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PL Antifacção: Texto de Derrite é aprovado com potencial ataque a movimentos sociais

Israel Luz and Luisa Rosati, do Rio de Janeiro (RJ)

24 de novembro de 2025
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Secretário de Segurança Pública de SP, licenciado para aprovar PL na Câmara, Guilherme Derrite Foto Lula Marques/ABr

Após várias idas e vindas, o Projeto de Lei Antifacção foi aprovado na Câmara dos Deputados na noite desta terça-feira, 18 de novembro.

Em versão patrocinada politicamente pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e relatado por Guilherme Derrite (PP-SP), o PL original era uma aposta de Lula para “mostrar serviço” no combate ao crime organizado.

Além de repetir a velha receita do endurecimento de penas, o texto tem potencial ataque contra movimentos sociais.

Projeto repete a aposta no endurecimento penal

O centro do PL é aumentar as penas para crimes relacionados às facções. Antes de problematizar essa orientação, vejamos alguns pontos.

– O projeto define “organizações criminosas ultraviolentas” ou simplesmente facções criminosas como o agrupamento de três ou mais pessoas que emprega violência, grave ameaça ou coação para impor controle territorial ou social, intimidar populações ou autoridades, ou atacar serviços e infraestrutura essenciais.

– O texto aprovado cria o crime de “domínio social estruturado”, praticado por membros de facção criminosa, paramilitar ou milícia privada que realizem ações como as acima listadas. Também prevê punição para o favorecimento desse crime, caracterizado basicamente como dar qualquer apoio às facções.

– Se uma pessoa praticar crimes análogos aos das facções, ainda que não faça parte delas, as penas podem variar de 12 a 30 anos.

– Lideranças dos grupos criminosos deverão cumprir a pena obrigatoriamente isoladas em presídios federais.

– Altera o destino de verbas advindas de bens apreendidos em operações. Em vez de se destinaram à Polícia Federal, agora serão divididas com fundos estaduais. O Ministério da Justiça se posicionou contrário a isso, pois prejudicaria ações de combate ao crime. Esse é um dos pontos de maior divergência com o governismo, que promete atuar para modificá-lo no Senado.

Proposta de classificar facções como terroristas não entrou

Embora não apareça na versão final, é preciso lembrar a proposta da extrema direita para equiparar penalmente facções a organizações terroristas. Não foram só setores de esquerda que se opuseram a isso: grande parte da imprensa e até Hugo Motta questionaram a ideia, certamente preocupados com possíveis efeitos econômicos da medida.

Lembremos que o contexto atual torna essa política particularmente criminosa. O governo Donald Trump declarou no começo do ano oito cartéis latino-americanos como terroristas: Tren de Aragua, Mara Salvatrucha (MS-13), Cartel de Sinaloa, Cartel de Jalisco Nueva Generación, Cartel del Noreste (antigo Los Zetas), La Nueva Familia Michoacana, Cartel do Golfo e Cartéis Unidos.

Tal classificação coloca no horizonte a possibilidade da intervenção direta armada dos EUA em outros países a pretexto de defender sua própria segurança nacional. Que políticos brasileiros proponham dar qualquer brecha para uma ação desse tipo é mais uma prova do nacionalismo “para americano ver” típico das elites nacionais.

Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite aumentaram a violência policial como política de governo | Foto: Reprodução Redes Sociais

Derrite, capanga de Tarcísio

Por trás das movimentações atabalhoadas de Derrite, que fez em uma semana seis versões do PL, está Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).

A liberação do secretário para voltar à Câmara temporariamente para relatar o projeto é parte de uma estratégia maior de dar visibilidade não só ao aspirante ao Senado, mas ao próprio governador.

Em evidência nacional por ser apontado como provável substituto de Jair Bolsonaro, Tarcísio sempre teve como um dos eixos do seu governo a linha dura contra o crime.

Mesmo com resultados pífios em São Paulo, onde a segurança pública segue sendo a principal preocupação popular, ações como as chacinas da Operação Escudo e Verão no litoral paulista (2023-2024), a resistência inicial ao uso de câmeras corporais pela PM, o não “tô nem aí” para denúncias de abuso policial e agora o PL servem como carta de apresentação para o eleitorado de outros estados.

Criminalização de movimentos sociais à vista?

Uma questão que não está sendo muito comentada é o potencial de criminalização de movimentos sociais contido no PL. Ou seja, de que a legislação, se aprovada, possa ser utilizada com outros fins, que se voltem contra a classe trabalhadora de formas que não estão explícitas nos debates atuais.

“Hoje o objetivo do crime organizado é patrimonial. Já no entendimento do projeto o objetivo é político também”, comenta o advogado Francisco de Assis da Silva Filho, do Núcleo de Direitos Humanos da OAB-São Paulo.

