Mundo Árabe

Assassinatos de Haniyeh e Shukr: Israel prepara agressão ao Líbano e ao Irã

Fábio Bosco, de São Paulo (SP)

9 de agosto de 2024
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Ismail Haniye, liderança do Hamas assassinada pelo Estado de Israel Foto Joe Catron

No dia 31 de julho, o Estado de Israel assassinou o principal dirigente do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, capital do Irã, onde ele estava para participar da posse do novo presidente do país. No dia anterior, o dirigente do Hezbollah, Fuad Shukr, havia sido assassinado por um míssil israelense em Dahye, bairro de maioria xiita, em Beirute, no Líbano, onde vivem muitos integrantes do Hezbollah.

Os dois assassinatos têm como objetivo expandir a agressão israelense para o Líbano e para o Irã, e, ao mesmo tempo, manter a agressão genocida em Gaza e na Cisjordânia para esvaziar a crise interna israelense e salvar o governo de Benjamin Netanyahu.

Crise israelense deu um salto após o “7 de outubro”

O Estado de Israel já vivia importantes crises, econômica e política, antes de 7 de outubro de 2023. Por um lado, a economia está em crise desde o início de 2023, dentre outros motivos pela fuga de capitais das áreas de tecnologia. Por outro lado, a Reforma Judicial imposta pelo governo Netanyahu teve a oposição de amplos setores sionistas liberais, incluindo desde capitalistas até setores das Forças Armadas, do Mossad (serviço secreto e “operações especiais”), do Shin Bet (segurança interna) e da burocracia estatal.

A partir da ação da resistência palestina liderada pelo Hamas, no dia 7 de outubro, e até os dias de hoje, novas crises se somaram às anteriores.

A primeira crise está relacionada com a perda de credibilidade do Estado de Israel e do governo Netanyahu frente à população judia israelense, que entendeu que o discurso de “segurança” é uma fraude e se mobiliza para exigir eleições para derrubar o governo.

A segunda crise está relacionada com o esforço de guerra. O prolongamento do genocídio em Gaza tem forte impacto na economia, tanto pelos custos como pela mobilização de reservistas. Sob pressão das Forças Armadas e da população, o governo iniciou a convocação de integrantes da comunidade Haredim (judeus ultraortodoxos) para prestar serviço militar.

Os Haredim estão se mobilizando contra a convocação e enfrentam forte repressão policial. É importante ter em conta que os dois partidos que representam os Haredim integram o governo Netanyahu e a saída deles pode levar à queda do governo.

Heroica resistência palestina acentua a crise do sionismo

Outro fator que afeta a mobilização de soldados é a resistência palestina em Gaza. Apesar do genocídio em curso, no qual mais de 40 mil palestinos foram assassinados (número que pode chegar a 186 mil, segundo a revista britânica “The Lancet”, especializada em questões de Saúde) e 70% de todas as edificações de Gaza (residências, escolas, hospitais, comércio etc.) foram destruídas, as forças da resistência palestina operam ações de guerrilha contra as forças israelenses e mantêm ocultos, há 300 dias, mais de 100 presos israelenses.

A questão dos presos israelenses nos remete à terceira crise: os familiares dos presos israelenses apoiaram o genocídio, acreditando que os presos seriam libertados. Hoje, no entanto, os familiares se mobilizam contra o governo Netanyahu, exigindo um cessar-fogo imediato para garantir a libertação os presos. Suas mobilizações têm crescido a cada semana e se tornaram populares, apesar da repressão policial.

Por fim, há a crise com a extrema direita fascista sionista. Recentemente, uma turba liderada por integrantes do governo e membros do Parlamento invadiram o campo militar israelense de Sde Teman, para libertar nove soldados israelenses presos por tortura bárbara e estupro de prisioneiros palestinos de Gaza. Isto levou a um conflito entre o chefe militar e os ministros fascistas-sionistas. Há uma campanha em curso para exigir investigações independentes sobre estes casos de tortura e estupro.

