Internacional

A crise política na França

LIT-QI, Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

8 de agosto de 2024
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Manifestação em junho em Paris contra Macron e a extrema direita Foto Jeanne Menjoulet

Secretariado Internacional da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI)

Os Jogos Olímpicos de Paris misturam o espetáculo dos eventos esportivos transmitidos para todo o mundo com tensões políticas muito presentes.

Os protestos contra a presença de Israel nos jogos e a sabotagem dos trilhos de trem no dia da inauguração mostram que a tentativa de esconder a realidade política e social do país pode não funcionar.

Macron, mais do que ninguém, aposta na anestesia coletiva dos espetáculos olímpicos para lhe dar uma folga da crise política após as eleições de julho. Para conseguir isso, usa um enorme aparato repressivo. No entanto, o resultado pode não ser o esperado, mas sim uma maior irritação e radicalização das bases contra Macron e o seu governo.

O que está acontecendo na França? Quais são as perspectivas? O que significa o fortalecimento da extrema direita? Qual será o papel da Nova Frente Popular? Estas são algumas das perguntas dos ativistas às quais tentaremos dar respostas.

O declínio do capitalismo imperialista francês

A primeira coisa que precisamos para compreender a realidade do país é levar em consideração o declínio do capitalismo europeu, e do capitalismo francês em particular. Desde a recessão internacional de 2007-2009 tem havido uma curva descendente na economia global, que continua até hoje.

A Europa está sofrendo com este declínio, agravado pela guerra na Ucrânia. O capitalismo está declinando ainda mais à medida que perde terreno na competição mundial ante o conflito entre os Estados Unidos e a China. A participação da Europa no PIB global caiu de 25% na década de 1980 para 15% na década de 2020. Isto tem uma expressão direta nos dois países centrais da União Europeia (UE), Alemanha e França. A UE continua desempenhando um papel contrarrevolucionário significativo, como pode ser demonstrado no seu apoio ao genocídio israelita e ao seu plano armamentista.

A França, que tem uma produção industrial significativa nas indústrias de automóvel e aeroespacial, um importante setor agrícola e um importante setor de serviços na economia imperialista, tem ficado para trás face à concorrência chinesa e norte-americana. Está sendo expulsa das suas antigas colônias africanas. Os seus serviços públicos sofrem uma grave deterioração, a sua economia está estagnada (com um crescimento anêmico de 0,6% na década de 2020), com elevados níveis de dívida (110,6%) e de déficit público (5,5%). E a queda no investimento (-15% desde 2023) aponta para que o declínio do país continue a aprofundar-se.

A burguesia francesa está reagindo a este declínio com ataques cada vez mais fortes aos trabalhadores, através de sucessivos planos neoliberais, como a última reforma do sistema de Previdência imposta por Macron. Desde as mobilizações dos Coletes Amarelos (2018-2019), tem sido também uma vanguarda europeia na repressão da dissidência e dos ataques às liberdades democráticas.

A crise da Quinta República

O declínio do país tem expressão direta na crise da democracia burguesa.

A crise capitalista traduz-se num ataque às condições de vida das massas trabalhadoras como um todo. Mas tem um efeito especial nas classes médias e nos setores privilegiados do proletariado. No passado, estes setores constituíam a base social estável da democracia burguesa, com expectativas de avanço social. Com a decadência capitalista, isto entra em crise.

Esta é uma tendência global, que tem consequências diferentes de um país para outro. Gera uma tendência para a crise das democracias burguesas, a crise dos partidos tradicionais, o fortalecimento das correntes de extrema direita e uma forte tendência para regimes bonapartistas, ou seja, cada vez mais autoritários e com uma crescente concentração de poder no topo do Executivo.

A democracia burguesa na França assumiu a forma da Quinta República, um regime presidencial estabelecido por De Gaulle em 1958, ao contrário da Quarta República, que era um regime baseado no parlamento. Na Quinta República é o Presidente quem nomeia o Primeiro-Ministro e não o Parlamento e é também ele quem dirige a Defesa e os Negócios Estrangeiros e escolhe os ministros destas pastas.

