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A relação da esquerda com o imperialismo chinês

As relações que a China estabelece com os países subdesenvolvidos não são de simples ajuda para a prosperidade, mas principalmente de subjugação colonial

PSTU-SP

21 de janeiro de 2024
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Guilherme Boulos, pré-candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, em viagem à China | Foto: Reprodução Redes Sociais

Joana Salay, de São Paulo (SP)

Recentemente vimos nas redes sociais um vídeo do futuro candidato à prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, na sede da Huawei em Xangai apresentando as vantagens da tecnologia da empresa chinesa para a administração de grandes cidades como São Paulo[1].

Podemos criticar a jornada que Boulos tem feito entre Paris e Xangai para conhecer experiências de gestão de grandes cidades de várias maneiras, a começar por apresentar a gestão da cidade de Paris como modelo, quando a cidade é bastante conhecida pelos guetos de imigrantes e pela repressão aos movimentos sindicais e sociais. Contudo, neste artigo queremos desenvolver outro aspecto importante que a viagem de Guilherme Boulos revela, que é as expectativas que setores da esquerda têm revelado com um suposto papel desenvolvimentista da China com os países semicoloniais.

Não foi apenas o candidato do PSOL a expressar simpatia pelas possíveis relações econômicas internacionais com a China. Jones Manoel do PCB-RR em 2021 afirmou que o imperialismo chinês tem um caráter progressivo, de ajuda aos países semicoloniais sem pedir contrapartidas, como faz o imperialismo norte-americano[2]. Também foi publicado no Brasil de Fato, em janeiro de 2024, um artigo que afirma que a aproximação dos países africanos com a China pode fazê-los trilhar um caminho de mais prosperidade em 2024[3].

Mas o que será que pretende a China na expansão das suas relações econômicas internacionais? Permitir prosperidade e desenvolvimento ou então estabelecer relações de subordinação econômica com esses países?

A luta anti-imperialista, tarefa determinante

É um património comum entre a esquerda que a luta anti-imperialista é um princípio. Em vários momentos importantes da luta de classes internacional esse princípio permitiu construir amplas unidades de ação na luta contra o imperialismo hegemônico, como foi a luta contra a guerra do Iraque ou contra a Área de Livre-Comércio das Américas (Alca).

O mundo tem sofrido grandes transformações desde a crise económica de 2008, levando a importantes alterações nos papéis dos países no marco da ordem mundial. Não podemos esquecer que estas mudanças têm consequências políticas, que são chave para a localização da esquerda perante os principais processos que ocorrem no mundo. Assim, vimos na guerra da Ucrânia posições muito díspares no âmbito da esquerda. A Liga Internacional dos Trabalhadores Quarta Internacional (LIT-QI), e mais alguns poucos setores da esquerda, posicionou-se junto do povo ucraniano na luta contra a invasão imperialista russa. No entanto, um amplo setor da esquerda adotou uma linha ambígua ou de aberta capitulação ao imperialismo russo.

Neste sentido, discutir a caracterização da localização dos países na atual divisão internacional do trabalho, considerando que a mesma tem sofrido, e sofrerá ainda mais, importantes alterações, é parte fundamental de adotar uma linha política acertada que hierarquize novamente a luta anti-imperialista.

China, um país imperialista

A caracterização do Estado chinês não é unanime. Ainda há quem caracterize a China como um Estado socialista, subestimando todo o avanço do capital, principalmente norte-americano, no país asiático desde a década de 1970. O papel de ponta que a China cumpre hoje em setores fundamentais da produção capitalista, como a tecnologia 5G, a aposta no carro elétrico e na produção de energias renováveis, mostra que deixa de ser o país capitalista fábrica do mundo para ser um país imperialista.

Retomando o conceito de Lenin, “o capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de estrangulamento financeiro da maioria da população do planeta por um punhado de países avançados”[4]. Essa subjugação dá-se não necessariamente pela má índole dos seus governantes, mas principalmente pela necessidade de o capital monopolista seguir avançando para acumular cada vez mais, esta é, como diz Lenin, uma lei geral e fundamental da presente fase do capitalismo. Por isso, “os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros”[5].

Não faz falta neste texto elencarmos a infinidade de dados que demonstram os avanços do acúmulo e concentração do capital chinês. Tendo isso como certo, pretendemos neste texto demonstrar como as relações que a China estabelece com os países africanos, por exemplo, não são de simples ajuda para a prosperidade, mas principalmente de subjugação colonial, como dizia Lenin.

Uma breve análise sobre as relações entre a China e continente africano

O continente africano tem sido atravessado por uma onda de golpes de estado com uma aparência anticolonial[6]. Recentemente, o Mali retirou o francês como língua oficial e circulou amplamente durante o ano passado o discurso de Ibrahim Traoré, presidente de Burkina Faso, que relembrou Fidel Castro e saudou a aliança estratégica dos países africanos com a Rússia.

