Educação

Cláudio Castro quer impor a aprovação automática na educação estadual

Mirna Maia Freire, do Rio de Janeiro (RJ) and Luiz Carlos Machado, do Rio de Janeiro (RJ)

21 de novembro de 2025
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Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. Foto Divulgação

A aprovação automática que o governador Cláudio Castro tenta implementar na rede estadual, sob a fachada de uma “política de inclusão”, escancara um projeto que abandona a aprendizagem real para maquiar indicadores e vender resultados inexistentes. A nova resolução da Secretaria de Educação (SEEDUC) surge como uma resposta administrativa acelerada a uma crise profunda, mas, em vez de enfrentar os problemas estruturais, falta de professores, turmas superlotadas, violência, evasão e precarização do trabalho, opta por empurrar estudantes adiante sem garantir condições para que aprendam e responsabiliza as escolas por metas impossíveis. Trata-se de uma política que transforma a educação em planilha, os profissionais em operadores de burocracia e os jovens em números manipuláveis, revelando um governo mais empenhado em inflar estatísticas do que em garantir o direito à educação.

Quando a “inclusão” vira maquiagem de resultados

A SEEDUC, através da secretária Roberta, Barreto, publicou a Resolução nº 6391/2025 anunciando uma grande mudança na organização do Ensino Médio: a chamada Política Estadual Excepcional de Progressão Parcial. Em um primeiro olhar, o texto parece falar de apoio, recomposição de aprendizagens e acompanhamento individualizado. Mas, quando observamos de perto, a resolução se revela muito menos sobre garantir direito à educação e muito mais sobre manipular indicadores para elevar a taxa de aprovação da rede.

Ao permitir que estudantes sigam para a série seguinte mesmo acumulando até seis reprovações, a política se vende como inclusão, mas esconde um mecanismo de ajuste estatístico. A prioridade se desloca da aprendizagem real para a aprovação formal, criando condições objetivamente frágeis para que esse estudante avance de forma consistente.

A sobrecarga despejada sobre escolas já exaustas. Metas irreais!

A resolução exige que as unidades criem turmas específicas de progressão parcial, elaborem Planos Individuais de Estudos detalhados e acompanhem a frequência, as atividades e os resultados de cada aluno. Tudo isso sem oferecer qualquer reforço estrutural: não há previsão de aumento de equipe, reorganização da jornada de trabalho ou garantia de materiais e formação.

Na falta de professores, a orientação é que coordenadores pedagógicos e orientadores assumam o trabalho docente, acumulando funções e intensificando uma rotina já sobrecarregada. O que é apresentado como “apoio pedagógico” se converte em mais um pacote de tarefas burocráticas empurradas para dentro da escola.

Os prazos impostos pela resolução beiram o absurdo. Toda a recomposição das aprendizagens deve ser planejada, executada e concluída até o final do primeiro trimestre. Para estudantes que acumulam defasagens de anos, esse limite de tempo é tecnicamente inviável.

E, caso o aluno não consiga atingir os objetivos do Plano Individual de Estudos, a escola precisa criar novas estratégias e resolver tudo em mais 60 dias. Essa corrida permanente contra o tempo coloca uma pressão insustentável sobre o trabalho docente e reforça a lógica de “cumprir tabela”, não de educar.

Bonificação que estimula a aprovação automática

A parte mais sensível da resolução talvez esteja na bonificação. O governo atrela o pagamento de gratificações à taxa de aprovação das escolas. Não importa se a unidade funciona em área com violência intensa, se faltam professores ou se o estudante enfrenta dificuldades socioeconômicas graves. O que vale é o número ao final do ano.

Essa lógica cria um incentivo perigoso: para garantir que a escola receba a bonificação, e que os trabalhadores não sejam penalizados, a pressão pela aprovação aumenta. Assim, o foco deixa de ser a aprendizagem e passa a ser o indicador, estimulando práticas de aprovação automática mascaradas de “progressão”.

A resolução também é excludente. Professores contratados, funcionários terceirizados e servidores que estiveram afastados por motivo de saúde não têm direito à bonificação, ainda que sejam fundamentais no cotidiano escolar. É uma política que cria hierarquia entre trabalhadores, penaliza quem mais adoece e ignora a contribuição dos profissionais que sustentam a escola nas condições mais difíceis. Além disso, escolas situadas em regiões mais vulneráveis têm menos chance de alcançar as metas, reproduzindo desigualdades que a política deveria combater.

Por trás da promessa de acompanhamento individualizado está um mar de burocracia: registro específico de frequência, diversos formulários, modelos de PIE, relatórios, alimentação de sistemas e devolutivas constantes às Regionais. Cada minuto dedicado a esses processos é um minuto retirado do ensino, do planejamento e da escuta dos estudantes. A escola passa a funcionar como uma máquina de produzir dados, não como espaço de formação humana.

Uma política que responsabiliza os profissionais e desresponsabiliza o Estado

O texto não apresenta medidas reais para enfrentar os problemas que produzem a defasagem escolar: a falta de professores, as turmas superlotadas, a violência que afasta os jovens da escola e a precarização das condições de trabalho. Ao invés disso, aposta em metas, pressão e bonificações, como se fosse possível resolver anos de abandono educacional com ajustes administrativos.

No fim, a Resolução da SEEDUC desloca a responsabilidade pelos problemas estruturais da educação fluminense para a escola, professores, diretores e alunos. A Secretaria impõe metas e cobra resultados, mas não oferece as condições necessárias para alcançá-los. Os estudantes são empurrados para a próxima série sem a garantia de aprendizagem real. Os servidores são pressionados por metas inalcançáveis e jogados uns contra os outros através de políticas de bonificação seletiva e excludente. O que se apresenta como avanço pedagógico é, em essência, uma tentativa de reorganizar índices e reduzir custos, às custas da saúde dos profissionais e da formação dos jovens.

