em um “cão” a serviço do governo. Ao longo da história, revela-se que a guerra contra os demônios é mantida por interesses políticos e econômicos, criticando a exploração do trabalhador e a manipulação estatal.

Disputa de narrativa

Extrema direita e a distorção das narrativas

Obras como Neon Genesis Evangelion, Akira e Chainsaw Man fazem duras críticas à opressão social, à guerra, à exploração e à marginalização. No entanto, grupos de extrema direita no Brasil têm se apropriado dessas narrativas, muitas vezes distorcendo seus significados originais para reforçar discursos conservadores ou autoritários.

Canais de extrema direita comentam animês e distorcem suas mensagens, atraindo jovens que se identificam com protagonistas em busca de redenção. No Brasil, os animês não são apenas um fenômeno cultural, mas também reflexo de aspirações e desafios enfrentados por uma geração que busca redenção nas jornadas desses heróis fictícios, enquanto navega suas batalhas cotidianas.

Jovens se veem nos personagens que enfrentam pobreza, violência e solidão. Denji, Tanjiro e Jin-woo refletem a luta diária por dignidade, conforto e superação diante de um mundo implacável.

O discurso da extrema-direita subverte o real inimigo das tramas, canalizando o ódio dos jovens para alvos ilusórios. Escondem os conflitos sociais, para ressaltarem a masculinidade, o cinismo tóxico e a violência como saída individual. Ou, em suas vertentes mais fascistóides, inventam teorias mirabolantes da conspiração, para explicar o que é facilmente entendido por meio da análise da sociedade capitalista.

Propagandistas fascistóides transformam o isolamento social da juventude e a dissolução da família em conspirações de “globalistas”. Ignoram as causas reais, como o desemprego, a especulação imobiliária e a exploração que geram esses fenômenos. Oque a extrema direita faz é mentir para os jovens, dizendo que estão abertos para eles os mesmos caminhos ficcionais dos animês: o poder mágico do indivíduo isolado.

WordPress Appliance - Powered by TurnKey Linux - Hosted & Maintained by PopSolutions Digtial Coop