Internacional

A liberdade de expressão não pode estar nas mãos de bilionários das “Big Techs” ou do STF

Júlio Anselmo and Diego Cruz

17 de abril de 2024
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No início de abril, o bilionário Elon Musk, dono do “X” (ex-Twitter), começou a disparar, na própria rede, uma série de acusações de “censura” contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ameaçando reativar as contas bloqueadas na Justiça, durante o inquérito das “fake news”.

Uma bravata com o objetivo de difundir a tese de que há, hoje, uma “ditadura judicial” no Brasil, com a generalização da censura a opositores, fundamentalmente figuras da extrema direita ligadas ao bolsonarismo.

As especulações sobre o que estaria por trás desses ataques vão das eleições norte-americanas às recém-descobertas reservas de lítio em áreas exploradas pela Vale. O recurso é crucial para a produção e viabilização de seu conglomerado de empresas, como a Space X, a Starlink e, principalmente, a Tesla, sua fabricante de carros elétricos.

Fato é que o “apito de cachorro” disparado por Musk foi o suficiente para atiçar a ultradireita e desatar uma enorme polêmica nas redes, que ganhou expressão internacional.

De um lado, as figuras da extrema direita bradando por “liberdade de expressão”. De outro, o governo Lula e o STF denunciando o ataque à soberania nacional. E, neste cenário, grande parte da esquerda elegendo Moraes como grande herói, contra o domínio das “Big Techs” e a campanha golpista.

Hipocrisias por todos os lados

Musk está longe de ser o paladino da democracia e da liberdade de expressão. Nunca denunciou a ditadura chinesa, país onde mantém uma fábrica da Tesla. Também não “denuncia” a brutal ditadura da Arábia Saudita, que tem o péssimo hábito de esquartejar jornalistas opositores. Isso porque, na compra do Twitter, Musk recebeu US$ 1,8 bilhão (cerca de R$ 9,5 bilhões) de um príncipe saudita que, hoje, é o segundo maior investidor da rede.

Ou seja, seu conceito de liberdade de expressão está, assim, intimamente relacionado com seu bolso.

Além disso, à frente do “X”, Musk derruba e restringe, por exemplo, perfis de apoio à Palestina e contra o massacre perpetrado por Israel. Também promove conteúdos da ultradireita e, agora, se investe como o representante de uma extrema direita bolsonarista, cujo objetivo era justamente o de impor um golpe de Estado e uma ditadura, cuja consequência seria o fim de qualquer liberdade, não só de expressão, como também de organização ou mobilização.

Já tivemos, aqui no Brasil, uma pequena amostra disso no governo Bolsonaro que, em pleno regime “democrático”, perseguiu servidores, censurou dados de vítimas da Covid, processou jornalistas e atacou diariamente a imprensa.

Por outro lado, o discurso do governo Lula, em defesa da soberania, também soa como profundamente hipócrita, principalmente num momento em que se articula a venda da Avibras à Austrália, desnacionalizando uma das únicas empresas de tecnologia e indústria bélica do país. Sem falar no saque realizado por investidores estrangeiros na Petrobras, a entrega do país via Parceiras Público-Privadas (PPPs), ou a transferência de renda a banqueiros internacionais, via pagamento da dívida.

Nenhuma confiança no Congresso e no STF

Alexandre de Moraes: nosso “vilão favorito”?

Ministro do STF, Alexandre de Moraes Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Não defendemos liberdade de expressão irrestrita à ultradireita golpista e ao bolsonarismo. Isso por uma razão bem simples: caso conquistem o que buscam, não teremos liberdade alguma, nem de expressão nem de organização ou mobilização.

Seria como apontar uma arma contra si próprio. Mesmo que tenha quem defenda o contrário, valendo lembra, por exemplo, que, recentemente, o jornalista Glenn Greenwald, que não coincidentemente parece se aproximar cada vez mais do trumpismo, reforçou o coro de Musk e da ultradireita em nome da “liberdade irrestrita de expressão”.

Não estamos numa “ditadura”, como apregoam os bolsonaristas. Esse é justamente o projeto da ultradireita. Vivemos, sim, num regime dito “democrático”, mas que só serve e funciona para os ricos, principalmente aos bilionários, dentre eles os donos das “Big Techs”.

Precisamos de direitos básicos para lutar pela verdadeira liberdade

Um regime que, mesmo com restrições, conta com certas liberdades democráticas, conquistadas à custa de muita luta. E, mesmo não nos comprometendo com esse regime, aliás, lutando contra ele, é necessário defender essas liberdades.

Um erro nada inocente, mas muito comum, principalmente na imprensa, é igualar a extrema direita aos socialistas. São, por princípio, antagônicos.

