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Arcabouço fiscal, Fundeb e o voto do PSOL

Júlio Anselmo

27 de agosto de 2023
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Plenária da Câmara vota arcabouço fiscal de Lula Foto Agência Câmara

Foi aprovado em caráter definitivo, na Câmara dos Deputados, o novo arcabouço fiscal. O projeto segue a mesma lógica do antigo teto de gastos de Michel Temer (MDB). Sua implementação significará, a longo prazo, a retirada de verbas das áreas sociais. É um teto de gastos mais aplicável que, embora com mais flexibilidade, não muda o fato de ser uma adequação do orçamento público aos interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI), dos banqueiros nacionais e internacionais.

Depois da primeira votação na Câmara, o projeto foi para o Senado, onde sofreu algumas modificações e propostas de emenda. A mais importante foi a retirada do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) desse novo teto. O mais incrível é que essa iniciativa foi encampada pelo relator Omar Aziz, do PSD, contra a orientação do ministro Fernando Haddad, que articulou e pressionou os senadores a votarem o texto da Câmara sem qualquer alteração. Ou seja, foi uma derrota do PT.

A alteração, é bom que se diga, não muda de forma qualitativa nem vai impedir a retirada de dinheiro da educação por meio dos mecanismos de controle fiscal para pagar a remuneração de banqueiros e bilionários via dívida pública.

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É vergonhoso que o PT nem sequer tenha sido capaz de lutar por isso. Pelo contrário, o governo atuou para manter o Fundeb sob o teto. Coube ao Senado, uma instituição reconhecidamente reacionária e recheada de figuras do centrão, aprovar a emenda num surto de populismo de direita.

Na segunda votação na Câmara, o parecer do relator foi aprovado com grande folga. Foram 379 votos contra 64. Toda a base governista e a maior parte da oposição de direita votaram na proposta de forma unificada. Todos juntos aprovando emendas para aperfeiçoar um mecanismo de retirada de direitos dos trabalhadores. Inclusive o PSOL votou no parecer com o relator. Justificou sua mudança de posição da primeira votação com a justificativa de que a emenda da retirada do Fundeb foi uma grande vitória.

Retirada do Fundeb é insuficiente e não muda o caráter do arcabouço fiscal

De fato é melhor não ter o Fundeb no arcabouço do que ter. Contudo, isso está longe de ser uma grande vitória. Se fosse uma grande vitória, ela deveria ser creditada ao Senado, que aprovou a emenda, e não ao PT, que construiu o arcabouço com o Fundeb. A concessão feita pelo Senado diz respeito à luta histórica e heroica de profissionais da educação e estudantes deste país.

O PSOL podia ter aproveitado a oportunidade diante da votação para exigir ainda mais. Questionar a lógica perversa do arcabouço e se contrapor de conjunto ao projeto. Por mais que seja bom tirar coisas do arcabouço, isso não muda o caráter do projeto aprovado. E não havia nenhuma necessidade tática de votar a favor da emenda, justamente porque ela foi incorporada pelo relator e era amplamente majoritária como demonstrou a própria votação.

Podem argumentar que votar contra as emendas do relator e propor uma alternativa que retirasse ainda mais áreas do arcabouço ou questionasse toda sua lógica não seria vitorioso. Sim, mas cumpriria o papel de disputar os trabalhadores e o povo para outro projeto e outro programa de sociedade. Poderia servir para fazer um debate público de melhor qualidade, apresentando outra visão de uma perspectiva dos trabalhadores sobre a questão. Mas agora o papel do PSOL, em última instância, tornou-se legitimar o arcabouço, afinal, votou com o relator na segunda votação.

Mesmo medidas progressivas, quando encampadas pelos governos e pela direita, servem para tentar legitimar seu projeto regressivo de conjunto. Foi isso que aconteceu. Por isso, a postura dos revolucionários e socialistas no parlamento não deveria ser a que teve o PSOL.

No Congresso Nacional, os que votaram contra a retirada do Fundeb o fizeram porque, na verdade, defendem mais ajuste fiscal, querem retirar mais dinheiro da educação pública e sonham até em privatizar tudo. Nossa crítica não tem nada a ver com isso.

Precisaríamos, naquela votação, ter uma alternativa que não fosse nem a aprovação das emendas do governo e do relator, que unificou o PT e grande parte da direita, nem a oposição da direita mais radical, que defende um arcabouço ainda mais prejudicial aos trabalhadores. Era preciso uma posição que se contrapusesse a esses dois blocos. E, na segunda votação da Câmara, não existiu essa posição.

O curioso é que, no fim desse processo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), colocou em votação a redação final. Evidentemente, essa votação é bastante formal e protocolar. É feita de qualquer jeito: “quem é a favor permaneça como está”. No entanto, mesmo sendo uma formalidade, teria sido importante o PSOL se posicionar contra a redação final de conjunto. Inclusive, contraditoriamente ao apoio que deu ao arcabouço e ao governo durante todo o processo, a deputada do PT, Erika Kokay, foi a única que declarou voto “não” na redação final.

PSOL votou junto com governo e direita o reajuste insuficiente do salário mínimo

Tampouco a postura equivocada do PSOL está restrita apenas à votação do arcabouço. A maioria dos deputados do PSOL votou a favor da reforma tributária. Recentemente, de forma ainda mais escandalosa, votaram a Medida Provisória que define a política de reajuste do salário mínimo. Sem críticas, sem alternativa, sem nada de disputa.

É evidente que é melhor ter uma política mínima de reajuste do salário mínimo, se comparado às políticas da direita ou ao governo Bolsonaro, que era de reajuste zero. Mas o governo apresentou uma proposta de reajuste pífio. Trata-se da volta da antiga proposta que esteve em vigor até 2015. O mecanismo já aprovado é para que o reajuste do salário mínimo seja com base na inflação mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores. Levando-se em conta a média de crescimento do Brasil nos últimos quarenta anos, que é 2,5%, levaríamos 65 anos pra atingir o salário mínimo do Dieese. Enquanto isso, só em 2020, a porcentagem do 1% mais rico do país passou detentora de 46,9% da riqueza nacional para 49,6%.

Evidentemente, a crítica da oposição de direita ao projeto foi para que não houvesse nenhum reajuste. Nossa crítica é, ao contrário, para ter mais. Precisaria alguém apresentar um projeto de dobrar o salário mínimo imediatamente. É um absurdo alguém viver com o salário mínimo atual de R$ 1.320.

O governo Lula e o PT não apresentarem nada melhor é compreensível. Lula e o PT, mais uma vez, fizeram sua escolha de governar o capitalismo a serviço dos interesses de grandes banqueiros, grandes empresários, bilionários e toda a corja que suga as riquezas do país e explora os trabalhadores enquanto fica cada vez mais rica utilizando inclusive o Estado capitalista que lhe serve.

Para um partido que ainda se diz de esquerda, que apesar de apoiar o governo diz que o faz para pressioná-lo à esquerda, votar tudo com o governo sem fazer crítica ou propor nada melhor é um desserviço para a luta dos trabalhadores contra o capitalismo. Erram duas vezes. Primeiro ao apoiar o governo Lula, e segundo na postura e na atuação parlamentar diante dessas votações.

É preciso construir uma oposição de esquerda, socialista e revolucionária no país, um campo da classe trabalhadora que lute pelas reivindicações dos trabalhadores que o governo se recusa a atender e também tenha capacidade de enfrentar a ultradireita. Apoiar o governo e suas propostas parlamentares vai levar à desmoralização da esquerda e dos trabalhadores e pode ajudar a direita caso não construamos uma alternativa.

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