Mundo Árabe

Amanhã (23/10), Congregação da FFLCH-USP decidirá sobre rompimento com universidade israelense

Proposta de ruptura com a Universidade de Haifa vem diante da destruição das universidades palestinas e do sequestro de trabalhadores da USP

Rebeldia - Juventude da Revolução Socialista

22 de outubro de 2025
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Acampamento pró-Palestina realizado por estudantes da USP

A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP) pode tomar uma das decisões mais significativas de sua história recente: renunciar ao convênio acadêmico com a Universidade de Haifa, em Israel. O assunto é pauta da reunião da Congregação da FFLCH que será realizada amanhã (23/10), às 14h, na Administração da Faculdade.

A medida, proposta por estudantes, professores e técnicos-administrativos da FFLCH, vem em resposta à escalada da violência em Gaza depois de dois anos de bombardeios incessantes, onde todas as universidades palestinas foram destruídas ou gravemente danificadas desde o início da ofensiva israelense. Relatórios da ONU e de organizações como a Anistia Internacional chamam essa destruição sistemática de “escolasticídio” — o assassinato do conhecimento e da vida intelectual de um povo.

Mais de 90% das escolas e todas as universidades da Faixa de Gaza foram bombardeadas. Professores, pesquisadores e milhares de estudantes foram mortos. As bibliotecas e arquivos, que guardavam séculos de história, viraram escombros. “Não é só uma guerra contra pessoas, é uma guerra contra a memória, contra a educação, contra a própria ideia de humanidade”, resume o relatório submetido à Congregação da FFLCH.

Nesse contexto, a manutenção do convênio entre a USP e a Universidade de Haifa — que abriga cursos ligados às Forças de Defesa de Israel e coopera com programas militares — passou a ser vista como eticamente insustentável pela comunidade acadêmica. A proposta de renúncia é, portanto, uma resposta institucional à barbárie, segundo os grupos.

“A USP não pode fingir neutralidade enquanto universidades palestinas são bombardeadas e viram escombros. Não há simetria entre quem tem armas e institucionaliza o genocídio, como o estado de Israel e a Universidade de Haifa, e quem perdeu tudo, inclusive o direito de estudar, como o povo palestino”, diz João Conceição, representante discente na Comissão de Cooperação Internacional da FFLCH, militante do PSTU e integrante do Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP-USP).

“A renúncia do convênio com Haifa não é um gesto técnico, é um gesto político e ético. Romper é afirmar que o conhecimento não pode servir à ocupação e ao apartheid”, completa.

“Não é censura, é ética”

A proposta de renúncia tem sido alvo de críticas de setores que alegam que a medida comprometeria a “liberdade de cátedra” e o “pluralismo acadêmico”. Mas, segundo os proponentes, o argumento inverte a questão: a liberdade acadêmica só existe quando há igualdade de condições para produzi-la. “Não existe diálogo acadêmico possível quando um lado está sendo sistematicamente silenciado e morto”, observa Maria Clara Araújo, diretora do CAELL (Centro Acadêmico do curso de Letras da USP), entidade signatária do relatório que pede a ruptura da FFLCH com a universidade israelense.

“Não é censura, é ética. Boicotar instituições cúmplices de um projeto colonial de mais de 70 anos e agentes de um genocídio em curso é uma forma de proteger os valores universitários pregados pela USP, mas nem sempre praticados: o compromisso com a vida, com a liberdade e com a dignidade humana,” pontua Maria Clara, que também é diretora do DCE Livre da USP e ativista do Coletivo Rebeldia.

O relatório também recorda que trabalhadores da própria USP, Magno Carvalho e Bruno Gilga, diretores do Sintusp (Sindicato de Trabalhadores da USP) foram sequestrados por forças israelenses há poucas semanas durante a missão humanitária Global Sumud Flotilla, em águas internacionais — um episódio que trouxe o conflito para dentro da própria comunidade universitária.

“Quando trabalhadores da USP são sequestrados por um Estado colonial como Israel, que segue praticando crimes em águas internacionais, a neutralidade não pode ser opção. A responsabilidade institucional é direta”, afirma Conceição.

Movimento internacional

Nos últimos meses, outras universidades brasileiras também tomaram medidas semelhantes. A Unicamp anunciou, mês passado, o rompimento de seu acordo com o instituto israelense Technion; a Universidade Federal Fluminense (UFF) encerrou convênios com a Universidade Ben-Gurion após intensa mobilização de estudantes e docentes; e a Universidade Federal do Ceará (UFC) seguiu o mesmo caminho, citando o dever ético de não manter vínculos com instituições associadas à violência de Estado.

Em nível internacional, universidades na Noruega, Estados Unidos e Países Baixos também suspenderam acordos com instituições israelenses, incluindo a própria Universidade de Haifa, reconhecendo o papel das universidades israelenses na sustentação do aparato militar e repressivo.

O movimento ecoa o histórico boicote acadêmico ao regime de apartheid da África do Sul, nas décadas de 1970 e 1980, sendo reconhecido internacionalmente como uma das formas mais eficazes de resistência contra um sistema de segregação e violência. Assim como naquele momento, afirmam os defensores da medida, “romper laços institucionais não é isolamento, mas solidariedade ativa”.

A proposta de renúncia será votada na Congregação da FFLCH e, se aprovada, será levada pelos requerentes para o Conselho Universitário da USP com recomendação de extensão da medida a toda a universidade.
Em um cenário global de boicotes acadêmicos, a decisão da FFLCH poderá consolidar a USP como a primeira grande instituição latino-americana a tomar posição pública contra a cumplicidade universitária em contextos de genocídio.

“É um momento histórico”, afirma Maria Clara. “Se a USP realmente acredita na ciência como instrumento de liberdade, ela não pode fechar os olhos para um crime contra o povo Palestino como um todo, seu saber e sua ciência”, finaliza.

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