Se ambos se contrapõem ao atual regime democrático burguês, a ultradireita o faz para impor uma ditadura e o fim de todas as liberdades democráticas. Já os socialistas revolucionários lutam para derrubar esse regime dos ricos, mas para conquistar mais liberdades democráticas, e um outro sistema, mais justo e igualitário, no qual os trabalhadores e o povo pobre decidam os rumos do país, e não um punhado de bilionários, como é agora, ou meia dúzia de ditadores a serviço desses mesmos bilionários, como desejam os bolsonaristas.

“Democrático”, mas nem tanto

Já Alexandre de Moraes (assim como o STF e todo conjunto da Justiça burguesa) não é digno de qualquer confiança por parte da classe trabalhadora. A mão pesada que hoje se abate contra setores da ultradireita pode, amanhã, se voltar contra os trabalhadores e suas organizações. Como foi, por exemplo, o banimento das contas do PCO, por mais esdrúxulas que sejam as posições desta organização.

Moraes, o STF e todas as instituições desse regime são representantes da burguesia. Vale lembrar que ele foi um dos que, recentemente, rejeitaram o vínculo empregatício dos trabalhadores da Uber, garantindo o lucro dessa empresa, que faz parte das “Big Techs”, à custa da precarização do trabalho.

E esse setor da própria burguesia, pretensamente democrática, que Moraes e o STF expressam também não é tão contraditório, assim, à ultradireita. E, portanto, não é capaz de enfrentá-la de forma consequente. Vamos lembrar do apoio praticamente unânime ao genocídio sionista em Gaza. Ou do apoio às chacinas e barbárie policial e racista perpetrada país afora, como na Baixada Santista pelo governo “bolsonarista moderado” de Tarcísio Freitas (Republicanos).

Não podemos, assim, deixar nas mãos das “Big Techs” ou do STF, nem do Congresso Nacional, através da “PL das Fake News”, o que pode ser ou não pode ser dito.

Para garantir liberdade de expressão

Tirar as “Big Techs” do controle dos bilionários

Elon Musk é a face mais caricata de um problema mais sério que seus tweets: o poder avassalador das “Big Techs”.

Com o domínio de algoritmos que direcionam conteúdo baseado em informações e hábitos pessoais, estas empresas mantêm um poder talvez sem precedentes dentro de uma indústria, na História do capitalismo. Não coincidentemente, os avanços nesses algoritmos beneficiaram principalmente o crescimento da extrema direita mundo afora.

Lucram com “discursos de ódio”, um eufemismo para o racismo declarado, o machismo, a LGBTIfobia e xenofobia, porque isso gera engajamento; logo, mais publicidade e mais lucros. No caso do machismo, por exemplo, vale lembrar a proliferação das postagens “redpill”, uma criação da ultradireita que, fazendo menção à “pílula vermelha” do filme Matrix (1999), seria capaz de revelar a “verdade”. No caso, o “direito” dos homens em exercerem uma “masculinidade dominante”.

Outra fonte de lucro das “Big Techs” é a venda de informações, a começar pelos nossos hábitos de navegação na rede indo até mesmo aos caminhos que percorremos pela rua. A Meta, por exemplo, dona do Facebook, do Instagram e do Whatsapp, coleciona processos de violação de privacidade de usuários (um deles, nos EUA, se refere ao rastreamento de pessoas, mesmo quando estavam desconectadas). Ou de vendas de informações privadas a terceiros.

Expropriar as “Big Techs”

Então, qual a solução para a questão das “Big Techs”? É impossível enfrentar essas empresas sem bater de frente com os monopólios da Internet. É preciso enfrentar os bilionários, como Musk, Zuckerberg ou Bezos, arrancando esse enorme poder que eles, hoje, concentram. A resistência de Elon Musk não é pela liberdade de expressão, até porque a própria existência do X e a forma como ele funciona como negócio, já são restrições à liberdade de expressão.

Só tirando esse controle de suas mãos, transformando a rede numa verdadeira tribuna pública de debates, transparente, de código aberto, e controlada pelos trabalhadores, é que se poderia falar numa real liberdade de expressão.  E isso passa pela expropriação e estatização das “Big Techs”, com controle popular, abrindo seus códigos e expondo publicamente os segredos dos algoritmos. Sem violação de privacidade e comercialização de dados.

Controle operário para libertar as redes e a Internet

A Internet e as redes sociais não devem ser, por si só, demonizadas. Como tudo no capitalismo, o problema, ou o “X” da questão, é a manipulação e o redirecionamento do desenvolvimento tecnológico para o aumento dos lucros e do poder de um punhado de bilionários.

Mas, assim como ocorre em qualquer setor da economia, como a indústria farmacêutica ou a automatização nas fábricas, esse desenvolvimento tecnológico, que é uma conquista da humanidade, poderia ser utilizado em benefício da maioria da população, tornando-se ambientes saudáveis e realmente democráticos. E não algo destrutivo, instrumentalizado pela ultradireita e disseminador de uma série de doenças mentais, como a ansiedade.

Mas, para isso, é preciso não só enfrentar os bilionários, mas destruir o capitalismo e construir um outro sistema.