A falcatrua Master que revela o país dos banqueiros
Prisão de banqueiro que fugia de jatinho mostra como banqueiros e políticos são a verdadeira organização criminosa, e as principais vítimas os trabalhadores
A prisão de Daniel Vorcaro e a liquidação do Banco Master seria mais um caso de fraude bancária não fosse por dois fatores. Um é o tamanho do rombo: R$ 41 bilhões, o maior da história do país. Dois, as relações políticas que sustentaram um esquema criminoso que por anos contou com a cumplicidade de instituições como o Banco Central.
O Master era chamado nos corredores de “banco do centrão”, cujos padrinhos eram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do União Brasil, Antonio Rueda. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) atuou ativamente em prol do banco no Congresso Nacional, conseguindo aplastar uma tentativa de CPI, entre outras medidas.
O banqueiro contou ainda com a “assessoria” de Guido Mantega, do PT, além de pagar eventos para o Supremo Tribunal Federal (STF) e contratar gente como o ex-ministro do tribunal e atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o escritório jurídico da esposa de Alexandre de Moraes. Até mesmo o ex-presidente Michel Temer foi convocado para livrar o banqueiro quando a vaca já estava praticamente no brejo.
Entendendo a mutreta
Sob direção de Daniel Vorcaro, o banco Master cresceu dez vezes, e sua carteira de crédito se multiplicou por cinco nos últimos quatro anos. O que acontece, porém, é que grande parte dessas carteiras simplesmente não existia e só servia para dar lastro a emissões de CDB que pagavam muito acima do valor de mercado (leia mais abaixo).
O Banco Master emitiu nada menos que R$ 50 bilhões em CDB. Na prática, funcionava como um esquema de pirâmide: para pagar o rendimento oferecido, era preciso que cada vez mais dinheiro entrasse. Ou que parecesse que havia dinheiro entrando. Para amparar o esquema, o banqueiro chegou a fundar uma empresa de fachada, a Tirreno, para simular a compra de títulos de crédito. Era tão descarado que o dono da empresa era um funcionário do próprio Banco Master. Vorcaro pegou esses créditos de mentirinha e vendeu R$ 12 bilhões de títulos ao Banco de Brasília (BRB), um banco estatal comandado pelo governo do Distrito Federal.
Ao mesmo tempo, o banqueiro tentava vender o próprio Banco Master ao BRB. Isso num momento em que já era evidente que o navio já estava afundando e Vorcaro já sonhava com a Polícia Federal batendo à porta. Fosse pelo governo Ibaneis, o Distrito Federal já teria assumido o rombo do Master e ainda o manteria no comando da instituição.
Foram quase cinco anos de uma fraude descarada, sob o nariz do então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e com o conhecimento de todos os outros bancos. A situação só foi “resolvida” porque a ganância de Vorcaro começou a colocar todo o sistema financeiro em risco.

PF encontra R$ 1,6 milhão em espécie na casa de um dos diretores do Banco Master Foto Polícia Federal
Entenda
Mecanismo da fraude
Os Certificados de Depósitos Bancários (CDB) são títulos de renda fixa, considerados um investimento seguro. Na prática, vêm substituindo a poupança, que hoje paga menos que a inflação. Parte desses títulos são assegurados pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), mantido por vários bancos.
Essa fraude prejudica a população. O dinheiro que os bancos colocam no FGC é o mesmo que pegam de seus clientes (para emprestar a juros exorbitantes), ou seja, eles vão cobrir o rombo com parte do que deveriam devolver ao público. É assim no capitalismo: os lucros são apropriados por meia dúzia, e o prejuízo socializado por milhões.
Banqueiro comete crime, mas quem paga são os trabalhadores
Não foi só o povo do DF que saiu prejudicado nessa história. Para manter a vida de luxo e ostentação, Daniel Vorcaro pegou o dinheiro de 18 fundos de previdência de estados e municípios. Só a Rioprevidência, que paga aposentadoria e pensões a 235 mil servidores inativos do Rio de Janeiro, aportou R$ 2,6 bilhões neste mico entre 2024 e 2025. Outro fundo que sustentou o esquema do banqueiro é a Amprev, dos servidores do Amapá, dirigido por um apadrinhado de Alcolumbre, que despejou R$ 400 milhões no banco.
Em geral, os fundos de previdência dos servidores são deficitários, pois, em vez de garantir a subsistência dos trabalhadores dos serviços públicos após décadas de serviço, vão irrigar esse tipo de falcatrua. E para sanar isso, em vez de pegar de volta o dinheiro roubado, os governos respondem com novas reformas da Previdência, assaltando de novo os trabalhadores.
País de todos ou dos banqueiros?
O escândalo do Banco Master é mais um sintoma do grau de decadência e retrocesso do país. No marco de um processo de subordinação cada vez maior ao imperialismo e de desindustrialização, os bancos parasitam o país, roubando as riquezas produzidas pelos trabalhadores. Seja por meios “legais”, como as obscenas taxas de juros que remuneram grandes fundos estrangeiros de investimento via mecanismo da dívida pública (que consumiu 42,39% das despesas da União em 2024), seja por meio de fraude descarada e criminosa.
Enquanto o roubo legalizado se dá por meio da política econômica do governo, garantido pelo arcabouço fiscal, a fraude não é fruto de um gatuno isolado, mas praticada pelo mesmo BC que deixa os juros na estratosfera para enriquecer banqueiros, o próprio sistema financeiro e os políticos no Congresso Nacional.
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