Contra a USP do mercado, por uma Letras do amanhã
Quais os desafios políticos que enfrentamos?
O segundo semestre de 2025 escancarou os desafios políticos e estruturais que atravessam a USP. O projeto de precarização e privatização da educação pública segue avançando – e a universidade vem sendo moldada para atender os interesses do mercado. A greve de 2023, apesar de vitoriosa, já apontava esse cenário. Hoje, temas como a contratação de professores, a permanência estudantil, as cotas trans e PCDs, o vestibular indígena, as relações da USP com o genocídio palestino e a ausência de um projeto de universidade a serviço da classe trabalhadora continuam exigindo uma resposta urgente.
A permanência segue sendo uma das maiores expressões do abandono institucional. As bolsas são insuficientes, com reajustes que não acompanham a inflação. O CRUSP (Conjunto Residencial da USP) está em situação crítica, os bandejões são terceirizados e exploram trabalhadores em condições degradantes. A violência e insegurança no campus atingem de forma ainda mais dura mulheres, pessoas trans e funcionárias terceirizadas. A USP hoje mantém relação com o genocídio palestino, pelos convênios com as universidades israelenses diretamente ligadas à produção científica a serviço da morte de palestinos, e nem mesmo o aprisionamento de dois funcionários da universidade gerou um posicionamento pelo rompimento, colocando a USP como a vanguarda do atraso. As reformas curriculares, assim como a adesão ao ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), vêm sendo impostas para precarizar e sem escuta da comunidade universitária. Trata-se de um projeto autoritário, que subordina o ensino, a pesquisa e a extensão às demandas do mercado.
A USP de hoje segue sendo fiel ao seu projeto de origem: formar as elites para servir às elites. Uma universidade fundada por oligarquias, voltada para tecnocratas, que apesar de décadas de luta estudantil e popular, ainda mantém estruturas excludentes e racistas. O vestibular é um filtro de classe. A permanência é uma batalha diária. As conquistas que temos — cotas, bolsas, moradia — vieram da mobilização e da luta, não da benevolência da burocracia universitária. Hoje, a universidade expulsa os que conseguiram entrar e abre cada vez mais as portas para bancos, fundações privadas e empresas que transformam o ensino em linha de produção de mão de obra precarizada.
Sabemos que o desmonte da educação tem lado. O governo Tarcísio segue aprofundando o projeto bolsonarista de militarização das escolas, privatização da gestão pública e genocídio da juventude negra e periférica. Ao mesmo tempo, o governo Lula mantém pilares de um projeto neoliberal: o Novo Ensino Médio, a presença da Fundação Lemann no MEC, a imposição do ENADE, o Fies e o Prouni como formas de endividamento. Ambos os projetos, com diferenças de forma e discurso, priorizam o capital e colocam a formação universitária a serviço do mercado. Por isso, nós defendemos durante o CONUNE (Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes) a campanha “Fora Lemann do MEC e todos os bilionários da educação”, explicitando o caráter de classe da educação defendida pelo governo Lula. Isso coloca uma necessidade do movimento estudantil de ser independente de todos os governos para travar as lutas em defesa da educação e dês estudantes.
A Letras não está fora desse processo. Sentimos diretamente os efeitos do desmonte: salas superlotadas, falta de professores, sobrecarga de trabalho docente e discente, evasão crescente, epistemicídio, capacitismo e uma reforma curricular excludente. A reforma curricular não é neutra, ela faz parte de um projeto maior: adaptar a universidade à lógica do trabalho precarizado, da produtividade e da “flexibilização”.
Como lutar diante disso?
Mas é justamente na Letras que surgiu uma forma diferente de organizar o movimento estudantil: amplamente enraizado na base dês estudantes, com o funcionamento de comissões das habilitações do curso e fórum de estudantes como espaços abertos.