Durante décadas, a Quinta República alternou governos de direita liberal e de esquerda burguesa (especialmente através do Partido Socialista). Isto incluiu a chamada “coabitação” com um presidente “de esquerda” e um primeiro-ministro “de direita” (como François Mitterrand e Chirac, por exemplo), e outras combinações, sempre aplicando um plano burguês.

A aplicação de planos neoliberais muito semelhantes pelos chamados governos de “esquerda” e “direita” levou à crise de todos os partidos do regime e da própria democracia burguesa.

O próprio Macron foi escolhido como “novidade” frente à erosão do governo neoliberal do PS de François Hollande e do governo tradicional de direita, também neoliberal, de Sarkozy. Uma vez no poder, voltou a aplicar os mesmos planos neoliberais.

Macron foi o grande perdedor das últimas eleições, justamente pela rejeição e ódio social causados ​​pelas consequências da política que aplicou, cujo símbolo maior é a reforma previdenciária, embora tenha conseguido reduzir a sua derrota devido ao acordo da “Frente Republicana”.

O movimento de massas

Para compreender a realidade francesa, não basta olhar para os resultados eleitorais. Como é bem sabido, na democracia burguesa, os processos reais da luta de classes aparecem distorcidos nas eleições. Numa democracia em crise, isto é ainda mais verdadeiro e tornam-se mais voláteis.

É crucial ver o que está acontecendo na luta de classes. E a França, honrando a sua tradição, é provavelmente o país ocidental onde a mobilização de massas e os conflitos com o poder foram mais longe nos últimos tempos.

As mobilizações dos Coletes Amarelos, que abalaram o país em 2018-19, deixaram nítido ao mundo a crise do capitalismo francês e da Quinta República e o enorme potencial da mobilização operária e popular.

As mobilizações começaram como reação ao aumento dos preços dos combustíveis, utilizando os coletes amarelos como símbolo do movimento e os sábados para manifestarem-se massivamente nas ruas. O movimento criou raízes, reunindo camadas muito amplas de trabalhadores das províncias e muitos setores de pequenos proprietários de terras e camponeses empobrecidos. Atingiu jovens do ensino secundário em bairros urbanos pobres, mas não mobilizou universidades. E não mobilizou o proletariado das grandes cidades, bloqueado pelas lideranças das principais centrais sindicais, que confrontaram o movimento, ao que chegaram a criticar da forma mais indigna, como se fosse uma expressão da extrema direita.

O movimento dos Coletes Amarelos mobilizou um importante setor do proletariado, entre os trabalhadores mais vulneráveis ​​e menos sindicalizados do país. Mas, salvo muito marginalmente, não recebeu o apoio dos grandes aparatos sindicais, que o macularam e bloquearam a solidariedade.

O movimento foi brutalmente reprimido pelo governo Macron, que tomou medidas diretas e de autodefesa. Apesar da repressão brutal, as mobilizações cresceram, reunindo centenas de milhares de pessoas e impondo retrocessos parciais ao governo.

O movimento nasceu e cresceu fora dos aparatos políticos e sindicais. Deu passos ampliando seu programa de demandas e sua auto-organização. Sua força foi sua espontaneidade. Mas no final ficou exausto pela repressão e pelo cansaço, porque não conseguiu superar a crise de direção, pois uma direção não se improvisa.

