Meio ambiente

Após um ano do decreto de emergência do governo Lula, povo Yanomami segue em crise humanitária 

Em 2023, 363 indígenas morreram na TI Yanomami e e supera 2022, último ano da gestão Bolsonaro, segundo dados do Ministério da Saúde

Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

21 de fevereiro de 2024
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“Vamos tomar todas as atitudes para tirar os garimpeiros ilegais e cuidar dos yanomamis”, disse Lula, em 30 de janeiro de 2023. Passado um ano, o que existe na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, é o retorno do garimpo ilegal, a explosão de casos de malária e viroses, crianças desnutridas com os ossos à mostra, centenas de mortes e rios poluídos tomados pela lama. Um relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado em julho de 2023, por exemplo, apontou que 61% dos rios da TI estavam afetados pela atividade de mineração.

Essa situação crítica tem sido denunciada por associações e lideranças indígenas, que questionam o governo Lula e dizem que as ações do governo federal foram reduzindo ao logo do ano de 2023, o que permitiu o retorno dos garimpeiros. Também questionam a falta de ações na área da Saúde, pois os yanonamis seguem morrendo de doenças que poderiam ser evitadas.

Lideranças indígenas denunciam que Lula não está cumprindo o que prometeu

Essas denúncias estão sendo feitas desde agosto do ano passado, quando três organizações indígenas — Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Urihi Associação Yanomami – divulgaram um relatório mostrando que o garimpo continuava ativo em áreas não identificadas nos monitoramentos oficiais. O relatório também apontou a diminuição das ações do governo federal na TI.

Em outubro, a liderança indígena Junior Hekurari Yanomami denunciou o retorno dos garimpeiros. “A presença das forças de segurança diminuiu significativamente. A gente percebeu que parou a operação de retirada dos garimpeiros. Então, eles estão aproveitando esse silêncio“, disse em uma entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, em 20 de outubro de 2023.

Em entrevista ao jornal O Globo, também em outubro, o Cacique Raoni disse que o presidente Lula estava “devagar e não cumpriu o que prometeu no dia da posse”. Mês passado, o escritor e ativista Daniel Munduruku criticou a atuação do governo federal frente à crise na saúde na TI Yanomami. Sem citar a ministra dos Povos Originários Sonia Guajajara (PSOL), ele chamou a pasta de “cirandeira” e disse que há “muita festa” e “muito discurso” e “nada do necessário” para resolver o problema na região.

Crise humanitária

A crise humanitária no maior território indígena do país segue. Em uma audiência pública, realizada em dezembro, o Procurador da República em Roraima, Alisson Marugal, reconheceu que não há um plano de estruturação: “O governo não tem um plano e não sabe o que fazer para garantir o que ele prometeu, que era acabar com a crise humanitária. Ou seja, estabelecer os serviços de saúde”.

Mas, as organizações indígenas seguem cobrando um plano por parte do governo federal. “O Estado brasileiro tem que criar um plano permanente, não um plano provisório. Não somos provisórios”, disse Junior Hekurari Yanomami à “Folha”, na matéria mencionada acima. 

Em uma nota técnica assinada pela Hutukara Associação Yanomami, a Wanassedume Ye’kwana e a Urihi Yanomami, publicada no final de janeiro, cobra-se que o governo federal retome, com força, as operações de desintrusão de garimpeiros da terra indígena e elabore um plano de proteção territorial completo.

O que se verificou ao longo de 2023 é que o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população. Além de contribuir para a proliferação de doenças infectocontagiosas e dos impactos ambientais, a presença dos garimpeiros tem efeitos diretos na estabilidade política das regiões e na segurança efetiva das famílias indígenas e dos profissionais de saúde, em muitos casos inviabilizando a livre circulação das pessoas e a possibilidade da realização de visitas regulares às aldeias”, diz a nota técnica.

Indígenas seguem morrendo por falta de assistência básica

Em 2023, 363 indígenas morreram na TI Yanomami e e supera 2022, último ano da gestão Bolsonaro, segundo dados do Ministério da Saúde (MS). 

As causas das mortes ainda são relacionadas à falta de assistência. 66 indígenas morreram por doenças do aparelho respiratório. Outros morreram por doenças infectocontagiosas. São doenças que poderiam ser evitadas. 

Dados do Ministério da Saúde (MS) também mostram que os casos de malária no território seguiram em alta, com mais de 25 mil notificações até o fim de outubro. Informações do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) mostram que entre as crianças de até 1 ano de idade, menos da metade recebeu todas as vacinas previstas. E na faixa de 1 a 4 anos, em metade dos polos a cobertura não atingiu 50%.

Isso se soma à denúncia dos indígenas quanto à falta de estrutura na área da saúde. Melhorar a estrutura de saúde para os yanomami foi um dos pontos mais alardeados pelo governo federal em 2023. Mas isso não se concretizou. 

Os indígenas ainda denunciam que existe um déficit de recursos humanos para ocupar os postos de saúde. Em dezembro, havia sete médicos para atender toda a região, conforme dados do próprio MS. Há comunidades que são atendidas de maneira esporádica e sem infraestrutura adequada.

Medidas concretas

É visível que não há uma prioridade do governo Lula com a pauta indígena, seja quanto resolver a crise humanitária na TI Yanomami, seja em relação ao enfrentamento dos grileiros, dos latifundiários, da tese do Marco Temporal e a efetivação da demarcação de todas as terras indígenas do país.

Para sair da crise humanitária, a TI Yanomami precisa urgentemente de:

– Investimentos em estruturas de serviços básicos de saúde.

 – Reflorestamento e tratamento dos rios, necessários para a sobrevivência indígena. Hoje, esta é principal causa de insegurança alimentar.

– Repressão total ao garimpo. É preciso um plano para encerrar, de forma permanente, a invasão.

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