A greve de 2023 teve a Letras como um de seus principais polos. Dela, surgiram as comissões de habilitação, pelas pautas como a contratação de professores e de infraestrutura, bem como as pautas de permanência e a necessidade de cotas trans levada adiante pelos coletivos anti-opressão. Em 2024, organizamos o primeiro Congresso da Letras em 10 anos, que reuniu ês estudantes, ouviu demandas e deu origem ao Movimento LÁ e ao ParticipaLetras — uma nova forma de organização estudantil baseada na democracia de base, no fortalecimento das comissões, no protagonismo dos coletivos e na escuta cotidiana. Esse é o legado que levamos com a Balalaica, desde 2021, e com o Movimento LÁ a partir de 2024.
Esse ano de 2025, o que construímos foi um projeto coletivo, com consultas constantes aos estudantes, organização de eventos como a Calourada e a Semana das Habilitações, e uma atuação política firme em pautas como a permanência, as cotas trans, Palestina e a memória do movimento estudantil.
A Calourada de 2025 foi construída em conjunto com as comissões das habilitações, tendo como tema a memória da ditadura militar e o papel do movimento estudantil – tendo como mote “É preciso dar um jeito, meu amigo” –, também rememorando a patrona do centro acadêmico, que teve seu nome modificado no congresso da Letras, Suely Yumiko Kanayama; Suely foi uma estudante da Letras, lutadora contra a ditadura, que teve sua vida ceifada.
Também promovemos uma paralisação climática em meio às ondas de calor em São Paulo, dando um pontapé nas mobilizações do ano de 2025, de climatização nas salas de aula e bandejões, falta de frotas de ônibus circulares no campus, saúde mental, acessibilidade e segurança. Ficou evidente que a crise climática escancara qual é o projeto político em que a universidade e a educação públicas estão fundadas e a que servem.
Impulsionamos diversas iniciativas dos coletivos anti-opressão e estivemos na linha de frente da paralisação por cotas trans. Atuamos de forma incisiva na causa da Palestina, promovendo acampamento, mesas e atividades para debater com o conjunto dos estudantes, além de pautar o rompimento da universidade com a Universidade de Haifa.
A Semana das Habilitações foi fundamental para consolidar o papel das comissões, que são o que mantêm nosso curso vivo. Somos contra qualquer forma de aparelhamento dessas comissões, e essa será a nossa principal batalha no próximo período: para que a democracia do nosso curso esteja viva a partir das comissões, que representam es estudantes.
O que a Letras precisa para 2026?
Diante de tantos desafios, o que a Letras precisa para 2026?
Defendemos um projeto baseado em três eixos centrais: auto-organização estudantil, democracia de base e enfrentamento aos retrocessos na educação.
Isso significa fortalecer o ParticipaLetras como uma ferramenta viva de mobilização, com independência frente a governos, reitorias e diretorias. Um projeto que não se impõe de cima para baixo, mas que se constrói junto ao corpo estudantil, por meio de consultas, reuniões abertas e espaços verdadeiramente democráticos. A Letras precisa seguir sendo um polo irradiador de lutas, e, para isso, é essencial ampliar a organização coletiva, aprofundar o debate político na construção dos rumos do nosso curso, da educação e todas as nossas pautas.
Por isso, defendemos a continuidade dessa gestão. Porque temos projetos reais e coletivos para o curso que se expressam no Fórum da Letras. Porque não aceitamos retrocessos. Porque não abrimos mão de construir um CAELL combativo, democrático e enraizado na base. 2026 precisa ser o ano de aprofundar esse caminho.
Entre nossas propostas para o próximo ano estão a realização de um Seminário de Currículo com escuta ampla da base; a ampliação das comissões de curso e dos coletivos de combate às opressões; a criação de um acervo histórico do movimento estudantil na Letras; a luta concreta por permanência real — que envolva bolsas, moradia, alimentação e saúde mental — e o fortalecimento dos espaços de convivência e socialização no curso.