Enquanto isso, a SEEDUC tem acumulado sucessivas denúncias de corrupção e má gestão em contratos milionários. Entre elas, está a compra superfaturada de livros didáticos, que custaram cerca de R$ 90 milhões aos cofres públicos com valores muito acima do praticado no mercado. Soma-se a isso o gasto de R$ 75 milhões em kits educativos adquiridos sem licitação e sem contrato formal, beneficiando uma empresa que já era alvo de investigações. Mais recentemente, a secretaria voltou ao centro das atenções por tentar contratar kits de robótica avaliados em R$ 250 milhões de um consórcio formado por empresas igualmente investigadas. Esses episódios revelam um padrão de irregularidades que levanta sérias dúvidas sobre a transparência, os critérios e o compromisso da gestão estadual com o uso responsável do dinheiro público destinado à educação.

Os setores de ultradireita e a Educação, pura hipocrisia!

O avanço de setores da ultradireita sobre a educação pública tem se expressado em projetos de caráter abertamente privatista, que tratam a escola como mercado e o estudante como consumidor. Um dos exemplos mais evidentes dessa ofensiva ocorreu no Paraná, onde o governador Ratinho Junior tentou implementar a privatização de dezenas de escolas estaduais por meio da gestão por organizações privadas, retirando do Estado a responsabilidade direta sobre a administração pedagógica e financeira das unidades. A proposta, amplamente rejeitada por estudantes, professores e comunidade escolar, buscava entregar a educação a empresas que atuariam com metas de desempenho e lógica empresarial, aprofundando desigualdades e enfraquecendo o caráter público da escola. Esse modelo, disfarçado de “modernização”, representa a mesma agenda de precarização e repasse de recursos públicos para agentes privados que a extrema direita vem defendendo em todo o país.

No Rio de Janeiro, porém, a contradição dessa agenda fica ainda mais explícita quando comparamos a nova resolução da SEEDUC, que na prática, implementa um mecanismo de aprovação automática, com o discurso de figuras como o deputado federal Nikolas Ferreira, que se diz radicalmente contra esse tipo de política. Enquanto a extrema direita vocifera contra a “aprovação automática”, o governo Cláudio Castro, aliado político desses mesmos setores, impõe justamente uma política que empurra estudantes adiante sem garantir aprendizagem real, apenas para maquiar indicadores. A incoerência revela que o compromisso desse campo político não é com a qualidade da educação, mas com a instrumentalização do debate educacional conforme suas conveniências: ora defendendo meritocracia, ora implementando medidas que fragilizam a formação dos jovens quando isso serve para melhorar artificialmente seus próprios resultados administrativos.

Neoliberalismo na Educação e o governo Lula

A política de aprovação automática impulsionada por Roberta Barreto e Cláudio Castro não é um acidente isolado: ela dialoga diretamente com o projeto neoliberal dos grandes conglomerados empresariais da educação, que defendem modelos de gestão baseados em metas numéricas, produtividade e redução de custos, a lógica da escola-empresa. Grupos financiados ou inspirados por figuras como o bilionário Jorge Paulo Lemann, que difundem uma visão de educação centrada em resultados padronizados e políticas de “eficiência”, têm interesse em soluções rápidas que mascare indicadores, mesmo que isso fragilize o processo de ensino. A progressão automática, disfarçado de inclusão, atende perfeitamente a essa lógica: eleva artificialmente os números de aprovação, facilita o cumprimento de metas e cria um ambiente no qual a escola pública passa a operar sob parâmetros empresariais de curto prazo, enquanto os problemas estruturais continuam intocados.

Essa sintonia fica ainda mais evidente quando observamos a presença direta e indireta de grandes grupos empresariais, e do próprio Lemann, na formulação de políticas no Ministério da Educação durante o governo Lula. Organizações ligadas ao setor privado têm ocupado espaços estratégicos, influenciando programas, diretrizes, prioridades da pasta e orçamento. Essa participação reforça uma convergência entre governos de diferentes espectros políticos na implementação de medidas para o setor da educação, que apesar de se apresentarem como inovações, acabam contribuindo para o avanço do setor privado sobre a educação pública. Assim, tanto no Rio quanto no Governo Federal, o que se vê é a consolidação de um projeto que desloca o centro da política educacional do fortalecimento da escola pública para o atendimento dos interesses de fundações empresariais que moldam a educação segundo a lógica do mercado.

Educação não é mercadoria!

Uma saída real para a crise da educação fluminense não passa por maquiar índices nem por impor metas inalcançáveis às escolas, mas por reafirmar a educação pública, gratuita e de qualidade como um direito social inegociável. Isso significa enfrentar os problemas estruturais com investimentos robustos: contratação de professores, redução do número de alunos por turma, garantia de infraestrutura adequada, valorização salarial e formação continuada. Em vez de empurrar estudantes para a série seguinte sem que tenham aprendido, é preciso reconstruir um projeto pedagógico que coloque a aprendizagem e o tempo escolar no centro, com políticas de acompanhamento reais, e não burocráticas, que respeitem a diversidade dos estudantes e as demandas de seus territórios.

Ao contrário da lógica meritocrática, das bonificações e da crescente privatização, uma política educacional comprometida em fortalecer a escola pública como espaço democrático, inclusivo e emancipador. Isso exige romper com modelos empresariais que tratam a educação como mercadoria e rejeitar projetos como a aprovação automática, que apenas disfarçam a precariedade em vez de enfrentá-la.

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