Apesar do discurso, Governo Lula repete velha lógica da segurança pública
A chacina de Cláudio Castro trouxe para primeiro plano o debate sobre alternativas à política do governador do Rio. Nesse contexto, duas iniciativas do governo Lula ganharam destaque: a Lei Antifacção e o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública.
As propostas têm uma importância estratégica para o PT. Pesquisa da Genial/Quaest, publicada em 8 de outubro, reafirmou que hoje a segurança é a principal preocupação dos brasileiros. Diante disso, com os olhos na eleição de 2026, o Governo Federal polariza com o bolsonarismo.
Mas será que o caminho apontado indica soluções reais para o povo trabalhador, especialmente negros e negras?
Os objetivos da proposta e a oposição do bolsonarismo
O objetivo declarado da proposta é definir o papel da União, ou Governo Federal, nas questões de segurança pública e defesa social, incluindo o sistema penitenciário.
A justificativa é a constatação de que houve uma mudança no perfil da criminalidade desde 1988, ano em que a Constituição atual passou a valer. Hoje, as redes criminosas deixaram de ser locais e se coordenam entre os estados e com organizações de fora do país.
Para isso, propõe incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP); criar o Fundo Nacional de Segurança Pública e Defesa Social; e ampliar as funções da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
Prevê, ainda, atribuir papel de polícia às guardas civis municipais, como aliás vêm fazendo várias prefeituras país afora, casos do Rio de Janeiro e de São Paulo.
As polêmicas entre o Governo Federal e governos estaduais têm como pano de fundo o debate sobre “quem manda em quê”. Os governadores, responsáveis pelas polícias militares e civis nos estados, não querem perder poder sobre elas.
Mas o texto atual, negociado por meses com vários setores, não significa um controle absoluto do governo central sobre os estados. O que parece estar em jogo é outra coisa.
As forças políticas capitalistas lutam, na verdade, pela liderança pública das ações de repressão. Isso pode ser decisivo para a corrida eleitoral. Quem vai aparecer à frente das operações? Esse é o nó político.

A PEC não toca em questões estruturais
O sistema policial brasileiro é caracterizado por ter duas polícias: uma que investiga, a Civil, e a outra que policia as ruas cotidianamente, a Militar. Esse arranjo fragmenta a atividade policial, tornando-a ineficaz até nas tarefas que a lei burguesa prevê. Assim, de um lado, a PM mata cada vez mais, sem aumentar a segurança, e, de outro, a Civil elucida só quatro em cada dez homicídios segundo dados de 2022 do Instituto Sou da Paz.
Mas não podemos dizer que, no geral, essas forças são ineficientes. Seu papel, especialmente no caso da PM, é impor um regime de medo permanente não sobre os criminosos, mas sobre a população de conjunto.
Só isso explica ações como a dos policiais que agrediram uma mulher grávida de oito meses no interior de São Paulo e executaram seu marido, quando ele tentou defendê-la. Só isso explica a morte de uma criança de quatro anos em Santos (SP) pelas mãos de um soldado. Que risco à sociedade essas pessoas poderiam representar?
Outra característica estrutural é a corrupção das forças policiais. Do jogo do bicho às milícias e ao tráfico de drogas, são incontáveis os casos de participação de agentes públicos em atividades que supostamente deveriam combater. Sem falar nos serviços privados de proteção e na prática de formação de grupos de extermínio, que vem desde a década de 1960.
Isso nos leva à falta de controle público. As forças policiais seriam, na opinião de especialistas como a professora Jaqueline Muniz (UFF), “mais fortes que o governador, o presidente da República e o prefeito”, como afirmou em entrevista ao programa Três por Quatro no YouTube.
Essa autonomia das polícias anda de mãos dadas com a militarização: para convencer uma maioria de negros e negras a massacrarem seu próprio povo, a hierarquia, a disciplina e a lavagem cerebral são indispensáveis.
Vale dizer que o funcionamento do Exército vai na contramão inclusive do que apontam pesquisas de opinião junto às camadas mais baixas da PM.
Guerra aos pobres
Lei Antifacção de Lula: mais do mesmo
Lula também enviou ao Congresso Nacional, em caráter de urgência, o projeto de Lei Antifacção. O centro da nova lei consiste em uma ampliação das penas para membros de facções criminosas.
Porém os resultados das políticas de segurança aplicadas nas últimas décadas no Brasil mostram que a ampliação das penas relativas ao tráfico de drogas não resultou em diminuição das facções ou dos crimes.
A Lei de Drogas, sancionada por Lula em 2006 após uma onda de violência provocada por ações do PCC em São Paulo, facilitou e endureceu as punições por tráfico de drogas. O resultado foi uma explosão no número de presos.
Hoje a população carcerária brasileira é de 850 mil pessoas – nosso país perde apenas para EUA e China. Quem são essas pessoas? Cerca de 70% são homens, jovens e negros. E mais: um em cada quatro são presos provisórios, ou seja, estão presos sem ainda terem sido julgados.
Aliás, é fato comprovado que facções capitalistas levam uma grande vantagem com essa dinâmica, pois os presídios se tornam centros de recrutamento. Lotar os presídios, portanto, garante novos braços para o Comando Vermelho e o PCC. Ou seja, o resultado é exatamente o inverso do discurso das autoridades.
É visível que o aumento do número de presos relacionados ao problema das drogas não significou enfraquecimento do narcotráfico. O crescimento do Comando Vermelho nos últimos anos é prova disso. As prisões, longe de desarticular essas organizações, são locais onde elas se fortalecem, estabelecem alianças e recrutam novos membros, uma vez que para sobreviver em uma cadeia no Brasil os presos são levados a se afiliar a alguma facção criminosa. Foi a partir de acordos estabelecidos em prisões federais com facções menores, de caráter regional, que o Comando Vermelho expandiu seu domínio, abrindo espécies de “filiais” em estados do nordeste do país.
Além disso, como acreditar que um aumento de penas poderia ter impacto real na articulação das facções criminosas, se parte das lideranças atua de dentro do sistema prisional? Indo mais além, a maior parte dos membros desses grupos é composta de jovens, uma vez que as disputas entre facções, somadas às operações policiais, resulta que em geral esses indivíduos não costumem passar dos trinta e poucos anos de idade, e há uma constante renovação dessas lideranças. Qual a função coercitiva que pode ter um endurecimento de pena nesse contexto?
Guerras às drogas do PT
A política de guerra às drogas que o PT implementa e implementou em todos os momentos em que esteve no Planalto e nos estados em que é governo não apresenta diferença em relação ao que vem sendo feito no Rio de Janeiro ao longo de décadas. A Bahia, por exemplo, governada por quase vinte anos pelo PT, tem a PM que mais mata no Brasil. E foi durante os governos Dilma e Lula que mais se utilizou no Rio de Janeiro a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mecanismo que permite a atuação das Forças Armadas como polícia.
Ano após ano, operação após operação, só aumentam as áreas dominadas por grupos criminosos na cidade do Rio, enquanto os direitos mais básicos são negados a uma ampla parcela da população carioca, que vive nas áreas ocupadas por esses grupos e muitas vezes é transformada em vítima dessas operações organizadas com o pretexto de defendê-la.