Nacional

“Farinha” Lima: o lucro acima de tudo

Israel Luz and Maria Costa

4 de setembro de 2025
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Operação policial na Faria Lima Foto PF

Na quinta-feira, 28 de agosto, uma ação coordenada da Polícia Federal, da Receita Federal e do Ministério Público de São Paulo visitou o coração financeiro do Brasil, a Faria Lima, a luxuosa avenida paulistana que, sabe-se agora, abriga 42 dos 350 locais ligados ao esquema bilionário de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Até onde vão chegar as investigações? Aparecerão nomes de políticos importantes? Que empresas ainda serão relacionadas? Há muitas perguntas que devem ser respondidas nas próximas semanas, mas o que se sabe já revela a cara feia do capitalismo.

Da cana ao sistema financeiro

São Paulo é o principal centro financeiro do Brasil e a Faria Lima é um símbolo disso. Lá, estão as sedes de grandes símbolos de exploração do nosso povo, como a poderosa Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Entre prédios espelhados, circulam fortunas bilionárias e os frequentadores têm até apelido: “faria limers”. Claro que o termo se refere aos investidores, operadores e grandes empresários. Faxineiras, funcionários de baixa remuneração e outros trabalhadores são só trabalhadores mesmo.

A operação revelou um controle completo da produção, distribuição e comercialização de combustíveis. O PCC comprou terras e usinas, por vezes com ameaças aos antigos donos, e caminhões para distribuir a mercadoria. Também importavam metanol do Paraguai e “batizavam” a gasolina vendida em uma rede que alcança dez estados e conta com mais de mil postos. São Paulo concentra 2,5 mil estabelecimentos, ou 30% do total.

Os lucros eram lavados por meio de “fintechs” (que são um tipo de bancos digitais). Segundo a Receita, entre 2020 e 2024, nada menos que R$ 52 bilhões foram movimentados, só dos ganhos vindos do esquema dos combustíveis.

Fundos de investimento também eram usados para “limpar” o dinheiro e dificultar a identificação da sua origem. O Reag, um dos maiores fundos do país (com ações na Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa), está envolvido na compra de usinas, por exemplo.

PCC: uma empresa capitalista

Em novembro de 2024, o espetacular assassinato de Vinícius Gritzbach no maior aeroporto do país, em Guarulhos (SP), já tinha mostrado a profunda relação do PCC com a economia legal.

Vinícius vinha do ramo imobiliário e acumulou uma fortuna declarada de R$ 19 milhões. Na estrutura da organização, ajudou os capitalistas do crime a lavarem dinheiro com a compra de imóveis de luxo e outros investimentos, como em “bitcoins”. Seu envolvimento no assassinato de duas figuras do Comando – “Cara Preta” e “Sem Sangue” – fez com que fosse jurado de morte.

O fato é que a relação entre tráfico e investimentos legais em São Paulo não é uma novidade, como aponta Maria Costa, em artigo de novembro de 2024 no “Opinião Socialista”: “duas operações do Ministério Público revelaram contratos milionários entre o PCC e instituições públicas. Uma delas, ‘Operação Muditia’, mirou empresas de limpeza e conservação, controladas pelo PCC, que venceram licitações fraudadas com várias prefeituras do estado de São Paulo, e inclusive com o Metrô de São Paulo. Esses contratos teriam rendido ao PCC mais de R$250 milhões, entre 2016 e 2023, vindos diretamente dos cofres públicos”, ressaltava a matéria.

“Outra, a Operação Fim da Linha, revelou outros contratos milionários entre a prefeitura de São Paulo e duas empresas de ônibus controladas pelo PCC, a UPBus e a Transwolff. A primeira tinha uma frota de 158 ônibus que operavam em 13 linhas e transportavam cerca de 67 mil passageiros. A segunda, uma das maiores empresas a prestar esse serviço para a prefeitura, tinha uma frota de 1158 ônibus, que operavam em 133 linhas e transportavam cerca de 585 mil passageiros. Não foi revelado quanto o PCC embolsou diretamente com esses contratos, mas o valor patrimonial bloqueado pela justiça nos dá uma ideia: R$600 milhões”, conclui.

Retorno garantido

Quanto ganha o crime organizado por produto?

• Tabaco e cigarro: R$ 10,3 bilhões
• Ouro: R$ 18,2 bilhões
• Bebidas: R$ 56,9 bilhões
• Combustíveis e lubrificantes: R$ 61,4 bilhões
Fonte: CNN/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dados de 2022

Capitalismo

Dinheiro não tem cheiro

No capitalismo, o lucro está acima de tudo. Não importa se ele vem da cana de açúcar, da cocaína ou de armas. Consequentemente, não existe uma fronteira absoluta entre as atividades legais e ilegais.

“O dinheiro das drogas, no valor de bilhões de dólares, manteve o sistema financeiro à tona no auge da crise global (…). O único capital de investimento líquido disponível para alguns bancos à beira do colapso no ano passado. (…) Como resultado a maioria dos R$352 bilhões em lucros com drogas foram absorvidos pelo sistema econômico”, já declarou Antônio Maria Costa, chefe do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), no período da crise econômica de 2008-2009.

