Nacional

Queda do Banco Master expõe como o sistema financeiro drena recursos públicos

Luiz Carlos Machado, do Rio de Janeiro (RJ)

21 de novembro de 2025
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Daniel Vorcaro, dono do Banco Master

A queda do Banco Master expõe, com nitidez, como o poder econômico opera acima das regras enquanto os trabalhadores ficam com os prejuízos. As manchetes sobre prisões e apreensões de bens chamam atenção, mas o essencial está por trás disso: o colapso do Master mostra como funciona, na prática, o sistema financeiro que influencia toda a economia e afeta diretamente a vida de quem vive do próprio trabalho. A liquidação do banco não foi inesperada; foi o resultado de um modelo que estimula práticas arriscadas, protege bilionários e deixa estados, municípios, aposentadorias e serviços públicos vulneráveis às decisões de grupos privados que agem sem controle real.

Entenda o caso do Banco Master

Para que qualquer pessoa compreenda o que ocorreu, é preciso partir do básico. O Banco Master operava como uma instituição de médio porte, mas se comportava como um gigante em expansão. Para atrair recursos, oferecia investimentos altamente rentáveis, acima do praticado no mercado, enquanto escondia, atrás de relatórios artificiais e notas técnicas convenientes, uma fragilidade cada vez maior. Para manter as aparências, recorria a operações problemáticas: carteiras de crédito sem lastro real, contratos fabricados, ativos impossíveis de serem recuperados. Tudo isso servia para inflar artificialmente o patrimônio, manter investidores tranquilos e sustentar uma corrida por lucros que só poderia terminar como terminou: numa crise de liquidez, intervenção do Banco Central, liquidação extrajudicial e um rastro de prejuízo para milhões de pessoas.

A investigação aponta que o Master produziu carteiras de crédito falsas, usou empresas de fachada, negociou ativos podres e movimentou bilhões em operações que não possuíam lastro. O BRB, o banco de Brasília, aparece envolvido em compras suspeitas dessas carteiras, realizadas sem justificativa técnica e em valores que beiram o absurdo. O objetivo, segundo os investigadores, era injetar liquidez artificial no Master e mascarar sua real situação enquanto o cerco regulatório apertava. Essa teia de conivências, favores e negócios cruzados custou caro: calcula-se que o volume fraudado chegue a R$ 12 bilhões.

PF encontra R$ 1,6 milhão em espécie na casa de um dos diretores do Banco Master Foto Polícia Federal

A riqueza roubada dos trabalhadores. Quem é Daniel Vorcaro?

Durante as ações policiais, a cena que se revelou ao país escancarou a brutal desigualdade que esse sistema sustenta. Foram apreendidos cerca de R$ 230 milhões em bens: carros de luxo, joias, relógios raros, obras de arte e até um jato particular que circulava entre Caribe, Riviera Francesa, Miami e Brasília. Enquanto trabalhadores lutam para pagar contas, os personagens centrais desses esquemas usam aviões de luxo como transporte cotidiano, acumulam patrimônio obsceno e ostentam poder social e político.

A figura que simboliza essa operação é Daniel Vorcaro. Dono do Banco Master, ele se apresentava como um empresário bem-sucedido do setor financeiro, dono de vasto patrimônio, trânsito livre entre altos quadros da política e protagonista de diversas operações de compra e venda de empresas. Seu perfil público era de “investidor arrojado”, mas as investigações mostram que seu império se sustentava sobre práticas fraudulentas. Vorcaro não é um personagem isolado; é um tipo social: o empresário que se aproveita de brechas regulatórias, relações privilegiadas com políticos e uso constante de mecanismos de crédito público e privado para se projetar como grande capitalista. Sua prisão no Aeroporto de Guarulhos, quando tentava deixar o país, apenas conclui o roteiro previsível: quando o esquema começa a ruir, os responsáveis tentam fugir deixando para trás um rombo pago pelo povo.