O próprio Macron teve que enfrentar a grande mobilização contra a reforma previdenciária em 2023. De 19 de janeiro a 6 de junho, o proletariado francês realizou manifestações em massa e greves parciais descontínuas, nas quais participaram milhões de pessoas. Teria sido perfeitamente possível derrotar a reforma e derrubar o próprio Macron se as direções sindicais tivessem optado pela greve geral até à vitória. Porém, mais uma vez, as burocracias sindicais – ao ritmo da CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), com o acordo da CGT (Confederação Geral do Trabalho), recusaram-se a fazê-lo, com o apoio político do França Insubmissa e o que ainda restava do PS e do PCF (Partido Comunista Francês), que, em nenhum momento, questionaram os mecanismos institucionais através dos quais Macron poderia impor uma reforma que foi rejeitada por uma grande maioria do povo francês. A central Solidaires foi a favor da greve geral, mas nunca se opôs, na prática, às outras direções.

No final, Macron, sabendo que não poderia votar a reforma no Parlamento, utilizou os recursos bonapartistas da Quinta República para a impor de qualquer maneira, o que foi então validado por um Conselho Constitucional.

Mais uma vez o movimento foi derrotado por um misto de exaustão e impotência política.

A extrema direita

A democracia burguesa, com as suas eleições, tem uma enorme vantagem para o domínio do grande capital: permite às massas manterem as suas ilusões de mudança, substituindo um governo desgastado por outro, aparentemente “novo”, para, em última análise, aplicar o mesmo programa neoliberal.

Este mecanismo, embora desgastado, permanece, apesar de todas as crises, válido na Europa, na medida em que não há superação revolucionária e nem a grande burguesia tem atualmente qualquer interesse numa solução fascista. Isto pode ser visto no resultado eleitoral na Inglaterra, com a derrota do Partido Conservador (no governo há 14 anos) e a vitória do Partido Trabalhista.

No entanto, o fortalecimento das diferentes forças de extrema direita é um novo elemento na realidade europeia. É uma expressão da decadência do capitalismo europeu e dos regimes democráticos burgueses em vigor. A extrema direita surge como “algo novo”, capitalizando à sua maneira a crise social e o profundo descontentamento popular. A esquerda burguesa, por sua vez, é vista como parte dos partidos do regime.

A extrema direita europeia tem origens diferentes. Em vários países, nasceu de movimentos diretamente fascistas que se adaptaram para concorrer às eleições e assim chegar ao governo, como é o caso do Rassemblement National (RN) na França, do Fratelli d’Italia de Meloni ou do FPÖ da Áustria. Já lideram o governo na Hungria e na Itália, participam no governo dos Países Baixos e de outros países e foram significativamente fortalecidos nas últimas eleições europeias.

Em geral, não são partidos fascistas, como afirma a esquerda burguesa para justificar a sua política de uma “frente ampla contra o fascismo” com setores burgueses. A extrema direita não se apoia, como na década de 1930, da formação de bandos fascistas armados, compostos principalmente por sectores sociais desesperados da pequena burguesia.

A extrema direita europeia não trabalha atualmente com perspectivas insurrecionais, mas com a ideia de contar com os canais parlamentares para, a partir do governo, cercear as liberdades e os direitos democráticos. Em alguns casos, com projetos bonapartistas de mudança de regime, como Orbán na Hungria. Noutros casos, com a ascensão ao governo, integram-se no regime, como Meloni em Itália.

Mas incluem grupos minoritários fascistas na sua base. Muitos deles têm bases importantes em partes do aparelho policial e das forças armadas.

Na França, a vitória do RN (Reagrumpamento Nacional) de Marine Le Pen nas eleições europeias (31,3% dos votos) e a derrota de Macron (14,6%) provocaram uma crise política. Macron manobrou então dissolvendo o Parlamento e antecipando as eleições legislativas,

O RN tem origem na Frente Nacional, liderada por Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen. Durante décadas, tentou fazer-nos esquecer o caráter fascista da Frente Nacional para assumir uma posição comparável à democracia burguesa francesa, ao mesmo tempo que fortaleceu o seu programa xenófobo, anti-imigração e nacionalista. Tem uma base social em setores importantes da pequena e média burguesia e do proletariado, bem como numa parte importante do aparato policial. O RN tem o voto de quase 60% dos policiais, e muitos são filiados.

