A colaboração de metalúrgicas mineiras com a ditadura empresarial-militar
A tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 deixou evidente a necessidade de um ajuste de contas com os golpistas do golpe militar de 1964. Caso contrário, a população do nosso país, em especial a classe trabalhadora, estaremos convivendo com essa ameaça. É preciso responsabilizar os ditadores, os torturadores e as empresas pelos crimes do regime. Como também é preciso punir todos os envolvidos na tentativa de golpe em 8 de janeiro. A punição não pode ser só para o setor da população que serviu de massa de manobra, a punição mais dura deve ser para os que planejaram e financiaram. Não pode haver anistia para nenhum golpistas.
Por isso, quando o presidente Lula diz que é para esquecer o passado, ele presta um grande desserviço à luta contra a extrema-direita incrustada no Exército e em instituições do Estado. Além disso, o presidente Lula perdeu uma oportunidade de mandar um recado claro para os militares, para extrema-direita e as empresas, inclusive do agronegócio, – que não haverá anistia para os envolvidos na tentativa de golpe. Para que isso nunca mais aconteça!
Portanto, está evidente que somente os trabalhadores, a população e suas organizações podem levar adiante essa luta, exigir punição aos torturadores, exigir punição aos golpistas de ontem e de hoje, exigir que as empresas que colaboraram com a ditadura sejam responsabilizadas. Enfim, garantir verdade, justiça e reparação!
Neste sentido, as centrais sindicais no estado, confederações e federações, além de alguns órgãos de assessoramentos como o Centro de Justiça de Transição da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e fundações, decidiram criar, em 2017, a COVET-MG (Comissão da verdade dos Trabalhadores e do Movimento Sindical de Minas Gerais), para buscar responsabilizar e exigir punição de todos que cometeram os crimes contra os trabalhadores pelo regime de exceção que vivemos. Esses crimes foram apontados pelo relatório da Comissão da Verdade do estado, que foi instituída por lei e que produziu um relatório bastante completo sobre a repressão aos trabalhadores em Minas Gerais.
Em 2020, a Volkswagen assinou um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal, reconhecendo sua colaboração com a ditadura e pagou uma reparação de R$ 36 milhões, uma pequena parte desse recurso foi destinada para financiar pesquisa e apurações de outras empresas. Esses recursos ficaram sob responsabilidade do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) que, além de gerir os recursos, coordenou as pesquisas nas 13 empresas escolhidas através de um edital. A COVET-MG e o Centro de Justiça de transição da UFMG apoiado pelo IEEP, apresentaram o edital para pesquisar a FIAT, e conseguiram a sua aprovação. A pesquisa da FIAT foi coordenada pelo professor de Direito Gustavo Seferian, que faz parte do Centro de Justiça de Transição da UFMG.
No final de 2022, surgiu outra oportunidade de disputar financiamento de mais duas pesquisas, apresentamos o edital e conseguimos aprovação para pesquisar as empresas Belgo Mineira e Mannesmann. Essas pesquisas já estavam sendo organizadas pela pesquisadora historiadora doutora, Marina Camisasca, que coordenou a pesquisa da Belgo Mineira, e pela também pesquisadora e professora de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora, Tayara Lemos, que coordenou a pesquisa da Mannesmann.
O Opinião Socialista conversou com as duas pesquisadoras
Qual a importância das pesquisas para responsabilização dessas empresas?
Marina, coordenadora da pesquisa da Belgo Mineira – As pesquisas são fundamentais para que as empresas possam ser de alguma forma responsabilizadas pelas violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. Afinal, somente com a realização de pesquisas históricas é possível ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Trabalho ter acesso a documentos capazes de comprovar essas violações. São esses documentos, tanto provenientes de fontes escritas quanto orais, que irão embasar os inquéritos civis que estão em curso contra essas empresas.
Tayara, coordenadora da Pesquisa da Mannesmann – As pesquisas trazem à tona evidências da cumplicidade de empresas com a ditadura militar e das possíveis violações de direitos por elas cometidas. Por meio de fontes documentais, bibliográficas, processos judiciais e administrativos, correspondências, jornais, além das fontes testemunhais, tem se conseguido encontrar indícios e evidências de tais violações, o que poderá permitir que essas empresas sejam responsabilizadas pelos danos causados e a reparação seja realizada.
