A farsa do ”sepultamento digno”: Lucas Pavanato e Zoe Martins querem dificultar ainda mais o aborto legal em São Paulo

Secretaria de Mulheres do PSTU — São Paulo
Em mais um capítulo da ofensiva contra os direitos reprodutivos das mulheres, os vereadores da cidade de São Paulo — Lucas Pavanato e Zoé Martins, ambos do PL — apresentaram projetos de lei que pretendem obrigar o “sepultamento digno” de nascituros e natimortos no município de São Paulo. O objetivo é estabelecer a obrigatoriedade de registro e sepultamento de fetos em qualquer fase gestacional, ignorando as situações de aborto espontâneo e legal.
Esse projetos não são sobre “respeito aos mortos”, mas sim sobre fortalecer a narrativa antiaborto, seguindo a mesma linha de projetos como o que exige boletim de ocorrência para vítimas de estupro que buscam aborto legal. Enquanto isso, mulheres pobres e negras continuam morrendo por falta de assistência no parto, sem que esses mesmos vereadores proponham políticas reais de saúde pública.
O que diz a lei hoje?
Alinhados à agenda reacionária que avança no Brasil e sob o disfarce de suposta “defesa da vida” e da “dignidade humana”, os projetos de Pavanato e Zoe Martins não passam de uma estratégia perversa para dificultar ainda mais o acesso ao aborto legal, criminalizar mulheres e impor uma visão religiosa e moralista sobre nossos corpos.
Atualmente, a legislação brasileira já estabelece que fetos natimortos (acima da 20ª semana de gestação ou com peso superior a 500g) devem ser registrados e têm direito a sepultamento. No entanto, em casos de aborto espontâneo ou legal não há obrigatoriedade de sepultamento.
A proposta de Pavanato e Zoé Martins, portanto, visa apenas cria obstáculos para mulheres que já enfrentam situações extremamente dolorosas e para hospitais e profissionais que realizam aborto legal, expondo pacientes a constrangimentos.
O ataque ao aborto legal
Tais projetos fazem parte de uma campanha nacional coordenada por grupos conservadores e fundamentalistas para restringir ainda mais os direitos reprodutivos das mulheres e pôr fim ao aborto legal, seja fechando serviços, como o do Hospital Cachoeirinha; perseguindo profissionais de saúde que aí atuam; submetendo mulheres e pessoas que gestam que buscam o aborto legal a situações degradantes, como ouvir os batimentos cardíacos do feto antes do procedimento; e até mesmo quebrando o sigilo do prontuário médico de usuárias desses serviços.
O próprio vereador Pavanato, propôs um projeto de lei exigindo boletim de ocorrência para casos de estupro, ignorando que muitas vítimas não denunciam o agressor por medo ou trauma. Vale destacar que em 2024, a cada 36 horas, uma menina de até 13 anos de idade deu à luz na cidade de São Paulo, todas elas, vítimas de estupro. Onde estava a preocupação desses vereadores quando a dignidade dessas meninas foi violada?
Mortalidade materna e mortalidade infantil
Todos os dias, mulheres pobres – sobretudo negras e periféricas – perdem suas vidas ou seus filhos, vítimas da falta de assistência pré-natal adequada e da violência obstétrica. Segundo o Mapa da Desigualdade 2024, enquanto distritos ricos como Moema, Pinheiros e Itaim Bibi, não registraram nenhuma morte materna em 2023, outros, como Perus, Parelheiros e Socorro, todos na periferia da cidade, tiveram mais de 100 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos, número acima da meta da OMS que é de 70 para cada 100.000 e muito acima da média de São Paulo, que é de 43,5 /100.000.
Estudos indicam que até 90% das mortes maternas poderiam ser evitadas por meio de intervenções eficazes, mas a redução da mortalidade materna precisa de investimento: desde oferecer um pré-natal eficiente, até a acesso a serviços de saúde de qualidade, planejamento familiar adequado e capacitação médica.
O índice de mortalidade infantil também reflete as condições de saúde e infraestrutura da cidade. Em 2023, o município de São Paulo registrou 1.410 óbitos de bebês com menos de um ano, ou seja, uma taxa de mortalidade infantil dentro da meta brasileira que é de 10 óbitos a cada 1.000 nascidos vivos. Porém, quando olhamos para os dados isolados, em 50 dos 96 distritos da cidade morrem muito mais bebês do que se poderia esperar. Guaianases é o campeão da mortalidade infantil, com uma taxa de 28 óbitos para cada 1.000 nascidos vivos. Mas aparentemente, esses temas não interessam aos vereadores Pavanato e Zoe Martins.
A hipocrisia do “sepultamento digno
Enquanto propostas de “sepultamento digno” para natimortos e nascituros tramitam na Câmara, falta assistência digna às famílias pobres e enlutadas que não tem dinheiro para enterrar seus entes queridos, já que um esquema perverso de preços abusivos em cemitérios privatizados e funerárias de São Paulo transformou o luto em um verdadeiro pesadelo financeiro.
Com a concessão de serviços funerários à iniciativa privada, o que era um direito básico virou um luxo inacessível para quem não pode pagar fortunas por um pedaço de terra e um caixão. Investigação recente do Ministério Público e da Defensoria Pública de SP revelou que funerárias estão cobrando até 300% a mais em serviços como traslado do corpo, caixão e sepultamento.
Em cemitérios privatizados, como o Vila Formosa, o maior da América Latina, agora gerido por uma concessionária privada, os valores são estratosféricos. Para piorar, muitas famílias são pressionadas a contratar planos funerários caríssimos em momentos de extrema fragilidade, sem transparência nos custos. Ou seja, enquanto os ricos podem comprar jazigos perpétuos, famílias pobres são obrigadas a optar por covas temporárias, onde os corpos ficam por apenas três anos e depois, são exumados e jogados em valas comuns.
Diante disso, cabe a pergunta: quem vai pagar pelo “enterro digno” de fetos produto de aborto espontâneo ou legal?
Enquanto os autores dessas leis fingem se preocupar com fetos, ignoram completamente as famílias que choram seus mortos sem apoio do Estado.
A realidade das mulheres: dor e abandono
Pavanato e Zoé Martins propõem “humanidade” para fetos, mas mulheres reais estão sendo tratadas de forma cruel e desumana quando, por exemplo, vítima de estupro são interrogada como criminosas e humilhada ao buscar um aborto legal; quando uma mãe perde o filho para a violência policial e não recebe nenhum suporte do Estado; ou ainda quando uma trabalhadora pobre não tem como pagar um funeral descente para seu ente querido, enquanto políticos demagogos lucram com a privatização da morte. Não há “dignidade” em propostas que só servem para humilhar ainda mais mulheres em situação de vulnerabilidade.
Esses projetos não são sobre compaixão – são sobre controle e punição. São parte de um projeto autoritário que quer transformar o útero das mulheres em território estatal e religioso. Não cairemos nessa farsa. Seguiremos denunciando toda e qualquer medida que atente contra nossos direitos e exigindo políticas públicas que de fato protejam as mulheres. Chega de usar a dor das famílias para promover uma agenda reacionária. Defendemos:
— Ampliação do acesso ao aborto legal, sem barreiras morais ou burocráticas! Aborto legal, seguro e gratuito, sem restrições!
— Fim da violência obstétrica e do racismo institucional na saúde pública! Assistência digna a mães que perdem seus filhos, com suporte psicológico e financeiro!
— Investimento em saúde da mulher, não em projetos que só servem para alimentar o moralismo hipócrita de quem nunca se importou com a vida das mulheres de verdade!
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