Mulheres

“A gente tem que tomar esses espaços pra nós”: a experiência de Luciene da Silva na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres

Movimento Mulheres em Luta (MML)

21 de outubro de 2025
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Mesmo sem ter priorizado nacionalmente a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, o Movimento Mulheres em Luta (MML) acompanhou o processo preparatório em diversos municípios e territórios, com participação ativa de companheiras de base.

Em uma dessas etapas, a militante do MML, Luciene da Silva — operária, ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e ativista do MML com ampla trajetória no movimento sindical e popular — foi eleita delegada e participou da etapa nacional, realizada em Brasília.

A presença de Luciene expressa a voz das trabalhadoras que seguem organizadas mesmo fora das estruturas institucionais do Estado. Apesar das limitações políticas do evento — convocado pelo governo e sem caráter deliberativo — a Conferência reuniu milhares de mulheres de todo o Brasil e aprovou resoluções importantes, como a defesa da legalização do aborto, apoiada por mais de 82% das participantes, além de pautas sobre enfrentamento à violência, autonomia econômica e participação política das mulheres.

Conversamos com Luciene da Silva, militante do MML, sobre sua experiência, os debates mais marcantes e os desafios que ficam para seguir impulsionando a luta das mulheres trabalhadoras em todo o país.

Como foi o processo de eleição como delegada na etapa municipal? O que significou, para você e para o movimento, ter uma representante de base, vinda do chão de fábrica e do movimento popular, participando da conferência nacional?

Tudo começou porque eu estou estudando Serviço Social. Através do curso, participei de uma conferência da área e ali fiquei sabendo que teria também a Conferência de Mulheres. Me inscrevi na etapa municipal porque queria entender como funcionava. Foi a primeira vez que participei e vi que muitas mulheres não sabem nem que essas conferências existem — e esse “não saber” é uma carência enorme. A gente desconhece muita coisa e por isso não ocupa os espaços onde as políticas públicas são decididas.

Na conferência municipal, percebi que a divulgação foi muito falha. Acho que isso é proposital — eles não têm interesse que as mulheres da sociedade civil participem. Mesmo assim, conseguimos eleger algumas delegadas de base, trabalhadoras, militantes. Foi uma conquista sair como delegada, representar o chão de fábrica e mostrar que a mulher trabalhadora também tem voz.

Quais foram os temas mais debatidos ou que geraram mais polêmica na conferência? Que questões você considera que expressam melhor o que pensam e sentem as mulheres das bases populares?

Os principais temas foram a violência doméstica e a legalização do aborto. A violência foi muito debatida porque é algo que vivemos todos os dias — nas fábricas, nas ruas, nas nossas casas. O feminicídio é uma realidade cruel e precisa ser enfrentado com políticas públicas de verdade.

Mas o tema que mais gerou polêmica foi o aborto. Não é um assunto fácil de discutir. Eu mesma sempre disse que sou contra o aborto, porque penso que nenhuma mulher quer tirar um filho. Mas também não posso aceitar que o Estado imponha a uma mulher, que foi violentada, por exemplo, a maternidade. Então, eu defendo legalização e que exista políticas públicas, para que a mulher possa de fato escolher, porque nenhuma mulher chega a esse ponto por vontade. É uma questão de sofrimento, de falta de opção.

Apesar das divergências que tiveram, foi emocionante ver o resultado da votação: 82% das mais de 4 mil mulheres presentes votaram pela defesa da legalização do aborto. Isso mostra que a maioria entende que é uma questão de direito, de liberdade e de vida das mulheres.

A aprovação da defesa da legalização do aborto, com mais de 80% dos votos, foi um dos principais resultados. Como você avalia essa decisão? Que importância tem para a luta das mulheres trabalhadoras?

Eu vi essa votação como um passo importante. Não quer dizer que a legalização já aconteceu, mas foi um avanço. Cabe a nós agora continuar a luta, cobrar, fazer pressão. Porque é um direito das mulheres decidir, e o Estado não pode continuar mandando sobre nossos corpos.

Essa discussão é importante principalmente para as mulheres trabalhadoras, que são as que mais sofrem. Quando o aborto é criminalizado, quem tem dinheiro paga e faz, mas quem é pobre morre. Então, lutar pela legalização é lutar pela vida das mulheres da classe trabalhadora.

Além desses temas, que outros debates ou blocos temáticos te chamaram mais atenção?

A conferência teve vários eixos e blocos temáticos, e um dos que mais me marcaram foi o sobre violência doméstica. Teve o depoimento da moça que levou 68 socos do namorado dentro de um elevador. Ela estava lá contando sua história, dizendo que achou que ia morrer naquele momento, mas que hoje se tornou uma militante da causa das mulheres.

Quando ela falou que, ao se levantar depois das agressões, muitas mulheres se levantaram junto com ela, aquilo me emocionou muito. Mostra o quanto a nossa luta é coletiva. Nenhuma de nós se ergue sozinha.

Essas histórias reforçam o quanto precisamos cobrar do Estado, exigir leis, mas também medidas para que elas sejam garantidas. Não é possível continuar vendo mulheres sendo mortas mesmo com medidas protetivas. Homens agressores têm que ser punidos de verdade — esse tipo de crime deveria ser inafiançável. O Estado falha em proteger as mulheres, e é por isso que precisamos ocupar esses espaços e lutar por políticas reais de enfrentamento à violência.

Que limites você percebeu para a participação das mulheres de base? Quais barreiras ainda existem para que as trabalhadoras sejam realmente ouvidas?

O maior limite é que as mulheres nem sabem que essas conferências existem. Falta divulgação, e o poder público não tem interesse que a gente participe. Além disso, eles tentam preencher os espaços com pessoas deles, para controlar as decisões.

Na etapa estadual, por exemplo, foi uma bagunça. Foi online, e muitas delegadas não conseguiram sequer entrar ou falar. Já na nacional, apesar da estrutura melhor, ainda tinha muita interferência de quem não quer mudança — algumas mulheres bolsonaristas estavam lá só pra tumultuar.

Mas mesmo com esses obstáculos, foi muito importante estar lá. A gente precisa se unir para ocupar esses espaços também, pra mostrar que nós trabalhadoras existimos e queremos ser ouvidas e pra que as políticas públicas expressem o que o povo precisa.

A partir dessa experiência, quais você acha que devem ser os próximos passos da nossa luta — tanto para transformar essas resoluções em ações concretas quanto para fortalecer o movimento de mulheres classista, independente e combativo?

Agora o desafio é não deixar as resoluções ficarem só no papel. Fizemos muitas propostas, e precisamos cobrar o governo, o Estado e o município para que elas se tornem realidade. Temos que organizar grupos, boletins, mobilizações, ir pras ruas e seguir cobrando.

Uma pauta importante foi a da licença-maternidade, que agora começa a contar a partir da alta da criança no hospital — um avanço. Mas ainda falta garantir os seis meses de licença para amamentação, porque muitas mulheres voltam ao trabalho com quatro meses.

Também defendi que nas escolas se comece a falar sobre respeito, sobre educação sexual, desde cedo, para combater a violência desde a raiz.

Essa conferência foi uma grande vivência pra mim. Me fortaleceu, me fez querer lutar ainda mais. Eu acho que é isso que a gente tem que fazer: unir forças no Movimento Mulheres em Luta, cobrar políticas públicas de verdade e não ficar caladas.

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