Negros

Mc Poze, trabalhador do Ceasa e Festa Junina: A favela segue na mira

Monique, moradora do Morro Santo Amaro and Jad Tris, do Rio de Janeiro (RJ)

26 de junho de 2025
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Protesto contra ação policial em festa junina no Morro Santa Amaro Foto @vozdascomunidades

No dia 29 de maio, MC Poze do Rodo foi preso em casa, sem qualquer prova concreta. A acusação? Postagens em redes sociais e letras de funk. Nenhum item ilegal foi encontrado. A resposta à injustiça foi rápida, com fãs, trabalhadores e moradores em defesa de Poze, exigindo sua liberdade, e no dia 3 de junho a prisão preventiva foi revogada.

No mesmo dia da libertação de Poze, o ex-deputado estadual de São Paulo, Arthur do Val, o mesmo que assediou mulheres ucranianas vulneráveis, publicou um react a um vídeo em que aparece um jovem negro, que trabalha descarregando caminhões de batatas no Ceasa, que ao ser questionado sobre o que acha de Poze, expressou admiração pelo artista: “ele é nosso chefe”. Arthur, ao invés de respeitar a opinião legítima de um trabalhador, insinuou que ele seria traficante e chegou a dizer: “Vamos falar uma verdadezinha: o que deve ser feito com esse cara? No que esse cara ajuda a sociedade? No que esse cara é produtivo?

A fala, gravada e divulgada por ele mesmo, causou revolta nas redes. Não se tratava de um “comentário fora de tom”: foi uma incitação à violência contra um homem negro, apenas por sua aparência, sua origem social, modo de falar e por demonstrar apoio a um artista da favela. Ao insinuar que aquele trabalhador não merecia existir, Arthur do Val reproduziu o discurso genocida que alimenta a política de segurança pública no Brasil, onde a cor da pele e o CEP bastam como sentença de morte. É racismo. É apologia ao extermínio. É ódio de classe.

Na madrugada do sábado seguinte, 7 de junho, a violência estatal voltou a mostrar sua face, em operação da Polícia Militar do Rio de Janeiro, com participação do BOPE e do Comando de Operações Especiais (COE), transformando uma tradicional festa junina no Morro do Santo Amaro, no Catete, Zona Sul do Rio, em um cenário de terror. A ação, justificada como combate ao tráfico, foi mais uma demonstração da política genocida do Estado burguês contra a juventude negra e favelada.

A festa, lotada, foi brutalmente interrompida por um intenso tiroteio iniciado pelas forças policiais durante a madrugada. Vídeos e relatos de moradores apontam que não houve confronto: os tiros partiram unilateralmente da polícia, em meio a crianças, trabalhadores, famílias inteiras que celebravam. Em meio ao caos, o jovem Herus Guimarães Mendes, de 23 anos, foi baleado no abdômen e, mesmo sem ter qualquer envolvimento com o tráfico, foi impedido de receber socorro imediato, sendo arrastado por policiais para um beco. O motoboy, pai de uma criança de dois anos, foi mais uma vítima da política de extermínio praticada cotidianamente nas favelas.

A revolta da comunidade não tardou, no domingo, 8 de junho, centenas de moradores protestaram nas ruas do Catete e da Glória exigindo justiça por Herus. A resposta do governo estadual, em meio à pressão popular, foi a exoneração dos coronéis responsáveis pela operação, mas isso não basta.

A grande desculpa para justificar operações como a que assassinou Herus, a prisão do Poze e o racismo de Arthur do Val é a tal “guerra ao tráfico” que, na prática, é travada contra os pobres, não contra os verdadeiros chefes do crime. É sempre a juventude preta e periférica quem paga a conta, enquanto os verdadeiros beneficiários do narcotráfico seguem protegidos em seus escritórios climatizados, lavando dinheiro em bancos, construtoras e igrejas-empresa.

MC Poze é algemado pela polícia Foto Divulgação Polícia Civil/RJ

O tráfico e a favela

A favela resiste todos os dias. São os garis, os porteiros, as babás, as faxineiras, os caixas do mercado, as manicures, o padeiro da esquina, o garçom do bar. A favela é força de trabalho, dignidade sendo construída apesar do Estado burguês, que abandona e nutre o preconceito e a criminalização. A ausência do Estado abre espaço para facções se infiltrarem, mas ali também nascem coletivos culturais, projetos sociais, movimentos de juventude, e muita cultura. A vida na quebrada não é definida pelo tráfico.

E é justamente esse contraste que revela a hipocrisia da tal “guerra às drogas”, já que não mira banqueiros, doleiros, políticos e empresários que lavam o dinheiro do tráfico. O tráfico não é invenção da favela, é um negócio lucrativo sustentado por elites que jamais serão alvejadas em operações policiais.

A história das favelas está profundamente ligada à história da população negra neste país. Após a abolição, o Estado brasileiro nunca garantiu reparação ou inclusão, a população negra foi jogada à própria sorte, e construiu com as próprias mãos os morros, as periferias, os quilombos urbanos, sendo territórios de resistência diante de um projeto de limpeza social.

O tráfico de drogas é um mercado altamente lucrativo que movimenta bilhões de dólares por ano, abastecido por grandes organizações criminosas que operam dentro e fora das favelas. As facções não existem isoladamente, elas se conectam a redes financeiras, têm proteção política, policial e institucional, sendo o tráfico é uma engrenagem da própria lógica capitalista.

Contudo, não é o jovem de chinelo e fuzil na viela quem lava milhões. Os chefões estão bem longe do morro, sendo empresários, agentes financeiros e políticos que se beneficiam da ilegalidade para acumular capital, porque assim é mais lucrativo, por isso que a repressão nunca sobe o topo da cadeia, contentando-se sempre em exterminar os de baixo, aqueles que são descartáveis para o sistema.

A resposta para enfrentar o tráfico não está em caveirões, helicópteros blindados ou policiais mascarados invadindo festas, tampouco na criminalização do funk por meio de projetos como a “Lei Anti-Oruam”, ou na prisão de MCs. O caminho passa por legalizar e regulamentar o comércio de drogas, retirando das mãos das facções e do mercado clandestino o controle desse setor, o que não significa incentivar o uso, mas sim adotar uma política concreta de enfrentamento ao genocídio promovido pelo capitalismo, que utiliza o discurso do combate ao crime para justificar o assassinato de jovens, alimentar o encarceramento em massa e fortalecer a indústria bélica, tudo em nome do lucro.

Isto só pode ser feito por um Estado a serviço da classe trabalhadora, que enfrente o problema com saúde pública, assistência social, investimento em educação e geração de empregos, e não com massacre.

Enquanto um favelado for morto, toda a favela chora. Mas a mesma favela que vela seus mortos também se levanta. A justiça burguesa talvez não entenda, mas a força que existe nas quebradas é a semente de um mundo socialista.

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