Com a sua vitória nas eleições europeias o RN lançou-se nas eleições parlamentares com a ambição de conquistar a maioria e aceder ao governo. Isto gerou uma importante reação de massas, com um setor de jovens na vanguarda das manifestações. Em 15 de Junho, centenas de milhares de pessoas marcharam pela França rejeitando a possibilidade de uma vitória da extrema-direita. Este meio de mobilização de massas contra a extrema direita foi muito oportuno e necessário.

Porém, algo muito diferente é a “ampla frente eleitoral contra o fascismo”, uma política muito comum da esquerda reformista em todo o mundo, que também foi utilizada na França. Uma aliança (“Frente Republicana”) foi formada entre Macron e a Nova Frente Popular no segundo turno das eleições, o que levou à retirada das candidaturas do NFP em favor dos candidatos Macron mais bem colocados, quando havia um candidato de extrema direita que poderia vencer.

O resultado eleitoral jogou o RN para o terceiro lugar. A Nova Frente Popular surpreendeu e ficou em primeiro lugar, enquanto a coligação de Macron ficou em segundo. Isso abriu a perspectiva de um governo de coligação “contra a extrema direita”.

Este resultado expressa um resultado complexo, que poderia ser resumido em três conclusões básicas.

A primeira é que a democracia burguesa, mesmo em crise, continua funcionando, expressando um bloqueio parlamentar contra a extrema direita, o que na verdade favorece um maior fortalecimento da extrema direita na sociedade.

A segunda é exatamente uma contradição da primeira: a democracia burguesa, ainda que funcione, está em crise.

Além do enorme descrédito nas suas instituições, tem agora uma divisão sem precedentes: o eleitorado está dividido em três blocos, com peso semelhante: a Nova Frente Popular (182 deputados), o Macronismo (168) e a extrema-direita (143).

A terceira conclusão é que a extrema direita, apesar da derrota, tornou-se muito mais forte e veio para ficar. Na verdade, continua a ser o primeiro partido na França e aspirante a vencer nas próximas eleições.

A Nova Frente Popular

Diante do risco de vitória da extrema direita, formou-se a Nova Frente Popular, que unifica o França Insubmissa (liderada por Mélenchon), o PS, o PC, os ecologistas, bem como setores considerados de extrema esquerda, como o setor histórico do NPA. Essa frente teve um resultado muito bom nas eleições, tornando-se o partido com mais cadeiras na Assembleia Nacional.

Existem grandes expectativas dos principais sectores de todo o mundo em relação à NFP. Mas essas expectativas são reais?

Vejamos a composição desta frente.

O PS é o partido com mais tradição na NFP. Herdeiro da velha socialdemocracia europeia, quando ainda era um partido reformista dos trabalhadores, – como na primeira Frente Popular da década de 1930 – foi um fator fundamental nas derrotas do movimento de massas. Depois da Segunda Guerra Mundial, depois do congresso de Bad Godesberg (1959), da social-democracia alemã, tal como os outros partidos socialistas europeus, deixou de reivindicar a classe operária e o socialismo. O antigo programa reformista foi abandonado e substituído, primeiro pela “economia social de mercado” e depois pelo social-liberalismo (versão social-democrata do neoliberalismo). O partido mudou seu caráter de classe, passando de um partido operário reformista para ser mais um partido burguês, que manteve e mantém uma certa base eleitoral operária.

França Insubmissa é considerada “extrema esquerda” pela mídia. Mas é um partido reformista eleitoral, liderado por Jean-Luc Mélenchon, que foi senador pelo PS. Lembremos que Mélenchon rompeu com o PS em 2009 para formar o Parti de Gauche (PG), que logo formou uma aliança com o PCF e alguns outros chamados Front de Gauche. França Insubmissa foi criada para as eleições presidenciais de 2017.