Há mais de dez anos, o jornalista Roberto Saviano mostrava como o tráfico internacional vinha se cercando de sócios refinados e políticos de “boa reputação” para legalizar capital, investindo em combustíveis, hotéis, supermercados, obras. “Agora, é o dinheiro que gravita em torno do pó… Nova York e Londres, Wall Street e a City [respectivamente, os centros financeiros destas duas cidades], são as grandes lavanderias globais, e os lucros são bilionários”, escreve no livro ZeroZeroZero (2014).

Gabriel Feltran, estudioso sobre o PCC, comentou à agência jornalística britânica BBC (em 30/08/2025): “Depois de mais de vinte anos estudando esses temas, acho engraçada essa ideia de ‘infiltração’. Até porque não sei bem quem está ‘se infiltrando’. Será que não são os faria limers, políticos e outros os que querem se infiltrar, para se apropriar da economia bilionária dos mercados ilícitos”?

Grandes bancos são os maiores beneficiados

Muito mais que meras “fintechs”, são os grandes bancos os maiores interessados na liquidez vinda do grande volume de dinheiro usado nas transações criminosas. Em 2012, o HSBC, uma das maiores instituições financeiras do planeta, admitiu ter viabilizado a lavagem de US$ 881 milhões (R$ 4,8 bilhões) de cartéis mexicanos e colombianos nos EUA.

É aí que se encontra o coração desses grupos, não nas favelas e baixadas. A título de comparação, lembremos o que um traficante disse a Bruno Paes Manso no livro “República das Milícias” (2020). Segundo o entrevistado, ele podia ter entre R$ 150 e 200 mil de lucro ao mês, mas esse recurso era usado quase todo na manutenção do negócio.

“Sobra pouco dinheiro para investir. Fiz dinheiro para muita gente, inclusive para a polícia. Mas não posso reclamar, porque esses arregos me mantiveram vivo. Só que ninguém sai rico do varejo de drogas”, declarou o traficante.

Como qualquer empresário, o grande capitalista do tráfico diversifica seus investimentos em dado ponto de acumulação: padarias, postos de combustível, imóveis, terras, lojas de conveniência. Você, leitor(a), já deve ter abastecido seu carro ou, quem sabe, comprado um pãozinho em um estabelecimento desses.

Essa conexão se mostra também na intimidade entre o crime e agentes públicos. Se, até alguns anos atrás, o termo “Estado paralelo” era comum, hoje é fácil ver que o “legal” e o “ilegal” estão bem misturados. Nosso país é cheio de exemplos.

Na ditadura civil-militar, os bicheiros cariocas fizeram fortuna recebendo favores de militares e outras autoridades. No Norte no Nordeste, sobram casos em que policiais trabalham como grupo de extermínio para fazendeiros, a exemplo da chacina na cidade de Pau D’Arco, no Pará. Em São Paulo, em 2024, delegados da repressão ao tráfico no centro da capital foram apanhados traficando drogas apreendidas legalmente.

Em síntese, os únicos valores que o capitalista leva a sério são do tipo que se guarda nos bancos.

Os limites da operação

“Em 2020, houve uma operação da PF muito similar, chamada ‘Rei do Crime’. Antes, houve operações também muito grandes contra o PCC, dezenas. A concepção é correta, do ponto de vista policial: investigação, análise das redes criminais e ação interinstitucional. Mas o fato é que o PCC não mostrou sinais de fadiga depois delas e, ao contrário, continuou crescendo”, questionou Gabriel Feltran, na já mencionada matéria da BBC, no dia 30 de agosto.

Esse ponto é relevante, pois várias autoridades, como Lula, Tarcísio e Haddad, tentaram, imediatamente, obter ganhos políticos com a megaoperação. No entanto, tanto em nível federal quanto estadual não há mudança à vista na velha lógica da militarização e confronto da “segurança pública”.

Operação ‘Escudo’ da PM de Tarcísio Foto PMSP

Guerra aos pobres

Em bairro de rico a polícia respeita os direitos

O esquema na “Farinha” Lima mostra como é hipócrita a política de Segurança Pública. A PM de Tarcísio e Derrite participou da operação, mas não se tem notícia da “resistência seguida de morte”, tão comum nos bairros pobres.

Desde 2023, o número de assassinatos pela PMESP só tem crescido, o que é apresentado como resultado positivo pelo governador e seu capanga. As operações contra o tráfico que marcam o governo são a “Escudo” e a “Verão”, realizadas nas favelas da Baixada Santista e nas quais inúmeras denúncias apontam execuções de inocentes ou ações abertamente criminosas, como contra o motoboy Evandro Alves, alvejado com vários tiros, nu, enquanto usava o banheiro.

O problema atravessa todos os âmbitos de governo. Lembramos que, no final de 2023, o presidente petista sancionou a Lei Orgânica das Polícias Militares e Bombeiros, que mantém a estrutura dessas corporações. Sem falar na PEC da Segurança, de 2024, que abre espaço para a transformação das guardas municipais em polícia.

Como temos repetido em várias oportunidades, Segurança Pública é um nome bonito e mentiroso para guerra aos pobres. É essa violência de classe e raça o verdadeiro sentido do sistema que vai da polícia aos tribunais.
“Não há direitos para o pobre, ao rico tudo é permitido”: até traficante sair vivo de operação policial.

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