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Ato golpista de Bolsonaro mostra a necessidade de independência de classe e de uma oposição de esquerda e socialista

Nenhuma anistia a golpista!

Redação

26 de fevereiro de 2024
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Detalhe da manifestação na Av Paulista Foto Jornalistas Livres

Acuado pela sucessão de revelações na esteira da Operação Veritatis da Polícia Federal, que detalha os planos de uma tentativa de golpe no país, Bolsonaro convocou uma manifestação neste domingo, 25, na Avenida Paulista, a fim de se defender das acusações e demonstrar força política.

Os números do ato, como sempre, estão sendo tema de polêmicas. O secretário da Segurança de São Paulo, Derrite, que parece entender mais de matar preto e pobre do que de fazer conta, divulgou a delirante cifra de 600 mil. Já dirigentes do PT chegaram a cogitar algo entre 30 e 40 mil. O Monitor do Debate Político no Meio Digital, grupo de pesquisa da USP que vem desenvolvendo critérios científicos para aferir multidões, estimou em 185 mil pessoas no auge da manifestação.

Não foi, porém, um ato pequeno ou inexpressivo. Foi uma mobilização organizada, financiada e, no mínimo, apoiada pelo aparato do governo do estado, além de parlamentares e do líder religioso de extrema direita, Silas Malafaia. No entanto, mobilizou um setor importante da pequena burguesia e de setores mais pauperizados e populares.

Manifestação na Av Paulista Foto Agência Brasil

Repercussão e consequências

Para além da polêmica dos números, foi um ato em que o bolsonarismo procurou fazer uma demonstração de força social e, ao mesmo tempo, defensivo, em busca da anistia. Se possível no presente, senão num futuro bem próximo. Neste sentido, se Bolsonaro já havia dito que sua intenção era ter “uma foto”, neste domingo conseguiu várias. Uma mostra de força num contexto defensivo em que, às acusações de roubo de joias, se somam a organização de uma tentativa de golpe de Estado junto com parte da cúpula das Forças Armadas. No próprio ato, aliás, Bolsonaro chegou a admitir, pela primeira vez em público, a existência da tal “minuta do golpe”, tentando argumentar que seria uma medida “constitucional”.

Os principais analistas políticos, da mídia burguesa, do governo e da esquerda, fiam-se no fato de que a manifestação não altera o quadro jurídico em que Bolsonaro se vê metido. Ou seja, por esse argumento, tivesse na Paulista uma pessoa, ou um milhão, isso não alteraria o fato de que Bolsonaro, ao fim do processo, irá para a cadeia.

Esse tipo de avaliação conta com dois problemas principais. O primeiro é que desconsidera o caráter político da Justiça e joga todas as confianças nas instituições dessa democracia burguesa. A essa altura, já deveria estar bastante evidente que a Justiça, e aqui falando especificamente do Supremo Tribunal Federal (STF), move-se ao sabor dos ventos, e dos interesses de classes, principalmente da maioria da burguesia. Se hoje a disposição, refletindo a política do imperialismo e de setores majoritários da burguesia, é a de incriminar Bolsonaro, amanhã pode muito bem não ser.

Mesmo hoje, nada garante que Bolsonaro e a parte expressiva da  alta cúpula das Forças Armadas metidas na intentona golpista paguem de fato pelo que fizeram. Ou seja, a intenção de Bolsonaro, de mostrar apoio popular e barganhar uma anistia ao golpismo, pode prosperar.

A segunda questão é que, independente do desfecho jurídico do caso, tivemos mais de uma centena de milhar de pessoas, especialmente da pequena burguesia e do semiproletariado,  mobilizadas em defesa do principal artífice da tentativa de golpe, justamente quando as investigações vêm confirmando sua intenção de impor uma ditadura no Brasil.  Um ato que não só ecoou o lema fascistóide de “Deus, Pátria e Liberdade”, mas que, na prática, foi um ato de apoio a um projeto que defende, por todos os poros, intervenção militar e golpe de Estado, ou seja, a uma mudança de regime no Brasil para acabar com as parcas liberdades democráticas que temos hoje. Um ato que defendeu, além disso, o genocídio perpetrado pelo Estado nazifascista de Israel contra a população palestina.

A responsabilidade do governo Lula e da esquerda

O governo Lula deixa nas mãos do STF a punição parcial do bolsonarismo e da extrema direita golpista. Não só não bate contra esses setores de frente, como mantém, de forma vergonhosa, José Múcio à frente do Ministério da Defesa, homem ligado ao bolsonarismo e que atua dia e noite para livrar a cara e anistiar a alta cúpula golpista. E que segue todo o script da defesa do golpe militar de 64, e sua concepção e visão das Forças Armadas enquanto “poder moderador”, acima dos demais poderes. A “democracia” e a “liberdade” defendidas por Bolsonaro e os golpistas de 64 é a ditadura.