Tais reparações podem ser individuais e coletivas, abarcando indenizações individuais, reparações coletivas, construção de memoriais, financiamento de outras pesquisas e investigações acerca da cumplicidade de empresas com a ditadura.
No Brasil, até hoje, apenas o Estado havia promovido reparações pelas violações de direitos cometidas ou facilitadas, no período da ditadura. A responsabilização dos demais agentes é, também, de extrema importância.
Destaque na pesquisa o que mais te chamou a atenção e mostra a violação de direitos e cumplicidade da empresa com a ditadura.
Marina – O fato que chama mais atenção no que se refere às violações de direitos humanos cometidas pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira diz respeito aos acontecimentos ocorridos em João Monlevade nos dias subsequentes ao golpe civil-militar de 1964. Nessa ocasião, a empresa utilizou-se do aparato policial do Estado “revolucionário” para forçar trabalhadores a assinar pedido de demissão. Além disso, muitos desses trabalhadores foram presos e alguns sofreram torturas física e psicológica. Familiares também foram vítimas da violência cometida tanto pelo Estado quanto pela empresa, ocorrendo até mesmo casos de violência sexual.
Tayara – A participação de diretores da empresa presentes em reunião que articulou medidas para o golpe, antes mesmo de 31 de março de 1964, os atos em cumplicidade com o aparato repressor durante os anos de regime militar, tais como policiamento ostensivo a fim de coibir greves, inclusive com a cavalaria da polícia dentro da empresa. Além disso, evidências de entrega e delações por parte da empresa ao DOPS de pessoas que, consequentemente, foram presas e torturadas, dispensadas por motivação política ou participação em greves, para citar alguns casos.
Avançar nas pesquisas e na luta por responsabilização, punição e reparação
Neste momento, a COVET-MG, os sindicatos juntamente com os vitimados, estão discutindo quais as reparações necessárias para as empresas realizarem aos trabalhadores vitimados e suas famílias, aos seus sindicatos e a sociedade. Essas propostas passam por reconhecimento público das empresas que foram cúmplices da ditadura, construção de memoriais, como no antigo DOPS – Memorial da luta contra a Ditadura, Centro de memória da Categoria – como a transformação do antigo prédio do sindicato dos Metalúrgicos de João Monlevade, no centro de memória da categoria ou nas empresas muito repressora – um espaço para o sindicato atender os metalúrgicos dentro da empresa, entre outras. E recursos para financiar pesquisas em novas empresas. Além dessas, as reparações individuais para os vitimados e suas famílias que também é muito importante. A definição dessas reparações é importante para o Ministério Público Federal apresentar em caso de negociações com as empresas ou instruir o processo caso não haja negociação.
Um novo desafio se apresentou para COVET-MG, pesquisar a colaboração da USIMINAS com a ditadura, a começar pelo “Massacre da Usiminas” em outubro de 1963, foi a preparação do Golpe de 64, onde oficialmente morreram 8 trabalhadores, mas de fato ninguém sabe quantos foram assassinados. O Ministério Público Federal já abriu inquérito. Estamos buscando recursos para realizar a pesquisa. As pesquisadoras Tayara e Marina já assumiram a coordenação dessa pesquisa, e estão montando equipes. Essa pesquisa será mais complexa do que as anteriores, pois vai exigir equipes multidisciplinares como peritos, advogados etc…
Portanto, somente os trabalhadores e suas organizações podem lutar por ampliar as liberdades democráticas dentro da “Democracia dos Ricos”. Muitas vezes é preciso se utilizar de instituições desse Estado para avançar na luta, sem nenhuma ilusão, pois sabemos que está a serviço dos interesses dos ricos. A conquista de “Verdade, Justiça e Reparação “é um passo muito importante para enfrentar a ultradireita, os fascistas e pressionar o estado por ampliar as liberdades para os trabalhadores.