Um ano após a aprovação de lei que flexibiliza licenças ambientais, tornado devasta cidade no Paraná
Está ficando cada vez mais difícil o malabarismo feito pelos negacionistas climáticos para tentar refutar a existência do aquecimento global. Na última sexta-feira (7), um tornado de grandes proporções, com ventos superiores a 250 km/h e classificado na categoria F3, atingiu o município de Rio Bonito do Iguaçu, no Centro-Sul do Paraná, destruindo cerca de 90% da cidade e deixando seis mortos e ao menos 750 feridos.
Fenômenos dessa magnitude e com tamanha capacidade de destruição ocorrem quando há muita energia disponível na atmosfera, alimentada pelo aquecimento decorrente das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
O desastre ocorreu justamente na semana que antecede o início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) e figura entre os maiores da história recente do estado, ao lado da enchente de 1983, em União da Vitória, e dos deslizamentos no litoral em 2011.
Ocorre exatamente no mês em que se completa um ano da aprovação, pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), do Projeto de Lei 662/2024, enviado pelo governador Ratinho Júnior (PSD), que flexibiliza o licenciamento ambiental por meio da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e da Declaração de Dispensa de Licenciamento Ambiental (DLAM). A medida está em vigor desde dezembro de 2024, após a sanção da lei pelo governo estadual.
É verdade que desastres naturais acontecem, mas a história recente mostra que, o que vivemos, não é apenas resultado do acaso. São fenômenos cada vez mais recorrentes, com intervalos de tempo menores. O que vimos no Paraná na última semana é apenas o capítulo mais recente do chamado “capitalismo do desastre”, expressão da jornalista canadense Naomi Klein, que associa a catástrofe climática à catástrofe social.
Autolicenciamento: um presente aos vilões e a porta para novas tragédias
Se, nos países imperialistas, os grandes vilões do meio ambiente são a indústria e o transporte, no capitalismo periférico brasileiro os maiores emissores são a agropecuária e o desmatamento.
Um dos principais motivos dessa inversão é a subordinação e a dependência do Brasil tanto ao imperialismo hegemônico estadunidense quanto ao imperialismo chinês em ascensão. Esse quadro levou o país a um elevado grau de desindustrialização e reprimarização da economia, ao aumento das exportações de commodities de baixo valor agregado e à desnacionalização crescente dos setores produtivos.
No Paraná, não é diferente. Sob o slogan “supermercado do mundo”, adotado pelo governo Ratinho Júnior, a economia segue impulsionada pela exportação de grãos, como milho e soja, que representam mais de 44% das vendas, além de carnes de aves, carne suína e açúcar. Além disso, pouco valor permanece no país. Trata-se de um setor cada vez mais dominado por grandes conglomerados e pelo capital internacional.
O agronegócio é o principal ramo da economia estadual, responsável por cerca de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), e ocupa 50,3% do território paranaense com atividades agropecuárias, sendo 33,7% destinados à agricultura e 16,62% à pecuária. Esse espaço era anteriormente todo coberto pela Mata Atlântica. Se no passado o bioma ocupava 99% da área do Paraná, hoje, diante do avanço das atividades humanas, em especial do agronegócio, restam apenas 11,7% de sua vegetação original.
É nesse contexto que, sob o pretexto de modernizar os processos de licenciamento ambiental no estado, o governo Ratinho Júnior entregou, de bandeja, um presente à burguesia do agronegócio com a aprovação e a sanção da flexibilização do licenciamento ambiental.
O projeto também concretiza um antigo sonho do setor: o autolicenciamento para a expansão da agropecuária. Para isso, basta a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a aprovação automática de empreendimentos por autodeclaração, sem análise técnica prévia. Em outras palavras, concede-se um “sinal verde” a práticas que podem resultar em crimes ambientais, já que os próprios interessados em lucrar com esses empreendimentos passam a ser, na prática, os responsáveis pela fiscalização.
Esse ataque do governo estadual abre a porta para uma cadeia de eventos que pode levar, sim, a novas tragédias e a fenômenos cada vez mais extremos. A devastação ambiental tende a elevar as temperaturas. Somada à posição do Paraná em um corredor onde se encontram o ar tropical quente e úmido da Amazônia e o ar frio de origem polar, essa combinação aumenta a energia disponível para as tempestades e potencializa a formação de supercélulas, com granizo e até novos tornados.
Na contramão do necessário, Lula aprofunda a catástrofe ambiental
Ratinho Júnior é inimigo declarado do meio ambiente. Defende abertamente ações policiais contra povos indígenas que retomam suas terras e, como vimos, apresenta um projeto claro para “passar a boiada” em defesa do agro.
Por outro lado, o governo Lula também não vem enfrentando a destruição ambiental para além do discurso. Na prática, seu governo aprofunda a catástrofe ambiental. O governo não enfrenta as pautas de destruição ambiental aprovadas pelo Congresso inimigo do povo e do meio ambiente. Ao contrário, sua postura tem sido a de negociar e até viabilizar alguns ataques, como a flexibilização da legislação ambiental para grandes empreendimentos.
Ao não combater o avanço desse “passar a boiada”, o governo acaba sendo cúmplice de tragédias como a que vimos no Paraná na última semana.
Reconstrução deve atender e ser gerida pelos trabalhadores
Como vimos nas enchentes do Rio Grande do Sul, em 2024, as catástrofes têm servido como um laboratório para que os capitalistas desenvolvam práticas e protocolos de resposta às mudanças climáticas. Essas experiências procuram identificar as melhores oportunidades para a burguesia lucrar com a desgraça do povo, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs), da corrupção, da especulação imobiliária e de expropriações.
Nesse sentido, Ratinho Júnior anunciou que o Paraná deve destinar cerca de R$ 50 milhões do Fundo Estadual de Calamidade Pública (Fecap) para auxiliar na reconstrução de Rio Bonito do Iguaçu.
É fato que, diante da destruição local, planos de reconstrução e verbas para sua execução são necessários. Mas, junto a esses planos, são indispensáveis leis de proteção ao meio ambiente que enfrentem o agronegócio, principal vilão no país.
Nesse processo, é preciso exigir que toda a verba seja controlada por comitês de atingidos e de trabalhadores. Os recursos não podem ficar nas mãos de governos, do Legislativo ou de empresários que os utilizem como balcão de negócios.
Ao mesmo tempo, as iniciativas de solidariedade de classe em curso no Paraná, especialmente em cidades próximas como Guarapuava, devem fortalecer a mobilização dessa população para enfrentar os governos e seus “planos” capitalistas, que, inevitavelmente, tendem a ampliar a desgraça do povo.