Lutas

Ocupação Esperança no escuro: 500 famílias enfrentam 20 dias sem energia em Osasco

Renata França

28 de outubro de 2025
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Protesto de moradores da Ocupação Esperança contra ação de despejo. Foto Luta Popular

Enquanto o governo Lula se vangloria de programas de habitação e de inclusão social, mais de 500 famílias da Ocupação Esperança, em Osasco (SP), estão há mais de 20 dias sem energia elétrica. O caso escancara o descaso do poder público municipal, estadual e federal diante da luta popular por moradia digna.

A Ocupação Esperança nasceu em 2013, como tantas outras, da necessidade concreta de centenas de famílias trabalhadoras que não têm onde morar. O movimento, que tem resistido a mais uma ameaça de despejos, já passou por um incêndio e vive a omissão das autoridades, hoje, enfrenta um novo ataque: a falta de energia elétrica, que afeta crianças, idosos e pessoas que dependem de medicamentos e aparelhos médicos.

Conversamos com Maura, dirigente do Luta Popular e moradora da ocupação, que nos conta todo esse processo de luta e resistência e tem denunciado a situação: “Merecemos dignidade e respeito. Na ocupação é a gente que constrói tudo: as ruas, as casas, o saneamento. Agora estamos há mais de 15 dias sem energia para mais de 500 famílias. Tem criança, idoso, gente que precisa de oxigênio, de insulina. É uma situação emergencial.”

“Tudo que temos foi construído por nós”

Maura explica que, desde o início da ocupação em 2013, as próprias famílias se organizaram para construir a infraestrutura mínima.

“As instalações elétricas foram feitas com vaquinha entre os moradores. No começo, colocamos um gerador, mas hoje ele não suporta mais. A Enel disse que o problema se resolve trocando o transformador, mas ele custa cerca de 70 mil reais e a comunidade não tem como bancar isso.”

A empresa já se dispôs a resolver o problema, mas, segundo Maura, depende de autorização da Prefeitura de Osasco para que a Enel possa trabalhar no território, mas até agora a prefeitura não assinou a autorização.

“Se a prefeitura realmente quisesse ajudar, bastava dar uma canetada. A Enel já está disposta. Mas o prefeito não quer assumir a responsabilidade. A Constituição garante moradia, saneamento e energia — e é isso que eles estão negando para nós.”

Osasco, cidade rica, mas sem política efetiva de habitação

A Ocupação Esperança está localizada em uma das cidades mais ricas do estado, o segundo PIB de São Paulo, mas convivem com a exclusão de direitos básicos.

“Desde que ocupamos a área, em 2013, só recebemos descaso. Depois do incêndio de 2016, o então prefeito Lapas decretou a área como de interesse social, mas nunca tirou o projeto de urbanização do papel. Os decretos caducaram duas vezes e nada foi feito. Tudo o que conquistamos foi na luta, na pressão”, explica Maura.

Ela relembra que nenhum governo, municipal ou federal, deu continuidade aos processos de regularização, e que o diálogo com a Prefeitura sempre dependeu da mobilização popular. “A gente só é recebida quando vai em peso pra frente da Prefeitura. Nunca foi por boa vontade deles. Tudo é na base da luta. E quando entra e sai administração, entra e sai secretário e precisamos começar a negociação do zero”.

Câmara aprova moção contra o despejo após pressão popular

A recente ameaça de despejo mobilizou novamente as famílias. Na semana passada, centenas de moradores ocuparam a Câmara Municipal de Osasco, exigindo que os vereadores se posicionassem.

“A gente foi com todo mundo pra Câmara. E só com pressão conseguimos que eles aprovassem, por unanimidade, uma moção de apoio contra o despejo. Também conseguimos que o presidente da Câmara marcasse uma audiência pública sobre o caso”, conta Maura.

Mais uma vez, a solidariedade e a auto-organização dos moradores foram decisivas. “É na luta coletiva que a gente arranca conquistas”, resume.

Governo Lula e a omissão da Secretaria das Periferias

Mesmo diante da gravidade da situação, o Governo Federal também tem se omitido. Maura relata que a área ocupada tem uma dívida milionária com a União, o que permitiria a desapropriação e a transferência da posse para a Prefeitura, mas a proposta parou nas mãos de Guilherme Simões, Secretário das Periferias, ligado ao MTST, movimento hoje integrado ao governo.

“A União poderia ter cobrado a dívida e passado a área pra Prefeitura. Faltava só a assinatura do Guilherme Simões. A gente foi atrás dele várias vezes, mas ele nunca assinou. Essa dívida caducou, e mais uma vez a regularização não aconteceu. É revoltante, porque é um cara que veio da luta, conhece as ocupações e mesmo assim virou as costas pra gente.”

Maura denuncia o que chama de institucionalização dos movimentos populares: “Com a nomeação de Boulos para ministro, o MTST entra de vez na base do governo. E quando isso acontece, perdem a independência, deixam de lutar de verdade. A gente não pode se iludir, pois o governo Lula fala em diálogo, mas na prática mantém os despejos, o corte de energia e o abandono das periferias.”

A Esperança resiste

Apesar do cenário de descaso e a ameaça de despejo, Maura reafirma a disposição de luta da comunidade. “Já passamos por incêndio, por ameaça de despejo, por tudo. E estamos de pé há 12 anos. A Esperança segue viva porque o povo não se entrega. A gente quer viver com dignidade, e só com luta a gente conquista isso.”

A Ocupação Esperança, que reúne cerca de 3 mil pessoas, continua sendo símbolo de resistência em Osasco. Enquanto o governo e a Prefeitura viram as costas, os moradores seguem organizados, mostrando na prática o caminho da autonomia e da luta independente da classe trabalhadora.

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