O programa deste partido está à direita do programa de Mitterrand de 1981, sem nacionalização de grandes empresas ou bancos, sem medidas anti-imperialistas ou questionamento das bases capitalistas, tudo no quadro da União Europeia. O seu programa socioeconômico limita-se à recuperação do Estado de Bem Estar, propondo anular a reforma da previdência e do desemprego de Macron, o aumento do salário mínimo, o bloqueio dos preços dos bens essenciais, a indexação salarial ou a efetiva gratuidade da educação pública. Se conseguir chegar ao governo, abandonará boa parte destas reivindicações, exatamente como o Syriza fez na Grécia.

Este partido não desempenhou nenhum papel independente de primordial importância nas lutas do movimento de massas, porque deixou a liderança às lideranças sindicais, contra as quais não quer lutar. Tem essencialmente um papel eleitoral.

Também não tem raízes nos setores proletários, apesar de estar agora bem estabelecido nos subúrbios proletários com uma elevada proporção de trabalhadores imigrantes.

Na realidade, França Insubmissa desempenha o papel da ala esquerda da Quinta República, embora defenda formalmente uma Sexta República no seu programa. Poderia ser um ponto de apoio para algum tipo de colaboração de classe no próximo período. Não é por acaso que Mélenchon tenha concordado com Macron (a Frente Republicana) para o segundo turno das eleições legislativas.

Enfrentar esta ofensiva do capital e garantir o cumprimento das medidas sociais prometidas é impossível sem levantar um movimento revolucionário de massas que permita a expropriação dos bancos e das grandes corporações, coloque os meios de produção nas mãos da classe trabalhadora e acabe com a dominação imperialista francesa no exterior. Tudo isto é impossível no âmbito do programa LFI.

Além destes partidos, há o Partido Comunista, que teve inúmeras traições no passado, como a rendição do processo revolucionário no pós-guerra por ordem de Stalin e a corresponsabilidade – com o PS – na derrota da Frente Popular na década de 1930 e que trouxe o processo revolucionário de 1968 de volta ao quadro institucional. Hoje está reduzido a uma pequena força que abandonou qualquer perspectiva socialista, está à direita da LFI.

Além disso, existem alguns partidos burgueses menores, como o Ecologista e a Place Publique (de Raphaël Glucksmann). Este último foi candidato nas eleições legislativas de 2007 pela Alternativa Liberal e mais tarde admirador de Nicolas Sarkozy.

Como pode ser visto, a composição da Nova Frente Popular não pode justificar qualquer expectativa de uma direção revolucionária alternativa para a atual crise política francesa.

A Nova Frente Popular leva o nome da Frente Popular da década de 1930, duramente criticada por León Trotsky, que sustentava a frente única de classe e a mobilização de rua como única forma para enfrentar a direita. Nessa época, face à grave crise do capitalismo francês e à ascensão do fascismo, formou-se um governo de colaboração de classes PS-Partido Radical, apoiado desde o exterior pelo PCF, que acabou por derrotar o processo revolucionário que tinha começado com uma onda de ocupações de fábricas em 1936 e facilitando, no final, a chegada do regime de Vichy. Esta Nova Frente Popular é ainda mais de direita do que aquela criticada por Trotsky.

No contexto de muitas dúvidas quanto às perspectivas na França, podemos apostar que a Nova Frente Popular não desempenhará qualquer papel revolucionário ou seriamente reformista no próximo período.

Quais são as perspectivas?

Macron não tem pressa em nomear um primeiro-ministro. Ele está usando as Olimpíadas para ganhar tempo. E já anunciou que “ninguém ganhou as eleições”, ignorando a vitória – embora sem maioria parlamentar – da Nova Frente Popular.

Apesar dos protestos de Mélenchon, Macron aposta na formação de um bloco entre os seus deputados e o PS, isolando o França Insubmissa e a extrema direita do RN. Isto permitir-lhe-ia continuar a aplicar um programa neoliberal, alheio à sua derrota.

