Internacional

Angola: Julho Vermelho — Balanço e Perspectivas

Redação

22 de setembro de 2025
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Manifestantes nas ruas contra o governo angolano | Foto: Radio Angola/Divulgação

Cesar Neto e J.G. Hata

O final do mês de julho esteve marcado por três dias de mobilizações que sacudiram o país, desestabilizou o governo do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), dezenas de mortos e feridos e acima de tudo: o movimento não saiu derrotado.

A crise econômica mundial se espalha pelo continente e atinge a cada um dos países, as promessas vagas dos governantes de tempos melhores se esbarram nos dados econômicos.

Sem terem sido derrotados, os trabalhadores (com ou sem emprego), os jovens e os setores populares, breve terão um novo encontro marcado com as lutas. A burguesia nacional e estrangeira promete mudar o país depois das eleições de 2027, nós não vamos cair nessa armadilha da burguesia. É preciso se preparar os trabalhadores (com ou sem emprego), a juventude e os setores populares para as lutas que virão.

A crise econômica mundial e seus impactos na África subsaariana

Dentre os principais marcadores da crise econômica mundial estão a queda da taxa de lucros e os lucros exorbitantes do capital financeiro. Esses dois marcadores, a queda da taxa de lucros das grandes empresas e as exuberantes taxas de lucro do capital financeiro, podemos encontrar também na África subsaariana (leia o artigo no site da LIT-QI – África Subsaariana | Nova partilha ou luta pela II Independência – Parte I).

Tomando como referência os dados publicados em 2023, das 351 maiores empresas, a taxa de lucro foi um recorde de 14,9%. Dos dados publicados em 2024, tomando em conta as 377 maiores empresas, a taxa de lucro foi de 11,5%, e os dados publicados em 2025 apontam para magros 6,3%.

As razões dessa queda foram a instabilidade monetária e a queda nos preços das commodities. Nesse último período, apenas algumas poucas empresas vinculadas à exploração de ouro e ferro e também empresas específicas do ramo da aviação conseguiram uma taxa de lucro um pouco maior.

O capital financeiro, por outro lado, tem obtido resultados expressivos. A grande maioria dos bancos se desenvolveu favorecida pelos empréstimos públicos, flutuação da taxa de câmbio e, em alguns casos, ganhos oriundos do serviço da dívida pública. O retorno sobre o patrimônio líquido dos bancos tem estado por cima dos 30%.

Angola sofre as consequências da crise econômica mundial e em especial da África subsaariana

A crise internacional reflete diretamente no preço do petróleo e também no volume de produção e venda. A queda de 10% na produção petroleira e de 8% na produção de gás, aliada a queda dos preços é o fator primeiro para explicar como a crise foi introduzida em Angola.

O PIB (Produto Interno Bruto) tem um recuo bastante significativo e dessa maneira reduz-se a entrada de divisas. O Orçamento Nacional, mantém um elevado déficit que é suprido com mais empréstimos públicos, conform aponta o África Monitor Intelligence – n°1517 de setembro/25:

O crédito externo a que o Estado recorre cada vez mais como forma de compensar a diminuição constante da receita petrolífera, tem-se destinado a acorrer a “necessidades básicas” de tesouraria do Estado (dívidas a empresas e salários dos funcionários) e não a planos de investimento. Dois empréstimos recentemente negociados no estrangeiro, um de USD 400 milhões (Rand Merchant Bank), outro de USD 600 milhões (JP Morgan), este do tipo Swap, foram justificados no respectivo decreto presidencial com a necessidade de assegurar recursos financeiros para atender a “necessidades de tesouraria do Estado” (pagamento de dívidas a empresas e de salários dos funcionários).

Assim que, se hoje se faz empréstimos para pagar gastos correntes como salários da administração pública, serviço da dívida externa e importação de alimentos. Como os empréstimos são para pagar dívidas, todos os organismos multilaterais e bancos privados tendem a fechar a torneira. O Ministério das Finanças (MinFin) previa arrecadar em 2025  USD 1,5 mil milhões via Eurobonds e na realidade captou apenas 2/3 do valor planejado.

O recente corte aos subsídios da eletricidade e combustível foi a fórmula encontrada pelo governo do MPLA de aumentar a arrecadação de impostos, mesmo que isso significasse mais inflação para uma população que já sofre com altos índices de desemprego.

Cortam os subsídios e o povo vai às ruas

Nos países colonizados a classe trabalhadora sofreu diferentes mecanismo de divisão, ao ponto de não se constituírem fortes representações sindicais, e quando existem são reprimidas. Como consequência as lutas ganham um aspecto espontaneísta que dificulta a organização e planejamento. Países como Angola tem importantes sindicatos como é o dos professores e médicos, porém as principais lutas têm esse caráter espontâneo e explosivo.

Essa forma de luta, muito progressiva, requer de organizações baseadas nos bairros, escolas, trabalhadores informais, etc. e dessa maneira combater o espontaneísmo e organizar a luta de resistência aos ataques aos níveis de vida como no caso da retirada dos subsídios da eletricidade e combustíveis

Mesmo com essa deficiência organizativa, durante três dias as massas cansadas do desemprego, da inflação, em síntese da fome provocada pelo governo do MPLA, saíram as ruas saquearam as lojas, impediram a circulação de táxis, se enfrentaram com a Polícia e ao final, colocaram o governo em uma situação delicada.

Aumenta crise no MPLA e a UNITA estende a mão

Com apenas três dias de mobilizações o governo sentiu o golpe. Imagine se fosse como em Moçambique que durou dois meses? Há no interior do MPLA uma disputa por quem será o candidato de 2027. Após as mobilizações eles se acusavam mutuamente que este ou aquele setor instigou as mobilizações.  Essas acusações que não se apoiam na realidade, em última instância servem, entre outras coisas, para deslegitimar a luta do povo pobre.

A UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), o principal partido da oposição burguesa, ainda que um dos seus dirigentes juvenis tenha sido preso, de conjunto o partido não foi às ruas defender as justas demandas dos trabalhadores e do povo pobre. Mais do que omissão, a UNITA veio em socorro ao governo ao ajudar a aprovar por unanimidade o Pacote Legislativo Eleitoral. Antes, a UNITA questionava o processo eleitoral; agora, fizeram um grande acordo que, segundo o MPLA, o pacote aprovado “não é para agradar aos partidos políticos, mas para o bem da democracia”, isto é, para dar ilusões no parlamento e tirar os trabalhadores e o povo das ruas.

As ruas desmascararam os partidos herdados dos 50 anos de ditadura

Quando todos esperávamos que os partidos políticos com assento na Assembleia Nacional fossem sair as ruas e apoiar o povo trabalhador em luta, o que vimos foi os manifestantes expostos a violência policial militar e os deputados e demais políticos sentados em suas salas de tapete vermelho e ar-condicionado.

Essa experiência mostra que este país precisa de mudanças profundas. Para começar precisamos refletir sobre os 50 anos de ditadura. Uma ditadura construída com métodos repressivos herdados dos cubanos e do ponto de vista econômica uma ditadura a serviços do capital estrangeiro e nacional.

Para governar durante esses 50 anos foi construído um   sistema jurídico, que dá legalidade para o interminável pagamento da dívida externa, que abre as riquezas nacionais ao capital estrangeiro e quando alguém se levanta há um conjunto de leis que legitima a ação repressiva da Polícia e dos militares. Assim, o povo angolano não tem direitos, tem deveres.

É preciso por abaixo a ditadura de Joao Lourenco, mas também é preciso por abaixo o sistema jurídico e isso só poderemos fazê-lo convocando uma Assembleia Constituinte rumo a um governo sem patrões e empresários.

Lutemos por uma Assembleia Constituinte

Se a atual Constituição está a serviço da repressão ao povo, da perpetuação do regime político e contra os interesses nacionais, só nos resta Convocar uma Assembleia Constituinte, com a eleição de deputados com o objetivo de redigir e aprovar uma nova constituição a serviços dos interesses populares e em defesa da soberania nacional.

Chamamos todos os trabalhadores e todas as organizações sociais tomarem em suas mãos essa tarefa, que imponha a convocação da Assembleia Constituinte para reescrevermos a história de Angola, libertando o povo trabalhador da ditadura do MPLA e da submissão econômica, imposta pela atual Constituição que mantem o regime político a serviço dos grandes monopólios e dos empresários nacionais.

Para que servirá a nova Constituição?

Essa nova Constituição é para democratizar, garantir direitos humanos, garantir direitos sociais e garantir a soberania nacional e a defesa dos recursos naturais. Haverá várias demandas que poderão ser discutidas e aprovadas na Assembleia Constituinte. De imediato poderíamos definir quatro grandes blocos:

1. DEMOCRATIZAR A PARTICIPAÇÃO POPULAR

* Total liberdade de expressão;
* Liberdade sindical e fim da Lei antigreve;
* Nenhum protesto será reprimido. É livre a manifestação de pensamento;
* Liberdade a todos os partidos políticos;
* Nenhum protesto será reprimido. É livre a manifestação de pensamento;
* Liberdade a todos os partidos políticos;
* Eleições autárquicas;
* Proibição das grandes empresas de financiarem partidos;
* Eleições livre e diretas;
* Controle antifraude eleitoral.

2. GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS

* Toda criança tem direito a escola; 10% do orçamento nacional para educação;
* Saúde publica, gratuita e de qualidade para todos; 15% do orçamento nacional para saúde;
* Segurança alimentar para todos, nenhuma pessoa pode dormir com fome;
* Contra a violência policial.

3. DIREITOS ECONÔMICOS E SOCIAIS

* Nenhuma família sem casa;
* Nenhum camponês sem-terra;
* Nenhum trabalhador sem emprego;

4. GARANTIR A SOBERANIA NACIONAL

*Toda a riqueza que está no subsolo são de propriedade da nação;
* Foras as empresas transnacionais;
* Imediata suspensão do pagamento da dívida externa;
* Auditoria de todas as dívidas contraídas com organismos internacionais;
* Pelo não pagamento da dívida externa;
* Não a construção de bases militares estrangeiras no território nacional.

Mobilizar para convocar a Assembleia Constituinte

Os atuais partidos políticos, tanto da oposição como da situação, as leis, o Judiciário, as forças policiais e militares foram todos concebidos e desenvolvidos nesses 50 anos de ditadura.

Portanto, eles, em última instância defendem a atual Constituição e só poderemos conquistar a convocação de uma Assembleia Constituinte com luta e mobilização.  

Mobilizar para que tenhamos conquistas na nova Constituição

As mudanças radicais que precisamos fazer só serão possíveis com o povo nas ruas. Não poderemos combater a fome sem nacionalizar os recursos naturais. Não poderemos garantir salários justos para o pessoal de saúde e da educação sem suspender o pagamento da dívida externa.

Esses e tantos outros direitos só estarão presente na próxima Constituição se, enquanto os assembleistas estiverem discutindo a nova Constituição, sintam o peso das mobilizações nas ruas.

— Liberdade a todos os presos políticos;
— Suspensão do pagamento da dívida externa;
— Nacionalização dos recursos naturais;
— Abaixo o governo de Joao Lourenco;
— Por um governo dos trabalhadores e do povo pobre.

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