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O lugar do estético – Tempo e Território

Jorge H. Mendoza

2 de novembro de 2025
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Há algumas semanas tive a oportunidade de ouvir Yan Boechat contar sobre sua experiência cobrindo conflitos armados no mundo árabe e, especialmente, na Palestina – tema da palestra. A plateia talvez esperasse posições mais duras contra a limpeza étnica do povo Palestino mas Yan, apesar de reconhecer o genocídio, não abriu mão de sua postura de jornalista da velha escola: criticou o jornalismo ativista e fez elogios à imparcialidade como meta moral.

Dois de seus relatos me chamaram a atenção. O primeiro deles, dizia Yan, é que para nós do “novo mundo” é difícil compreender a relação com a terra. De alguma maneira, todos nós somos mais ou menos misturados, viemos de outro lugar, ou mesmo somos impedidos de compreender isso pelo simples fato de habitar um território tão vasto e diverso quanto o Brasil. E eu acrescentaria aqui que, mesmo quando isso não corresponde exatamente à realidade, mesmo quando esse resquício já se perdeu longínquo no passado, é assim que nos imaginamos: somos descendentes de italianos, alemães, reis e rainhas escravizados em África, retirantes do nordeste, netos de migrantes asiáticos ou o que quer que seja. Nunca fomos “sempre daqui”. Nossa relação com o território não é universal.

Povos diferentes se relacionam diferente com o que chamam de “terra”, que não é nunca meramente o espaço geofísico mas, sobretudo, o espaço simbólico que ele comporta. Nossos povos originários tem muito a ensinar sobre isso.

Pouco depois, Yan contou que questionou um jovem palestino que arremessava pedras contra os blindados sobre a efetividade da ação. “Você acha mesmo que isso vai mudar alguma coisa?“, questionou. No que o jovem respondeu: “sua ideia de tempo é diferente da nossa. Os cruzados estiveram aqui por duzentos anos e Salah ad-Din os expulsou. Os sionistas estão aqui há apenas 70 anos“.

Que baita experiência, pensei. Como pode, compartilharmos um calendário, um mesmo sistema de medida temporal, com os mesmos meses, semanas, dias, minutos… e ainda assim a percepção sobre o tempo ser radicalmente distinta.

Assim como o território, o tempo vai além também de suas métricas físicas e possui sua dimensão simbólica sobre a qual opera a noção de “passagem do tempo”.

Mas o ponto que quero chegar é: percepções distintas de tempo e território tem implicações políticas sobre a luta política. Essa é uma dimensão que talvez nunca apreendamos totalmente mas que faz toda a diferença, como no caso da luta do povo palestino contra seu genocídio.

Que dimensão é essa? Reformulo para tentar dar nitidez: antes de serem medidos, território e tempo são percebidos. Ou seja, existem uma dimensão estética nisso e ela é altamente política.

E aqui as ressalvas. Com estético não quero dizer no sentido daquilo que é belo, mas daquilo que é sensível e que nos afeta, sobretudo, pelos sentidos em um primeiro momento. Isso tampouco significa dizer que é da ordem do irracional. Não cabe aqui dualismos aristotélicos que separam mente do corpo, homem da natureza. Essas são categorias que se relacionam dialeticamente e que, portanto, há uma totalidade que as sintetizam em algo maior do que a soma das parte.

Deixando o linguajar filosófico de lado, o que racionalizamos depende do que sentimos e o que sentimos depende da maneira como racionalizamos. Isso explica porque a cidade é uma coisa se você mora no condomínio ou é outra se você mora na comunidade. E se é da nossa relação com a polis (cidade) que nasce a política, mais uma vez, a estética é altamente política.

Não quero com isso cair num programa romântico-anarquista de transformar o mundo pela arte – mais uma vez, estética não é necessariamente sobre Arte. O que muda o mundo é a ação concreta e, em última instância, a primazia é da infraestrutura. Mas o fato é a superestrutura e a ideologia não são reflexos mecânicos (como pensam os materialistas vulgares). A ação concreta é, portanto, também mediada pelo sensível. Aliás, o próprio senso moral e de justiça, que muitas vezes nos impele para ação política contra as injustiças é, antes de tudo, também estético.

E porque isso importa? Importa para reconhecermos que não há ação política sem o estético. Quando dizemos, na política revolucionária, que é preciso ganhar mentes e corações, estamos falando exatamente disso. Existe uma dimensão estritamente racional, que é o programa, a análise concreta da realidade concreta (as mentes), mas também uma dimensão que é estética (os corações): a capacidade de se indignar diante das injustiças, a capacidade de se solidarizar com os oprimidos, a capacidade de sonhar junto um mundo diferente da barbárie capitalista que nos empurra para o colapso ambiental.

Não cabe aqui muito mais explicações do que a provocação em si (existem muitas polêmicas que sequer foram mencionadas), mas reconhecer isso muda completamente a maneira como concebemos e executamos nossa Agitação e Propaganda. O melhor programa, no fundo da gaveta, não muda o mundo. Tampouco basta jogá-lo no colo dos outros.

É preciso alcançar e tocar as pessoas. Reconhecer a dimensão estética da política é reconhecer que o outro não é objeto (um receptáculo vazio para nosso programa), mas um sujeito antes de tudo. Um sujeito que antes da propaganda marxista já age politicamente no mundo pela maneira como percebe e se relaciona com o sua temporalidade, seu território e sua realidade concreta.

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