Para tentar escapar desta crise multifacetada, Netanyahu tem lançado ataques assassinos nas capitais do Líbano e do Irã, para provocar uma guerra generalizada e arrastar o imperialismo em sua defesa militar, além de evitar qualquer tipo de cessar-fogo em Gaza e ganhar uma sobrevida.

Os imperialismos em vias de serem arrastados para a guerra regional a contragosto

Os imperialismos (estadunidense, europeu, japonês, chinês e russo) não querem a expansão da agressão militar israelense, por questões econômicas e de estabilidade social.

A agressão israelense atingirá a economia mundial devido ao aumento do preço do petróleo e à interrupção do tráfego comercial no Mar Vermelho, uma das mais importantes rotas marítimas do mundo. Além disso, pode abrir caminho a uma onda de radicalização anti-imperialista, antissionista e democrática de massas, que ameace toda a ordem regional.

No entanto, o enfraquecimento do imperialismo dominante (dos Estados Unidos), particularmente num momento de eleições nacionais polarizadas, possibilita a Netanyahu incendiar o Oriente Médio e tentar arrastar os EUA e, possivelmente, o imperialismo europeu para a defesa militar de Israel, da mesma forma que os Estados Unidos e o Reino Unido fazem contra os Houthis, no Iêmen.

O regime iraniano e o Hezbollah não querem guerra

O regime iraniano e o Hezbollah já demonstraram, por palavras e ações, sua oposição a um conflito militar generalizado com Israel. No entanto, o assassinato de Ismail Haniyeh e Fuad Shukr os obrigam a dar alguma resposta. Qualquer resposta, por mais contida que seja, como tem sido até agora, pode servir de motivo para Israel iniciar uma agressão generalizada.

O Hamas quer um cessar-fogo permanente como pré-condição para a troca de prisioneiros. No longo prazo, ao contrário do que a mídia imperialista informa, o Hamas não propõe a destruição do Estado de Israel; mas, sim, uma “hudna” (palavra árabe para “trégua”) de 20 ou 30 anos entre o Estado de Israel e um mini-Estado palestino, sem o reconhecimento formal mútuo. Isto possibilitaria a reconstrução de Gaza e o fortalecimento do Hamas.

Já a Autoridade Nacional Palestina (ANP), controlada pelo partido palestino Fatah, quer assumir o controle em Gaza, no lugar do Hamas, e formar um mini-Estado palestino, em cooperação de segurança com o Estado de Israel. Seu principal competidor é o milionário (e criminoso) palestino Mohammad Dahlan, que é apoiado pelos Emirados Árabes para governar Gaza, liderando tropas estrangeiras.

As principais organizações da esquerda palestina – Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP) e Partido do Povo – capitulam aos regimes árabes e ao chamado “Eixo da Resistência”, liderado pelo Irã e pelo Hezbollah. E, na Palestina, se dividem entre o apoio à ANP (sob a alegação de defesa do secularismo), ao Hamas ou à uma posição autoproclamatória de oposição à ambos.

Do rio ao mar

Avançar na solidariedade rumo a uma Palestina livre

Não está claro se Israel conseguirá arrastar o Irã e o Hezbollah para uma guerra contra o desejo de seus líderes. É possível que o líder iraniano Ayatollah Khamenei e o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, engulam todas as provocações israelenses, sem reação proporcional, como têm feito até agora. De qualquer forma, nós nos opomos a qualquer agressão israelense, seja dentro ou fora da Palestina.

Ao mesmo tempo, defendemos uma solidariedade ativa, inclusive militar, com os palestinos. Infelizmente, a única força árabe que constrói uma solidariedade efetiva são os iemenitas Houthis.

Em caso de guerra entre Israel e o Irã ou o Hezbollah, estaremos no campo militar libanês e iraniano para derrotar Israel.

No entanto, não podemos colocar todas nossas esperanças nessas organizações e regimes burgueses. É necessário impulsionar a organização independente, da classe trabalhadora palestina e árabe, para lutar pelo fim do Estado de Israel, pela libertação da Palestina, do rio ao mar, e pela derrubada dos regimes autocráticos árabes, rumo a uma Federação Socialista de Países Árabes.