Negros

Absolvição de PM’s que mataram e arrastaram Cláudia há 10 anos no Rio normaliza a barbárie e o genocídio contra população negra

Redação

20 de março de 2024
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Protesto exige punição a PM’s que mataram e arrastaram Cláudia Foto Mídia Ninja

Era manhã de 16 de março de 2014 quando a auxiliar de serviços gerais, Cláudia Silva Ferreira, saiu para comprar pão no Morro da Congonha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Um dia rotineiro que terminaria em cenas de barbárie e, 10 anos depois, num exemplo macabro de impunidade, e de como a polícia tem carta branca para matar e, principalmente, como a população negra é tratada nesse país. 

Cláudia foi atingida por um disparo que investigações posteriores apontaram como vindo da Polícia Militar. As chamadas “balas perdidas”, que de perdida não tem nada porque sempre encontram com precisão um corpo negro, não são novidades nas periferias e quebradas. Mas, naquela manhã, era só o início do terror. Colocada no porta-malas de uma viatura da PM, a porta se abriu, e Cláudia ficou pendurada no pára-choque, sendo arrastada por 350 metros.

Mesmo alertado pelas pessoas que testemunhavam aquelas cenas de horror, a polícia não parou para socorrer Cláudia. O caso só ganhou repercussão porque alguém filmou a mulher ferida sendo arrastada pela viatura.

Absolvição causa revolta

Dez anos depois, no último dia 22 de fevereiro, os policiais envolvidos no caso foram absolvidos pela Justiça. Para o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, da da 3º Vara Criminal do Rio de Janeiro, os policiais agiram “em legítima defesa para repelir injusta agressão provocada pelos criminosos, incorrendo em erro na execução“. Para o juiz, arrastar uma mulher pendurada na viatura por mais de 300 metros foi um mero “erro na execução”.

Essa decisão judicial foi o desfecho de uma sucessão de absurdos. Um dos policiais absolvidos, o Capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, que comandava a patrulha na ocasião, chegou a ser promovido pelo governador Cláudio Castro como superintendente na vice-governadoria do Rio. Já outro PM envolvido, o Sargento Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, foi preso por chefiar uma milícia na Zona Norte.

O crime bárbaro escancara a violência policial, e como as pessoas negras são desumanizadas, tratadas e brutalizadas piores que animais. Cláudia Silva Ferreira era mãe, carinhosamente apelidada de Cacau, cuidava de quatro filhos pequenos e quatro sobrinhos. Era casada há vinte anos. Toda uma história de vida repentinamente cessada de forma cruel e bárbara pela polícia, num caso que, não tivesse sido filmado, certamente passaria despercebido. A repercussão causada pela violência extrema naquele momento, no final, resultou em nada. Como acontece sempre nesse tipo de caso, em que a comoção inicial arrefece até ser esquecido por outro ato bárbaro.

A impunidade tenta normalizar esse tipo de barbárie, tal como a execução de Genivaldo pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Sergipe, sufocado no porta-malas da viatura com gás lacrimogêneo. Ou a matança perpetrada agora mesmo pelo governador Tarcísio e seu secretário Derrite, que comemoram a pilha de mortos na Baixada Santista, dizendo que não está “nem aí” diante das denúncias de tortura e execução, incluindo casos como o de um deficiente visual assassinado por supostamente ter atirado na polícia, ou um homem de muletas abatido pelo mesmo motivo. 

A imagem de Cláudia sendo arrastada remonta às torturas durante o período de escravidão, que continua ecoando nas chacinas, execuções e humilhação, seja no Rio, na Bahia, em Sergipe, na Baixada Santista, ou em qualquer quebrada ou periferia desse país.