Para além disso, o governo Lula e setores majoritários da esquerda que, lamentavelmente, o apoiam, ao fim e ao cabo, servem para alimentar e impulsionar o bolsonarismo. Isso porque o que move esse setor é justamente a decepção e a desmoralização do que a população entende como “esquerda”. Foi assim com o governo Dilma, ocorreu agora na Argentina com o debacle do peronismo, acontece no Chile, e, principalmente, nos EUA com a volta iminente de Trump.

O governo Lula, ao governar o capitalismo/neoliberalismo brasileiro, cria as bases sociais do bolsonarismo, ao mesmo tempo em que não enfrenta de forma consequente os militares.

Ao não resolver problemas estruturais mais básicos, como saneamento e, ao contrário, apostar no aprofundamento das privatizações via PPP’s, na entrega do país ou numa política de subsídios bilionários à indústria, e enquanto não revê nenhuma contrarreforma como a  reforma trabalhista que só precariza o emprego, ou a da Previdência, contribui para isso. Aliás, PT e PSDB passaram anos fazendo “reformas”em benefício dos bilionários capitalistas. Hoje, o Arcabouço Fiscal de Lula-Haddad, que substitui o teto de gastos, mantém o Brasil na mesma  política de sempre, de uma austeridade radical para remunerar banqueiros e fundos de investimentos, mantendo os serviços públicos como saúde e educação à míngua.

Nem os problemas vistos como prioritários e vitrine para a mudança que representaria a derrota eleitoral de Bolsonaro, como o meio ambiente ou a defesa do povo yanomami, o governo está sendo capaz de resolver. E isso porque este governo não enfrenta a burguesia, o agronegócio ou os banqueiros, mas, antes, governa com e para eles.

Do ponto de vista político, a aproximação com setores da ultradireita, com a inclusão de partidos que apoiaram Bolsonaro na base aliada, ou o estreitamento de relações com o governador Tarcísio, ao invés de rachar e enfraquecer a ultradireita, a fortalece ainda mais. Tarcísio é um exemplo gritante: ao mesmo tempo em que é legitimado por Lula, opera uma mudança na estrutura da Polícia Militar para transformá-la numa máquina mais eficiente para matar pretos e pobres.

Independência de classe e oposição de esquerda e socialista para derrotar o bolsonarismo

A ultradireita mostra que se mantém organizada e mobilizada, mesmo que tenha sofrido uma derrota eleitoral e esteja hoje numa certa defensiva. Mas pode ganhar força com a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora e do povo pobre, o que pode acontecer tanto pela desmoralização da classe com essa política neoliberal levada a cabo pelo governo, como pela realidade internacional e deslocamentos interburgueses.

O fato de o governo continuar governando para a burguesia, não enfrentar de fato os golpistas e continuar levando a cabo uma política neoliberal, além de aprofundar a crise e o retrocesso do país, vai manter a sombra do golpismo à espreita.

Neste sentido, é um desastre a posição de setores da esquerda que apoiam o governo de Frente Ampla, como a direção do PSOL e Guilherme Boulos.O pré-candidato à prefeitura de São Paulo ainda fez uma fala lamentável ao ser questionado sobre o genocídio do povo palestino, afirmando que não era “candidato a prefeito de Tel Aviv”, a fm de não perder apoio na Faria Lima. 

Ao invés de chamar a mobilização do povo contra as políticas neoliberais do governo, como o Arcabouço Fiscal, as privatizações, em defesa do emprego, salário e renda, enfrentando-se com o governo e sua política, continuam apoiando o governo, no máximo esboçando alguma crítica, bem “cuidadosa”, porque senão “a direita volta”. A ultradireita pode voltar, e com força, justamente se essa política do governo Lula-Alckmin seguir prosperando.

É necessário, aliás, mais urgente do que nunca, a mobilização em defesa dos direitos e das condições de vida da classe trabalhadora, enfrentando o governo Lula e, nesse processo, fortalecer uma oposição de esquerda e socialista que possa se postular como uma alternativa realmente antissistema à ultradireita.

É preciso fortalecer uma alternativa revolucionária e socialista que possa propor uma mudança de fato à vida de milhões de trabalhadores e reverter o processo de entrega, retrocesso e degradação do Brasil.

Nenhuma anistia a golpista!

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