A definição de facção trazida por Derrite é ampla o suficiente para ser usada contra movimentos que fechem estradas, ocupem terras ou realizem protestos em instalações públicas. Argumentos como “intimidação de autoridades”, “ataque a serviços e infraestrutura essenciais” já são usados hoje para atacar os direito de manifestação daqueles que lutam por melhores condições de vida, invertendo completamente a lógica de quem defende os serviços públicos, os direitos sociais ou territórios. Não é difícil prever que, com a aprovação do PL, governos possam avançar para considerar protestos sindicais, piquetes de greve em trens e metrôs como crimes.

É importante ficar atento aos desdobramentos disso porque a segurança pública no Brasil sempre teve como alvo o inimigo interno, as “classes perigosas” e todos aqueles que possam representar risco à ordem burguesa.

De todo modo, só o fato de o PL apostar simplesmente em mais repressão já potencializa a criminalização cotidiana das populações negras das periferias.

Diferentes versões do PL, uma estratégia semelhante

Quando Lula (PT) enviou ao Congresso Nacional em 31 de outubro o PL Antifacção em caráter de urgência, o destaque já era a ampliação das penas para membros de facções criminosas. Repetindo a tática da PEC da Segurança, o governo novamente buscava passar à ofensiva, agora no contexto da chacina de Cláudio Castro no Rio.

Só não contava com o “furto com abuso de confiança”, palavras de um indignado Lindbergh Farias (PT-RJ) ao se referir ao fato de Motta passar a relatoria a Derrite. Como isso pode ser uma surpresa? É um risco totalmente esperado, considerando a busca permanente de conciliação do petismo com as demais forças do Congresso.

Mas o incômodo do governo, em grande parte, foi com o fato de ver tirado seu protagonismo como repressor do crime, não propriamente de orientação geral do projeto.

O ministro Guilherme Boulos (PSOL-SP), por exemplo, apontou corretamente que Derrite tentou passar uma “PEC da Blindagem 2.0” ao propor obstáculos à Polícia Federal, responsável por combater crimes do colarinho branco. Mas é sintomático que o foco no aumento de pena já contido no PL original não seja seriamente questionado pelo PT e o PSOL.

Diferentemente do discurso da imprensa e mesmo da percepção popular, o problema da esquerda oficial no campo da segurança pública não é “defender bandido”, mas repetir fórmulas semelhantes à direita, especialmente quando está no poder. A letalidade da PM baiana, estado governado pelo PT, mais alta que a da polícia de Tarcísio, não deixa dúvidas disso.

Os resultados das políticas de segurança aplicadas nas últimas décadas no Brasil mostram que a ampliação das penas relativas ao tráfico de drogas não resultou em diminuição das facções ou dos crimes.

Guerra às drogas ou ao povo negro e periférico?

A Lei de Drogas, sancionada por Lula em 2006 após uma onda de violência provocada por ações do PCC em São Paulo, facilitou e endureceu as punições por tráfico de drogas. O resultado foi uma explosão no número de presos.

Hoje a população carcerária brasileira é de 850 mil pessoas – nosso país perde apenas para EUA e China. Quem são essas pessoas? Cerca de 70% são homens, jovens e negros. E mais: um em cada quatro são presos provisórios, ou seja, estão presos sem ainda terem sido julgados.

Aliás, é fato comprovado que as facções capitalistas levam uma grande vantagem com essa dinâmica, pois os presídios se tornam centros de articulação de lideranças e recrutamento massivo de mão-de-obra.

O caso do Sistema Penitenciário Federal é emblemático. A política de isolar lideranças em uma das suas 5 unidades acabou transformando involuntariamente o SPF no “comitê central do crime no Brasil” nas palavras de um chefe do PCC, citado por Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias no livro “A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”, de 2019.

O crescimento do Comando Vermelho nos últimos anos também exemplifica o problema. Foi a partir de acordos estabelecidos em prisões federais com facções menores, como a Família do Norte, que o Comando Vermelho expandiu seu domínio.

Além disso, como acreditar que um aumento de penas poderia ter impacto real na articulação das facções criminosas, se parte das lideranças atua de dentro do sistema prisional? Como evidencia o exemplo de Marcola do PCC: mesmo preso desde 1999, seguiu tendo papel central na organização que, como é óbvio, só se expandiu nos anos 2000.

Dica de vídeos marxistas sobre segurança pública

Os canais de Hertz Dias e o Orientação Marxista publicaram nos últimos dias vídeos com diferentes enquadramentos do debate sobre a segurança pública, sempre de um ponto de vista marxista. Deixamos de sugestão para ampliar o debate.

 

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