A chacina mais letal da história do Rio: Quem sofre é o povo carioca
O Rio de Janeiro amanheceu nesta terça-feira (28) sob o som dos helicópteros e o eco das rajadas de fuzil. A chamada Operação Contenção, deflagrada nos complexos do Alemão e da Penha, mobilizou cerca de 2,5 mil agentes das forças de segurança, entre policiais civis, militares e unidades de elite, para cumprir mais de 100 mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho. O que o governo Cláudio Castro anunciou como uma “grande ofensiva contra o crime” rapidamente se tornou a operação mais letal da história do Rio.
O balanço parcial aponta ao menos 64 mortos e diversos feridos. Entre as vítimas, estão moradores que nada tinham a ver com os confrontos: um homem em situação de rua baleado nas costas, uma mulher atingida enquanto se exercitava, e trabalhadores feridos em meio ao fogo cruzado. As imagens de pânico nas ruas, corpos espalhados e helicópteros atirando de cima transformaram a cidade em um retrato de guerra urbana.
Enquanto as forças policiais realizavam a operação, escolas e creches foram fechadas, postos de saúde interromperam o atendimento e linhas de ônibus deixaram de circular. Moradores se trancaram em casa, com medo de sair. Cada nova operação desse tipo representa mais um cerco às comunidades, onde o Estado só chega com blindados e caveirões. As favelas seguem tratadas como zonas de exceção, onde os direitos não se aplicam e a vida vale menos.
O tráfico responde e gera caos e medo nas ruas
Durante a Operação Contenção, a resposta do tráfico mergulhou a cidade em um cenário de pânico generalizado. Integrantes do Comando Vermelho reagiram à ofensiva das forças policiais com ataques coordenados, incendiando ônibus, erguendo barricadas e bloqueando vias importantes como a Linha Amarela e a Avenida Brasil. O objetivo era dificultar o avanço da polícia e demonstrar poder territorial, mas quem pagou o preço foi a população.
Trabalhadores ficaram presos em congestionamentos quilométricos, crianças foram impedidas de ir à escola, e moradores das favelas se refugiaram dentro de casa, acuados entre o fogo cruzado e o medo de sair às ruas. O Rio viveu horas de paralisia, em que o cotidiano foi interrompido e a sensação de segurança, já frágil, simplesmente desapareceu. A cidade entrou em estágio 2 de risco para alto impacto.
Por trás da violência que domina o Rio está a engrenagem bilionária do mercado ilegal de drogas, sustentada por uma cadeia complexa que vai muito além das favelas. O tráfico movimenta quantias que irrigam desde o submundo das milícias e das facções até setores da economia formal, por meio da lavagem de dinheiro, do comércio clandestino e da corrupção policial. Enquanto jovens são cooptados para o varejo das bocas de fumo, onde a vida é curta e descartável, os verdadeiros beneficiários do sistema permanecem invisíveis: empresários, políticos e agentes públicos que lucram com a continuidade da guerra. O resultado é uma economia do crime que alimenta a violência e garante que o sangue derramado continue sendo o preço da estabilidade para quem lucra no topo dessa pirâmide.
A política do extermínio
O governo Cláudio Castro consolidou uma política de segurança baseada na repressão e no espetáculo. Desde o início de sua gestão, as grandes operações policiais se tornaram uma marca e também um instrumento político. O governador, que se apresenta como “duro contra o crime”, aposta em ações midiáticas que reforçam a imagem de autoridade, mas deixam um rastro de morte e impunidade.
As chacinas do Jacarezinho (2021), com 28 mortos, e da Vila Cruzeiro (2022), com 23, apresentaram o mesmo roteiro da Operação Contenção: incursões letais em comunidades pobres, majoritariamente negras, com justificativas genéricas sobre “combate ao tráfico”. Os números variam, mas a lógica é idêntica a de um Estado que governa pela força e pela violência.
Essa política tem um nome: controle social pela repressão. Ela não busca garantir segurança, mas disciplinar os territórios populares. As favelas são tratadas como zonas de exceção, onde direitos não se aplicam e a morte é naturalizada. A “guerra ao crime” é, na prática, uma guerra contra os pobres.
Ver essa foto no Instagram
Uma crise política no rastro da violência
A operação transformou-se rapidamente em um conflito político entre o Planalto e o Palácio Guanabara. O governador, aliado do PL, tentou usar o episódio para reforçar sua imagem de “gestor firme contra o crime”. Mas o resultado é devastador: dezenas de mortos, comunidades traumatizadas e o descrédito de uma política de segurança que só produz mais violência.
Enquanto os confrontos aconteciam, o governador Cláudio Castro tentou transferir a responsabilidade. Em declarações públicas, afirmou que o Governo Federal “abandonou o Rio”, e reclamou da falta de apoio da União. Em Brasília, o governo convocou uma reunião emergencial, reunindo o vice-presidente Geraldo Alckmin, a ministra de Relações Institucionais Gleisi Hoffmann e o ministro da Casa Civil Rui Costa, ainda que nenhum pronunciamento deva ser realizado antes da volta de Lula da Malásia.
A atuação do governo Lula diante da crise da segurança pública no Rio de Janeiro revela os limites de um projeto que, apesar do discurso “progressista”, mantém intactas as estruturas que produzem a violência. Ao se esquivar de uma crítica frontal ao modelo policial que transforma favelas em campos de guerra, o governo federal opta por uma postura de conciliação que, na prática, legitima a repressão como política de Estado. Em vez de enfrentar as raízes sociais da criminalidade, reforça a lógica do controle territorial e do investimento em aparato bélico. Essa omissão, disfarçada de prudência institucional, serve para preservar a estabilidade política e os interesses dos grandes empresários, enquanto o povo pobre segue morrendo no front de uma guerra que nunca escolheu travar.

Caos na capital fluminense
As vítimas invisíveis
Por trás dos números oficiais estão as famílias que possuem sua rotina devastada. Nas vielas do Alemão e da Penha, mães, crianças e idosos tentam entender por que o Estado transforma suas casas em campos de batalha.
O Rio de Janeiro vive, mais uma vez, sob cerco, não apenas das facções, mas do próprio Estado. Entre os tiros e as acusações cruzadas, sobra à população o medo e o luto. Enquanto governo estadual e federal disputam narrativas, as comunidades seguem como palco e alvo de uma guerra que não é delas.