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“A minha luta é pra que amanhã outras mães não estejam aqui contando histórias assim”

 Entrevista com Vanessa Marconato de Limeira (SP), cujo filho de 24 anos foi assassinado pela Polícia Militar no interior de São Paulo

Israel Luz

9 de abril de 2025
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Vanessa Marconato com o filho Vinicius Foto @eterno.marconato

Israel Luz e Everton André, de São Paulo (SP)

No mês de março, o Opinião entrevistou Vanessa Cristina Marconato, mãe de Vinícius Marconato de Souza. O jovem de 24 anos foi morto pela Polícia Militar em Limeira, na região de Campinas, interior de São Paulo. Convidamos você a entender o que se passou e apoiar a luta por justiça.

Um jovem cheio de sonhos que foram interrompidos

Vinícius foi morto há pouco mais de um ano. Como nos conta sua mãe, ele era um “menino cheio de vida, trabalhador registrado, nunca teve passagem pela polícia. Um neto e tio adorado. Solidário com os amigos. Gostava de sair, de jogar bola”.

Na madrugada de 16 de março de 2024, saiu para beber com amigos após o trabalho. Em dado momento se afastou do grupo e foi até um carro falar com uma pessoa não identificada até hoje. O jovem saiu com esse desconhecido e não foi mais visto nas horas posteriores. Como se soube depois, o veículo no qual o jovem embarcou tinha sido roubado pouco antes. Pela manhã, a família tomou conhecimento do trágico fato.

A notícia chegou para nossa família [por meio] de um jornal local, que fez uma postagem no Facebook e a matéria dizia: ladrão rouba, troca tiro com a polícia e morre. Foi assim que a gente descobriu”, conta Vanessa. A reportagem trazia uma foto do seu filho.

Segundo a versão oficial reproduzida acriticamente pela mídia local, após intensa perseguição Vinícius teria atirado nos policiais, que agiram em legítima defesa. Vanessa contesta desde o início essa história.

“Como, numa troca de tiro, alguém chega tão perto para atirar na têmpora”?

Eu acho inadmissível uma mãe não poder viver o seu luto e ter que fazer papel de investigadora. Porque a polícia, além de nos tirar os nossos entes queridos, ainda pintam ele como bandido”, diz Vanessa. De fato, as informações que ela tem levantado sugerem uma realidade bem diferente da apresentada pela PM.

“Solicitei próximo à região câmeras pra ver onde meu filho estava. À 1h09 da manhã ele estava mais ou menos a 8,2 quilômetros [do local do roubo do carro]. Não havia possibilidade de em menos de um minuto ele fazer toda esse trajeto”, analisa. Testemunhas que estavam com o rapaz confirmam sua localização.

Além disso, o proprietário do carro recuou do reconhecimento inicial no qual confirmava a versão da polícia. De fato, há imagens do momento do assalto em que o homem que aparece tem uma estatura superior à de Vinícius e não usava barba ou bigode, ao contrário do filho de Vanessa.

Outra questão fundamental levantada pela mãe é o resultado negativo do laudo residuográfico, demonstrando que não foi encontrada pólvora nas mãos de seu filho, ao contrário do esperado quando alguém usa uma arma de fogo.

O exame necroscópico, que determina a causa da morte, também contraria a versão oficial. O jovem tomou tiros na região abdominal, tórax e cabeça. “As mãos do Vinícius, nas fotos, estão próximas à cabeça e no laudo assinado pelo legista consta que o tiro na têmpora direita foi à curta distância, num espaço de menos de 60 centímetros”, explica a ativista.

O ângulo do tiro também levanta questionamentos. “Esse tiro que meu filho tomou na têmpora, isso daí me chamou muito a atenção porque não seria possível num ângulo de 60 graus”. O projétil atravessou a cabeça, saindo no pescoço. “Então, mesmo se ele estivesse de pé, não daria o ângulo. Por isso mesmo eu reforço essa tese: foi uma execução”, conclui.

2024: o ano em que a PM mais matou em Limeira

Segundo dados disponíveis no site da Secretaria de Segurança de São Paulo, há um aumento vertiginoso na letalidade policial no município. Se em 2014 foram registradas apenas 02 Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP), em 2024 contam-se 09 vítimas da PM. O ano passado, inclusive, foi o mais letal da série histórica iniciada em 2013.

O quadro local não é exceção. Em 2024, ano em que Vanessa perdeu seu filho, houve a maior alta anual na letalidade policial dos últimos 10 anos no estado. Vale lembrar que, embora a capital se destaque na letalidade policial com 41,9% das ocorrências, o interior vem logo em seguida com 33,7% das MDIP entre 2013 e 2023, de acordo com relatório do CAAF-Unifesp.

Diante dessas informações, não é possível ver o assassinato de Vinícius como um caso isolado. Trata-se do resultado lógico da orientação voltada ao confronto, receita requentada e reproduzida em todo o país há décadas.

Essa guerra não atinge toda a população do mesmo modo. “Se fosse meu filho que tivesse matado um policial militar, ele já estaria preso ou morto. A diferença é que é meu filho, não o filho do governador, do secretário e de um policial”, resume Vanessa.

Intimidação e resistência

Após começar a luta por justiça, Vanessa e a família vêm se sentindo perseguidos pela PM. “Fizemos uma manifestação pacífica em abril [do ano passado], pedindo justiça. A partir daí a minha casa é alvo de intimidações por parte da Polícia Militar… passam em frente, freiam o carro. Nunca nos abordaram, mas a gente mora num bairro que [normalmente] não tem ronda”.

Os efeitos dessa situação atingem seu neto de apenas 7 anos. “Esses dias nós estávamos conversando que geralmente tem as palestras nas escolas que os policiais militares vão dar. O meu neto não quer participar porque não confia, tem medo. A sensação dele é que a polícia está perseguindo ele”, revela.

Diante de tudo isso reflete: “enquanto as pessoas não acordarem, não derem a cara pra bater que nem eu tô dando e pararem de ter medo, vai continuar da mesma forma. Então as pessoas precisam acordar pra que amanhã eles não sejam as vítimas”.

Justiça para Vinícius Marconato!

A gente não precisa provar pra sociedade quem era ele. A gente sabe quem ele era. Mas é uma questão de justiça”, defende Vanessa.

É fundamental amplificar a voz dessa mãe, pois sem muita pressão popular é bem mais difícil que os agentes sejam responsabilizados. Para reforçar este ponto, vale dizer que os policiais envolvidos no assassinato foram transferidos para outro município e seu depoimento marcado para março foi adiado.

Ela criou o perfil no Instagram @eterno.marconato para dar visibilidade à causa. Convidamos nossas leitoras e leitores a seguirem a página e ajudarem no compartilhamento dessa história no seu sindicato, movimento social, vizinhança e família. Essa é uma luta de toda a classe trabalhadora.

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