A China é parte dessas alianças estratégicas que os líderes de alguns países africanos estabelecem. Como aponta o já citado artigo no site Brasil de Fato, em 2023 a China lançou a Iniciativa de Apoio à Industrialização da África, onde se compromete a aumentar o financiamento para construir infraestrutura, projetar e criar parques industriais. Os contratos que a China estabelece para a construção de infraestrutura, inclui o posterior controle das mesmas. Estamos falando de portos, estradas, parques industriais, estruturas fundamentais para a economia e, consequentemente, a soberania do país.

Diferente do que afirma um setor da esquerda, os financiamentos chineses não veem sem contrapartidas. Hoje o maior credor de Angola é a China, que já é responsável também por 12% da dívida externa do continente africano e atua para o resgate dos países, como faz o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Um estudo internacional intitulado “Como empresta a China, um olhar para 100 contratos de dívida com governos estrangeiros”[7], aponta que os credores chineses buscam ganhar vantagens sobre outros credores com diversos mecanismos, usando acordos de garantia, como contas de receitas controladas pelo credor e promessas de manter a dívida fora de futuras reestruturações. Os créditos incluem também clausulas de cancelamento, aceleração e estabilização que dão aos credores chineses grande influência sobre as políticas internas dos países em dívida.

O estudo concluí que “os credores chineses mostram uma engenhosidade considerável na adaptação e expansão de ferramentas contratuais padrão para maximizar suas perspectivas de reembolso (…) para proteger uma ampla gama de interesses chineses no país mutuário.”

Dito isto, é preciso responder os empréstimos à África são uma ação de ajuda à soberania? Ou servem à política de rapina imperialista da burguesia chinesa? Os elementos apresentados nos fazem concluir que são instrumento da exploração imperialista e que aumentam a subordinação dos países africanos. Por isso, qualquer apoio a estes acordos é uma capitulação a um setor do imperialismo.

Por uma política anti-imperialista consequente

As relações que a China estabelece com o Brasil não têm, na sua essência, pretensões distintas do que das que estabelece com o continente africano. Os acordos que Lula fez com o governo chinês[8] permitem criar melhores condições para as multinacionais chinesas lucrarem em território brasileiro. Sob a justificativa do desenvolvimento econômico, os acordos aprofundam a exploração, opressão e submissão do país aos interesses imperialistas. Não sendo o centro do artigo, importa aqui referir que a lógica desenvolvimentista tem servido para a subjugação colonial, para a aplicação de planos neoliberais e mais destruição ambiental, não sendo uma alternativa para desigualdade que vemos no Brasil.

Sabemos que o que move a China são os interesses de aumentar o acúmulo de capital dos seus grandes monopólios, por isso abrir portas aos interesses imperialistas significa mais submissão e dívida. Colocar como alternativa econômica para o desenvolvimento o estabelecimento de acordos com o imperialismo chinês é uma nova forma de capitulação da esquerda. Não é possível “governar para o povo” e “salvar São Paulo” aprofundando a subordinação colonial.

A visita de Guilherme Boulos às empresas monopolistas chinesas, como a Huawei, se dá no mesmo momento em que acena para setores da burguesia brasileira e tenta estabelecer relações sólidas com a Faria Lima. A aceitação de Marta Suplicy como vice, a busca pelo apoio se setores da burguesia e as relações políticas que estabelece fora do país, demonstra não apenas a sua determinação em conformar um governo de colaboração de classes, mas a aceitação do papel da burguesia brasileira como subordinada a diferentes imperialismos. “No meu governo, ninguém vai criar dificuldades para vender facilidades”[9], já afirmava Boulos em encontro com setores da burguesia. As facilidades que Boulos aceita comprar, cobram a venda dos interesses do povo na cidade de São Paulo.

A esquerda revolucionária, tem de afirmar que para promover um verdadeiro desenvolvimento no Brasil, com melhores condições de vida para a classe trabalhadora e o povo pobre, é essencial enfrentar os países  imperialistas e seus monopólios.

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[1] https://www.tiktok.com/@guilhermeboulos/video/732578640682603648

[2] https://www.youtube.com/watch?v=MxZGAji-6Zs

[3] https://www.brasildefato.com.br/2024/01/05/levantes-e-aproximacao-com-a-china-paises-africanos-podem-trilhar-caminho-de-mais-prosperidade-a-partir-de-2024

[4] Prefácio às edições francesa e alemã do Imperialismo, fase superior do capitalismo (1920).

[5] Lenin (1916) Imperialismo, fase superior do capitalismo.

[6] https://emluta.net/2023/09/28/africa-sahel-dos-golpes-a-revolucao/

[7] https://www.cgdev.org/sites/default/files/how-china-lends-rare-look-100-debt-contracts-foreign-governments.pdf

[8] https://litci.org/pt/2023/04/30/lula-volta-da-china-com-mais-capitalismo-na-bagagem/

[9] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/em-jantar-boulos-faz-aceno-ao-empresariado-e-garante-que-tera-vice-mulher/