Mais uma vez, se apoia nos limites bonapartistas da Quinta República. Como é o presidente quem nomeia o primeiro-ministro, ele pode manter o atual, Gabriel Attal, do seu partido. Macron aceitou a sua renúncia, mas manteve-o até descobrir uma solução aceitável para a sua política, ou até que uma moção de censura parlamentar o derrubasse. Mesmo nesse caso, ele teria novamente o direito de nomear o primeiro-ministro.

Macron pode assim forçar um acordo parlamentar que beneficie a sua estratégia. Poderia tentar um “gabinete técnico”, de acordo com uma ala do PS ou Place Publique (de Glucksmann), ou outras variantes. Qualquer variante de governo que mantenha este tipo de programa neoliberal só acabará fortalecendo a extrema direita no futuro. Dado que as eleições presidenciais só ocorrerão em 2027, a crise da Quinta República provavelmente terá muitos mais episódios.

Mas como reagirá o movimento de massas à aplicação continuada do repudiado programa de Macron? Se o resultado eleitoral indicou alguma coisa é que o governo está muito desgastado. Pode haver novas convulsões.

Não há possibilidade de superar a crise da Quinta República e, de fato, nem mesmo de impor um programa de governo através de negociações no parlamento. As negociações para a composição do futuro governo servirão mesmo para deixar de lado as reivindicações sociais do programa NFP, como a revogação da reforma previdenciária ou o aumento salarial.

Devemos lutar pela combinação entre a mobilização direta das massas, a sua auto-organização e a luta pela independência de classe.

É fundamental articular a mobilização operária e da juventude em defesa da revogação da reforma previdenciária e do aumento salarial como reivindicações imediatas. Comprometer-se com a organização da oposição combativa nos sindicatos e a auto-organização nas bases, trabalhando para superar as direções sindicais da CGT e da CFDT, que já mostram a sua submissão aos interesses da burguesia.

A luta pela unidade dos trabalhadores e das trabalhadoras com a juventude e os setores populares contra a burguesia é a melhor forma de enfrentar a extrema direita, que procura colocar uma parte dos trabalhadores contra a outra e uni-los com a grande burguesia. Não é por acaso que, nas grandes lutas do proletariado contra as reformas previdenciárias, a extrema direita recuou.

Esta auto-organização dos trabalhadores deve incluir a sua autodefesa contra possíveis ataques da extrema direita e da selvageria policial.

A chave para a atual crise política reside no avanço dos trabalhadores na construção de uma nova direção revolucionária para enfrentar as políticas reacionárias tanto de Macron como de Le Pen. Isto exige romper com esses partidos, mas também com os partidos burgueses que compõem o NFP, como o PS, o Partido Verde e Place Publique.

Isto envolve discutir pacientemente com os trabalhadores e os jovens que votaram no NFP, e com os ativistas que confiam na direção reformista dos partidos operários que constituem essa frente, como o França Insubmissa. Temos que ser firmes e aprender com a história: todas as alternativas de colaboração de classes prepararam e preparam novas derrotas. Por isso é urgente que rompam com os setores do bloco da NFP e juntem-se ativamente aos esforços para construir uma verdadeira alternativa de classe.

O França Insubmissa surge como o sector mais combativo da Nova Frente Popular. O seu programa puramente reformista, a sua opção de não expropriar a burguesia, só pode levar o LFI, como o Syriza na Grécia ou o Podemos em Espanha, a novos becos sem saída desastrosos para os trabalhadores.

A luta pela independência de classe, contra todos os blocos burgueses, envolve educar pacientemente a vanguarda de que a frente popular não é o “mal menor”, ​​porque na realidade mantém a exploração burguesa e também acaba abrindo espaço para o “mal maior”. Nesse sentido, a fundamentação política para as táticas eleitorais apresentada num texto anterior estava equivocada. Ou o proletariado abre um caminho independente das diferentes opções burguesas, ou estará preparando uma nova derrota.

Secretariado Internacional

30 de julho de 2024