Saqueio das aposentadorias e o caso da Rioprevidência

Um dos pontos mais chamativos do caso é o envolvimento de estados e municípios. Fundos de previdência pública, recursos destinados ao pagamento das aposentadorias de servidores, foram aplicados no Banco Master. Estados e prefeituras concentraram até 20% de seus recursos previdenciários na instituição. Isso significa que o dinheiro destinado ao futuro dos trabalhadores do serviço público foi colocado num banco que já apresentava sinais evidentes de risco. E isso não foi por falta de aviso: documentos mostram que havia alertas sobre a fragilidade do banco, mas, ainda assim, gestores insistiram nas aplicações. São decisões que não podem ser tratadas como simples erros técnicos; são escolhas políticas que seguem a lógica de submeter o patrimônio público aos interesses e ofertas do mercado financeiro.

No caso do Rio de Janeiro, o absurdo é ainda mais evidente. O Rioprevidência tinha aproximadamente R$ 960 milhões investidos no Master. Ao mesmo tempo, o governo Cláudio Castro aprovou recentemente na Assembleia Legislativa um projeto que autoriza o uso dos royalties do petróleo, recursos que deveriam reforçar o fundo, para cobrir outras despesas do estado. Ou seja, enquanto o fundo era exposto a investimentos cada vez mais arriscados, sua principal fonte de sustentação era legalmente desviada para outros fins. É uma dupla agressão ao futuro dos servidores: por um lado, colocam seu dinheiro em operações temerárias; por outro, drenam recursos que deveriam garantir a capacidade de honrar compromissos a longo prazo do fundo. Quando a crise estourou, a narrativa oficial tentou minimizar o problema, garantindo que as aposentadorias estavam “asseguradas”, mas as contas não fecham. Se o fundo perde quase um bilhão em aplicações e tem sua receita comprometida, o rombo será empurrado para a sociedade.

O Mercado financeiro e a burguesia

Esse episódio revela algo essencial: o mercado financeiro não é apenas um setor da economia; é o eixo que organiza todos os demais. Ele dita regras, controla fluxos de investimento, influencia governos e molda políticas de Estado. Quando um banco de médio porte cai, arrasta consigo prefeituras inteiras, fundos públicos, contratos de empresas e vidas de trabalhadores. E quando órgãos de fiscalização falham, não é porque faltam profissionais competentes ou tecnologia; é porque existe uma relação estrutural entre bilionários e o poder político. As chamadas “falhas” de supervisão são, muitas vezes, permissões tácitas: a conivência que deixa correr práticas fraudulentas até que não seja mais possível escondê-las.

A queda do Master mostra como a burguesia brasileira segue lucrando mesmo quando tudo desmorona. Daniel Vorcaro não é exceção; ele é a forma mais transparente desse grupo social que acumula fortunas enquanto precariza vidas, influencia legislações e utiliza o Estado como instrumento. São esses setores que defenderam a reforma trabalhista, que atacou direitos históricos; a reforma da Previdência, que aumentou a idade para se aposentar; e que hoje combatem qualquer tentativa de taxar grandes fortunas. São eles também que se opõem ao fim da escala 6×1. O discurso moralizador sempre recai sobre o povo; o perdão sistemático recai sobre os bilionários.

Os trabalhadores precisam controlar a economia!

Diante desse cenário, a saída não pode ser confiar no mesmo sistema que cria e protege esses escândalos. Um programa realmente voltado aos trabalhadores precisa defender o controle direto do sistema financeiro. Não basta taxar grandes fortunas, embora isso seja necessário, é preciso ir além. Os principais bancos e empresas do país devem ser expropriados e colocados sob gestão dos trabalhadores, começando com os envolvidos em corrupção, fraudes ou esquemas. O país não pode continuar refém de grupos privados que controlam trilhões enquanto escolas, hospitais e aposentadorias enfrentam cortes. E mais: todos os corruptos e corruptores devem ser punidos exemplarmente, com prisão e confisco dos seus bens. Não é aceitável que o luxo pago com dinheiro do povo seja mantido intocado enquanto trabalhadores ficam com as perdas.

O caso Banco Master não é um desvio de rota; é a regra funcionando como sempre funcionou. Trata-se da demonstração clara de que o sistema financeiro, controlado por bilionários, aliado a frações do Estado e de poderosos grupos políticos, não serve aos interesses da maioria. A indignação que esse episódio provoca precisa se transformar em organização, consciência e ação. A riqueza produzida pela sociedade deve servir à sociedade, não a uma casta de privilegiados que, mesmo quando é pega, tenta fugir num jato particular. A queda do Master é a prova de que o país precisa romper com esse modelo para construir uma nova sociedade.

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