10 anos do crime da Vale: Entre a dor e a revolta, manter a luta por justiça, reparação e outro modelo de mineração
Rompimento da Barragem do Fundão em Bento Rodrigues matou 19 pessoas, deixou centenas de feridos e um rastro de destruição no meio ambiente
A tarde do dia 5 de novembro de 2015 abriu um capítulo de muita dor e luto na história do país. Um capítulo que não acabou, embora que, para a mídia e para os donos do poder, pareça ser apenas uma referência a um fato histórico superado. O rompimento da Barragem do Fundão em Bento Rodrigues, pertencente à mineradora Samarco, controlada por sua vez pela Vale e pela BHP Billiton, matou 19 pessoas, destruiu comunidades, deixou centenas de desabrigados e contaminou com o rejeito de minério o Rio Doce até o litoral do Espírito Santo e o oceano Atlântico.
Primeiramente, é necessário manter coberto por toda solidariedade de classe o povo trabalhador e as comunidades diretamente atingidos por esse que, ao lado do outro crime também cometido pela Vale em 2019 em Brumadinho, é considerado dos maiores crimes socioambientais da história do país. Junto a isso, é preciso seguir apoiando e fortalecendo suas lutas em curso por justiça e reparação total e definitiva.
Ao completar-se 10 anos deste crime, o que se vê diante de tanto sofrimento causado e de tantos prejuízos acumulados, é o processo de reassentamento atrasado, indenizações incompletas e, o mais revoltante, que nenhum responsável tenha sido condenado criminalmente no Brasil.
Os criminosos continuam com seus desmandos, livres e lucrando
Além do crime propriamente dito, é também preciso denunciar que os responsáveis, além de não serem verdadeiramente responsabilizados, vêm atuando junto com os governos e apoiados na morosidade da justiça dos ricos para garantirem seus interesses econômicos em detrimento do atendimento das pautas e reivindicações das vítimas de sua ganância e negligência.
Exemplo disso é o papel cumprido pela Fundação Renova que foi criada para gerir a reconstrução do Novo Bento Rodrigues e as indenizações aos atingidos. Nesta fundação, quem dão as cartas são as mineradoras sem um real controle e transparência de suas ações. Como resultado dessa estrutura de poder, o Novo Bento, localizado em Mariana, só começou a receber moradores apenas oito anos depois do rompimento, em abril de 2023. As obras nesse reassentamento ainda não foram encerradas, nem em Paracatu de Baixo, também subdistrito de Mariana, e tampouco em Gesteira, subdistrito de Barra Longa, todos atingidos diretamente pela lama.
E foi somente em outubro de 2024, nove anos depois, que foi assinado a repactuação do Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce, entre as empresas envolvidas e as autoridades brasileiras, sendo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu R$ 170 bilhões para financiar ações de reparação. Contudo, neste acordo cheio de falhas, limites, vícios, cerca de 1,5 milhão de pessoas não são contempladas, segundo a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ou seja, não foi respeitada a voz e a participação dos atingidos na construção desse acordo. O escritório Pogust Goodhead, que representa as vítimas que movem uma ação coletiva em Londres, contra a BHP, criticou ainda, na ocasião da assinatura do acordo, o tempo para a efetivação das reparações e o fato de que apenas 36% das vítimas seriam elegíveis pelo acordo estabelecido.
Não é tragédia, é um projeto!
Todo sofrimento decorrente dos crimes cometidos pela mineração em Mariana e Brumadinho, somados aos passivos socioambientais que são inerentes a essa atividade econômica (poeira, destruição de ecossistemas, elevação do custo de vida, adoecimento e acidentes de trabalho etc.) deixam evidente que todas essas consequências da ação da mineração no cotidiano das cidades mineradas não são tragédias, ou fruto de má gestão, ou mesmo apenas efeitos colaterais que precisam ser mitigados. Tudo isso é parte e efeito natural deste modelo e projeto de mineração que está a serviço do lucro dos grandes acionistas que controlam essas empresas e a economia global. E esses acionistas, mesmo com tantos crimes acumulados, se apoiam no apoio explícito, na conivência ou na letargia dos governos e da justiça em sua sanha por mais riqueza.
