A omissão do governo Lula diante da crise na Avibras

A Avibras, principal empresa do setor de Defesa do Brasil, vive sua mais grave crise, que atingiu em cheio os trabalhadores, que desde 2022 lutam para manter seus empregos, seus salários e pela retomada das operações da fábrica, localizada em Jacareí (SP).
Da linha de produção e dos setores de desenvolvimento e engenharia da Avibras, durante décadas saíram mísseis, lançadores de foguetes, veículos blindados, bombas inteligentes, sistemas de comunicação por satélite e Veículos Aéreos Não Tripulados (Vants).
É da Avibras o sistema Astros 2020, viaturas lança-mísseis capazes de atingir alvos de até 300 km e um dos principais programas estratégicos do setor de Defesa do Brasil. Segundo informe divulgado em 2023 pelo próprio Ministério da Defesa, o sistema fomentaria a geração de mais de sete mil empregos diretos e indiretos.
Apesar de sua reconhecida importância para a soberania nacional, a Avibras atravessa a mais severa crise de sua história. Em 2022, entrou com pedido de recuperação judicial e parou de pagar os salários dos 1.400 trabalhadores da fábrica. Essa foi a origem da greve iniciada em 9 de setembro de 2022 e que ainda hoje está em andamento. Já são mais de mil dias de mobilização.
Daquele quadro de profissionais, restam pouco mais de 900. Todos estão há 26 meses sem salário, sem FGTS e sem convênio médico. Aqueles que saíram não receberam as verbas rescisórias.
É preciso investimento do Estado
Mas esta não é a primeira crise enfrentada pela Avibras. Em 1988, começaram seus primeiros problemas, sem uma política de investimentos do Estado brasileiro. Em 1990, a empresa pediu concordata e demitiu mais de 900 trabalhadores. Em 2008, entrou em recuperação judicial. Em 2011, demitiu 170 trabalhadores.
Essa constante turbulência confirma que a indústria bélica, assim como acontece em outros países, depende do aporte do governo federal. Na crise iniciada em 2011, por exemplo, o aporte veio com a liberação inicial de R$ 1,056 bilhão para a compra do Astros 2020 pelo Exército brasileiro.
Apesar da necessidade urgente em investir agora na brasileira Avibras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mantém omisso, enquanto investe na compra de armamentos e equipamentos de empresas estrangeiras.
Em 2024, um grupo israelense venceu a licitação internacional para o fornecimento de 36 veículos blindados de combate obuseiros, no valor aproximado de R$ 1 bilhão. Por enquanto, a compra foi suspensa, mas não cancelada. Se fosse investido na Avibras, esse valor tornaria possível a regularização dos salários, pagamento de outros credores e a retomada da fábrica.
No mesmo ano, o Exército brasileiro anunciou a compra de uma centena de mísseis norte-americanos FGM-148 Javelin, fabricados pela Raytheon e Lockheed Martin.
Antes do agravamento da atual crise, 90% da produção da fábrica era destinada a outros países, em especial do Oriente Médio. Resultado: sem um plano estratégico nacional, a empresa fica vulnerável diante de qualquer instabilidade no mercado internacional. Em um cenário de guerras e conflitos armados no mundo, é preciso colocar na ordem do dia a defesa do nosso país.
No início deste ano, o governo federal anunciou que o programa Nova Indústria Brasil (NIB), criado para estimular setores estratégicos por meio de compras públicas, tem R$ 112,9 bilhões para investir em tecnologias de Defesa e soberania nacional. Em nenhum momento, a Avibras foi citada por Lula como possível beneficiada.
Governos omissos
O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região vem pressionando o governo federal, desde a gestão de Jair Bolsonaro (PL), e até agora nenhuma medida concreta foi tomada pelos governantes. Ao contrário. Recentemente, a União criou dificuldades para a homologação de um plano alternativo à recuperação judicial.
