Mundo Árabe

Setenta e sete anos da Nakba: não esquecer, resistir e mobilizar

Soraya Misleh

9 de maio de 2025
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Fome já começa a matar crianças em Gaza. Israel impede chegada de alimentos.

“Um homem [disparou] um tiro no pescoço da minha irmã Salhiyeh, que estava grávida de nove meses. Depois, abriu a barriga dela com uma faca de açougueiro.”

“Eu gritei, mas ao meu redor outras mulheres também estavam sendo estupradas. Alguns homens estavam tão ansiosos para pegar nossos brincos que arrancaram nossas orelhas para tirá-los mais rápido.”

“Eu vi mulheres que a bomba explodiu, eu vi gente com barriga tudo aberta. Eu, pessoalmente, vi um amigo meu, a gente estudava junto. Eu passei a mão no rosto dele, na testa dele, pra reconhecer ele. Tinha sangue pra todo lado.”

“Eles estupraram prisioneiros em frente dos meus olhos!”

“O exército israelense bombardeou nossa casa diretamente, e todos que estavam lá dentro foram mortos.”

“Vi crianças decapitadas em Gaza, tenho fotos.”

Os primeiros três testemunhos são de sobreviventes dos massacres de 1948. Os três últimos, dos acontecimentos atuais em Gaza. 77 anos de genocídio e limpeza étnica. 77 anos de contínua Nakba – a catástrofe palestina, cuja pedra fundamental é a formação do Estado racista e colonial de Israel, em 15 de maio de 1948, sobre 78% do território histórico da Palestina.

77 anos de tentativa de extermínio do povo palestino. 77 anos de resistência como existência, sob constante ameaça de apagamento do mapa.

Combater a cumplicidade e o sentimento de impotência

Além dos horrores, as testemunhas da contínua Nakba – e, nos últimos dois anos, de tentativa de “solução final” por parte do Estado sionista – retratam o sentimento de abandono e a percepção da histórica cumplicidade internacional.

Isso é que tem permitido a Israel, enclave militar do imperialismo, se sentir à vontade para promover um verdadeiro holocausto palestino, transmitido ao vivo e em cores para o mundo, perpetuando uma injustiça que tem como pedra angular a Nakba de 1948, mas cujo processo de colonização já dura mais de 100 anos.

Se por um lado, ao longo dessa história macabra, nunca se viu tamanha solidariedade internacional; por outro, há que se rebater a cada instante a percepção de impotência para parar a carnificina, que é justamente o anseio sionista/imperialista.

Holocausto palestino: destruição, expulsão e eliminação

As máscaras caíram. Talvez os inimigos da causa palestina nunca tenham estado tão expostos: o imperialismo/sionismo, os regimes árabes e a burguesia árabe-palestina (hoje, centralmente vinculada ao capataz da ocupação, a Autoridade Palestina).

Israel nem sequer se preocupa mais em maquiar sua cara feia. Fala, sem hipocrisia, em destruição, expulsão e eliminação de Gaza (ou seja, 2 milhões de palestinos). Impõe a fome, a sede e condições inimagináveis a essa população, sem qualquer constrangimento.

Por que seria diferente? Quase 20 meses de genocídio em Gaza, limpeza étnica aprofundada na Cisjordânia – territórios palestinos remanescentes, após 1948, ocupados militarmente em 1967 –, mais de 300 mil palestinos assassinados, escolas e hospitais bombardeados ou crianças e mulheres decapitadas (e muito mais…) não abalaram substancialmente a cumplicidade internacional histórica que sustenta 77 anos de contínua Nakba.

Palestina, laboratório para o mundo

Governo Lula precisa romper relações com Israel

Há que seguir lutando por boicote, desinvestimento e sanções (BDS) a Israel, ao mesmo tempo que é preciso ampliar a consciência dos “de baixo”, explicando que o imperialismo/sionismo tenta converter os palestinos em cobaias humanas e em seu laboratório para exportar técnicas, treinamentos e armas para o mundo (70% das tecnologias da morte testadas na Palestina ocupada destinam-se à exportação).

Nessa luta por vida ou morte, desde o Brasil, a tarefa pautada pelo movimento palestino por BDS é exigir do governo Lula o fim da exportação de petróleo brasileiro para abastecer o genocídio e embargo militar, rumo à ruptura de relações econômicas, militares e diplomáticas com o Estado genocida de Israel.

É preciso intensificar a denúncia de que os governos estaduais seguem adquirindo armas e treinamentos israelenses, que servem ao genocídio do povo pobre e negro e ao extermínio indígena.

A Palestina é o laboratório do mundo. Se a cumplicidade internacional histórica, inclusive do Brasil, tem perpassado governos desde 1947 (e mesmo que as relações e acordos tenham sido, lamentavelmente, ampliados a partir do segundo governo Lula), foi no governo do genocida Bolsonaro que se iniciou a exportação de petróleo para Israel e, também, que o sionismo passou a ter um acento explícito na cadeira do Planalto.

Manifestação em SP no último dia 30 de março, o Dia da Terra. Foto PSTU-SP

Barrar o Projeto de Lei sionista

A extrema direita se alinha explicitamente com o projeto sionista, seu ideal totalitário, o tomando como fonte de inspiração. Exemplo, agora, é o Projeto de Lei 472/2025, apresentado pelo general Eduardo Pazzuelo – o Ministro da Saúde bolsonarista, diretamente implicado na morte de 700 mil brasileiros durante a pandemia.

Em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL tenta avançar na criminalização à crítica a Israel, trazendo a velha confusão deliberada (e propaganda preferencial do Estado genocida) de colocar sinal de igual entre “antissemitismo” e “antissionismo” (ou seja, a oposição ao projeto colonial sionista).

A Palestina é o laboratório do mundo. Barrar a criminalização da solidariedade e parar o holocausto palestino é parte da luta por um mundo sem opressão e exploração. É não permitir precedente perigoso para a humanidade.

Nestes 77 anos da Nakba, no clamor pelo fim da cumplicidade com o genocídio, o chamado é por se mobilizar e fortalecer os atos unificados em todo o Brasil e ir às ruas. É ecoar as vozes palestinas e se inspirar na resistência heroica e histórica, rumo à Palestina livre, do rio ao mar.

Resistimos, existimos. Não perdoaremos, não esqueceremos.

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