Prova disso foi a recente divulgação da Operação Rejeito, promovida pela Polícia Federal, que visava atacar e desestruturar um complexo e bilionário esquema de corrupção no setor baseado, entre outras coisas, em desvio de recursos e fraudes em processos de licenciamento. Uma verdadeira simbiose na estrutura de poder em que grandes capitalistas se apoiam no Estado para aumentar seus lucros e mover a máquina de destruição da mineração.
Outro caso que salta aos olhos é o profundo cinismo da Vale e da Samarco ao tentar deduzir despesas com multas e reparações ambientais do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Sim, eles tentaram utilizar o sofrimento e a destruição, para sonegar impostos.
Esses episódios mostram, entre outras coisas, que esse modelo de mineração é coerente com a lógica de acumulação de riqueza por um pequeno grupo de pessoas dentro do capitalismo. Debater, portanto, a solução destes problemas imediatos e cotidianos gerados pela mineração exige a coragem de colocar no centro do debate a necessidade de superar o capitalismo e suas contradições.
A luta é por outro modelo de mineração e de sociedade!
No contexto de 10 anos do crime da Samarco/Vale/BHP em Mariana, e no rastro de todos os ataques da mineração às comunidades atingidas e ao povo trabalhador, é preciso seguir a luta pelas pautas imediatas dos atingidos pelos crimes da mineração. Mas é preciso ir além nesse debate.
Sabemos que a cadeia produtiva minero-siderúrgica é fundamental para a construção de um projeto de sociedade que garanta condições de vida digna a todo povo trabalhador do Brasil e do mundo. É preciso minério para construir casas, para uma reforma urbana popular, para garantir escolas e hospitais para todo o povo, para transição energética e para garantir as necessidades humanas básicas no contexto atual.
Entretanto, enquanto o modelo de mineração estiver a serviço da reprodução do capital e do acúmulo de riqueza a uma ínfima parcela da humanidade, restará a todo resto apenas sofrimento, destruição e exploração.
É preciso, portanto, vincular à luta por justiça e reparação, a pauta por um efetivo controle operário e popular sobre as riquezas de nosso solo e subsolo. Quem tem que decidir onde explorar, como explorar, quanto explorar e para que explorar é a classe trabalhadora tendo como horizonte satisfazer as necessidades humanas de toda a sociedade. E isso só será possível mediante a estatização da mineração, sem indenização, sob o controle dos operários e das comunidades atingidas.
Além desta audácia, também é preciso manter a independência das organizações dos trabalhadores e das comunidades em relação às empresas e a todos os governos. Se é bem verdade que o projeto autoritário da extrema direita no Brasil inclui garantir carta branca à mineração e ao agronegócio para explorar e destruir sem limites, também é preciso ter em mente que o Governo Lula e a esquerda institucional não apresentam um projeto de ruptura com essa lógica, com esse projeto e com os grandes empresários nacionais e internacionais.
Basta ver a postura do Governo Lula diante da defesa de exploração de petróleo na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas, ou pior, sua postura vacilante diante dos ataques promovidos por Trump, e ao citar a questão das terras raras. Em setembro, após coletiva após Assembleia Geral da ONU, Lula afirmou: “Eu tenho lido muito sobre terra rara e minerais críticos, estou estudando para ninguém me enganar. O Brasil não quer ser isolado do mundo, não. Eu disse ao Trump que não tem limite na nossa conversa, vamos colocar na mesa tudo o que acha que precisa conversar”. Uma postura de completa submissão.
Diante de todos os desafios postos nesta atual conjuntura, o PSTU reafirma seu apoio e solidariedade ativa às lutas dos atingidos pela mineração com unidade entre os explorados e independência em relação aos patrões e a todos os governos. Em nossa opinião, somente dessa forma será possível garantir as vitórias em torno de nossas reivindicações mais imediatas e, junto a isso, construir as bases da luta e de organização de um projeto de mineração que aponte para a superação do capitalismo e construção do socialismo.