O pedido feito na Justiça exige que a Avibras apresente certidões negativas de débitos fiscais como condição para a homologação, sob pena de suspensão do processo de recuperação judicial, com a imediata retomada de eventuais pedidos de falência.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também agiu para atrapalhar a retomada da fábrica, ao entrar com pedido de busca e apreensão de maquinários. O banco e a União são credores da empresa.
Essa postura confirma que o governo Lula não representa os trabalhadores. Os empresários estão no topo das prioridades do presidente. No ano passado, o governo destinou R$ 400 bilhões em financiamentos para empresários do agronegócio, além de outros subsídios dados a empresas multinacionais. Já os mais pobres têm de enfrentar cortes no orçamento e arcabouço fiscal.
O Sindicato está pedindo agendamento de reunião com o presidente Lula desde os primeiros dias de seu mandato, mas o silêncio continua. Nesses três anos, empresas estrangeiras chegaram a negociar a compra da Avibras, mas sem que as transações fossem concluídas. Hoje, a Brasil Crédito Gestão Fundos de Investimentos está a poucos passos de concluir a aquisição, dependendo apenas da homologação do plano alternativo. Seria o caminho para que a Avibras saísse do comando do atual proprietário e responsável pela crise, João Brasil Carvalho Leite, e a fábrica voltasse a operar.
A saída de João Brasil atenderia a uma das condições impostas pelo governo para voltar a investir na fábrica. Representantes do governo federal afirmaram, em reunião com o Sindicato, que enquanto o atual proprietário estivesse à frente da Avibras, não haveria possibilidade de investimento público, em razão das dívidas da atual empresa com o governo. A afirmação foi feita em encontros do Sindicato com o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho – este, de ultradireita.
Em abril de 2024, estive em evento que teve a participação do presidente Lula na fábrica da Embraer, em São José dos Campos. Na cerimônia, Lula anunciou financiamento com dinheiro público, via BNDES, para as exportações de aeronaves produzidas pela Embraer. Na ocasião, entreguei uma carta, relatando a situação da Avibras e o drama dos trabalhadores, que naquele momento estavam com doze salários atrasados. Numa conversa de um minuto, Lula me disse: “Isso não pode ficar assim, nós vamos resolver”. Mais de um ano se passou e já são 26 salários atrasados. Até agora, nada ficou resolvido.

Sindicato defende a estatização da Avibras | Foto: Roosevelt Cássio/Sindmetal SJC
Lula seguirá calado?
Chegamos a um momento em que o presidente Lula não pode mais ficar escondido nesta situação. O Sindicato exige um pronunciamento público em defesa da homologação do plano alternativo já aprovado pelos credores e construído junto com os trabalhadores. A reivindicação é que o governo pare de comprar armamentos no mercando internacional, faça investimentos na Avibras e assine contratos que levem à regularização dos salários. Isso seria o mínimo, considerando-se que não há planos do governo para estatização.
Será que o presidente vai continuar calado ou vai se pronunciar e sair na foto somente quando as operações da Avibras forem retomadas?
Se a fábrica voltar a funcionar, o Sindicato dos Metalúrgicos será um dos protagonistas desse retorno. O fato é que o governo presidido por um ex-metalúrgico, ex-presidente sindical e fundador do PT, o “Partido dos Trabalhadores”, não vai fazer parte como apoiador desta batalha. A marca desse governo vai ser a omissão.
Historicamente, o Sindicato sempre defendeu a estatização da Avibras e de todas as empresas que são estratégicas para o nosso país. O setor de Defesa só poderá estar a serviço do país quando deixar de ser comandada por grandes corporações privadas, onde o que vale é o lucro.
Mesmo que o plano de retomada seja aprovado e a empresa volte a funcionar, a luta dos metalúrgicos em defesa da Avibras estatal e sob o controle dos trabalhadores vai continuar. O governo não ficará livre das cobranças e exigências do Sindicato.
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