Sobre a unidade
Acreditamos na importância da unidade — como a que realizamos no DCE, com os companheiros do Juntos e da Correnteza e UJC — para fortalecer a luta contra o governismo no movimento estudantil e garantir sua independência frente aos governos. Mas, entendemos que o debate da unidade em abstrato só causa confusão e não ajuda a avançar no movimento estudantil. Essa unidade no DCE é essencial para impulsionar as lutas em toda a USP, por meio de um programa comum para uma entidade geral como o DCE da maior universidade da América Latina. No contexto do Movimento Estudantil, onde diversas entidades são dirigidas pelo campo da Majoritária da UNE (UJS, PT e Juventude Sem Medo), que impõe aos estudantes o imobilismo e o governismo como projeto para a educação, essa unidade estava posta para conformar um polo de lutas.
Na Letras, o que observamos é que é preciso que as lutas avancem em base a um projeto político para o curso que tem como centro a aposta na organização pela base. Por isso, valorizamos e seguimos a gestão do Movimento LÁ, da qual fazemos uma avaliação positiva.
É importante também explicar a diferença entre o DCE e o CA (Centro Acadêmico). O DCE funciona como um órgão centralizador da intervenção política dos cursos, organizando as lutas em nível geral na universidade. Já o CA é o espaço que organiza a vida cotidiana dos estudantes dentro do curso, atuando diretamente na construção da luta política local.
Hoje, inclusive, estamos promovendo uma primeira experiência de atuação conjunta em entidades estudantis no DCE, o que enxergamos como um passo fundamental para construir um movimento estudantil consequente e combativo. Por outro lado, avaliamos que os companheiros com quem dialogamos neste processo ainda não apresentam um projeto real para o curso de Letras, nem apostam na construção das comissões de base como eixo central da intervenção estudantil. Não queremos entidades artificiais, que não reflitam as reais demandas e lutas dos estudantes. A inclusão desses coletivos sem conexão concreta com a base seria justamente isso: uma tentativa de criar uma entidade desconectada da luta estudantil.
Além disso, o chamado à unidade feito pelos companheiros do Já Basta não se reflete na sua prática cotidiana no curso. Tanto o Já Basta quanto a Faísca/MRT têm adotado uma postura sectária e que buscam se demarcar a qualquer custo, independente da necessidade da luta dês estudantes, transformando as assembleias em espaços de exclusão e isolamento político, o que enfraquece a participação e o debate coletivo.
Essas correntes optam por uma política baseada em denuncismo e acusações infundadas. Já Basta/SOB chegou ao absurdo de nos acusar de “crime político” pela nossa defesa das data das eleições do CAELL, a qual considerava o fim do semestre e o cansaço dês estudantes com a terceira eleição do ano, consideramos que essa é uma postura que rompe com qualquer possibilidade séria de construção conjunta. Ou ainda, ao afirmarem que a presença do Rebeldia no DCE da USP representa um “giro à direita”, o que reflete uma visão completamente apartada das necessidades do movimento estudantil e dos desafios do DCE USP, fica a pergunta: esses companheiros realmente querem construir unidade com uma corrente que teria feito um “giro à direita?”
A Faísca/MRT, em especial, vem atuando com calúnias, provocações e distorcem opiniões políticas nossas a fim de causar confusão no corpo estudantil, nunca explicando quais são verdadeiramente nossas linhas políticas, das quais não temos problema nenhum de debater desde que seja no campo da honestidade.
Seguiremos firmes com o Movimento LÁ, construindo o ParticipaLetras como um espaço baseado na escuta, na mobilização e na organização popular.
Não aceitaremos uma Letras precarizada, feita para formar profissionais descartáveis. Queremos uma Letras viva. A construção da letras do amanhã começa agora. Contra a USP do mercado, por uma Letras do amanhã. Vem com o Movimento LÁ. ParticipaLetras é pra lutar!