Nacional

Aumento de consumo ultraprocessados: o lucro acima da saúde da classe trabalhadora

Samanta Wenckstern

21 de junho de 2021
star0 (0 avaliações)

No último período temos visto um aumento expressivo dos preços de alimentos, levando muitas famílias brasileiras a mudarem seu padrão alimentar, trocando por exemplo, a carne por alimentos ultraprocessados, tais como salsicha e hambúrguer [1].

O aumento de consumo de alimentos ultraprocessados aumentou substancialmente durante a pandemia [2], acelerando uma dinâmica já preocupante verificada nos últimos anos no Brasil. Cada vez mais o arroz, feijão, frutas, legumes e carnes são substituídos por macarrão instantâneo, fast food, bolachas, salgadinhos e salsicha.

O Guia Alimentar Para a População Brasileira, um documento elaborado pelo Ministério da Saúde em 2014 e elogiado mundialmente, destaca a necessidade de se priorizar alimentos in natura ou minimamente processados em detrimento a alimentos ultraprocessados [3]. Essa recomendação se dá pois o aumento de consumo de alimentos ultraprocessados está ligado ao desenvolvimento de uma diversidade de doenças crônicas não transmissíveis, tais como câncer, diabetes e hipertensão [4].

O incentivo ao alimentos ultraprocessados

Apesar do próprio documento elaborado pelo governo brasileiro indicar que se deve evitar o consumo desse tipo de alimentos, a política governamental das últimas décadas se contrapõe a isso.

Uma pesquisa publicada em 2020 na revista Public Health Nutrition, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mediu e comparou a variação de preços de 102 tipos de alimentos mais consumidos no país entre 1995 e 2017 e projetou que, a partir de 2026, os alimentos ultraprocessados como salsicha e bolachas serão mais baratos do que os in natura, tais como carnes, frutas e verduras [5]. Essa projeção ocorreu antes da pandemia de COVID-19, que possivelmente acelerou essa tendência, vide o aumento expressivo de alimentos da cesta básica como carne, arroz e feijão.

A pesquisa aponta para algumas causas para essa tendência. A maior parte da produção agrícola brasileira está centrada no agronegócio, que é marcado pela de monocultura de milho, soja e cana-de-açúcar, que são itens bastante utilizados como matéria-prima para os alimentos ultraprocessados. Além disso, devido às pressões de associações da indústria de alimentos, o governo brasileiro concede benefícios fiscais significativos a companhias como Big Soda e Big Food no Brasil.

A ligação do atual governo com o agronegócio e com as grandes indústrias alimentícias ficou ainda mais escancarada ano passado, com a tentativa da ministra Tereza Cristina de revisar o Guia Alimentar para a População Brasileira. Na nota técnica emitida e direcionada ao Ministério da Saúde, se propõe revisar a classificação de alimentos presente no Guia, que é baseada no grau e o propósito do processamento e usa o conceito de comida ultraprocessada. [6] Essa proposta de revisão visava atender a demandas da indústria alimentícia que vê com maus olhos o Guia Alimentar, pois ele sugere evitar os alimentos ultraprocessados, que são fonte de altos lucros dessas empresas.

O incentivo de uma alimentação com muitos ultraprocessados ataca principalmente a classe trabalhadora, que tem menos opções de compra. Enquanto as empresas lucram com a venda desses alimentos ultraprocessados, a classe trabalhadora adoece cada vez mais.

Soluções coletivas para problemas coletivos

Seria um erro achar que a solução passaria apenas por campanhas de conscientização para uma alimentação mais saudável, incentivando assim um “consumo consciente”. Essa ideia culpabiliza o indivíduo e ignora a situação atual, onde mais da metade da população está em situação de insegurança alimentar [7]. Assim como as causas do aumento do consumo dos alimentos ultraprocessados são coletivas, as soluções também devem ser coletivas.

O agronegócio produz principalmente para a exportação, recoloniza a economia, polui a água e o solo com agrotóxicos, incentiva queimadas e o aquecimento global, tudo isso para enriquecer apenas a burguesia. Enquanto isso, a agricultura familiar, que é quem efetivamente produz os alimentos que chegam ao nosso prato [8], sofre grandes dificuldades para a produção e escoamento. Por isso, é necessário uma reforma agrária no país e que os incentivos fiscais destinados a grandes empresas alimentícias que produzem alimentos que nos adoecem sejam destinados ao pequeno produtor. Somente assim a classe trabalhadora terá amplo acesso a uma alimentação saudável e diversificada.

Para tudo isso é necessária uma mudança drástica da sociedade em que vivemos, lutando por uma outra sociedade, que coloque a saúde e a dignidade humana acima dos lucros.

 

  1. Ver mais: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/negocios/com-alta-nos-alimentos-brasileiros-comem-menos-bife-e-mais-salsicha-e-mingau-1.3097459
  2. Ver mais: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-11/consumo-de-alimentos-ultraprocessados-cresce-na-pandemia
  3. Para acessar o Guia Alimentar completo: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
  4. Ver sobre algumas pesquisas que tem demonstrado cada vez essa relação: https://ojoioeotrigo.com.br/2020/08/ciencia-a-maior-inimiga-da-industria-de-alimentos-ultraprocessados/
  5. Ver estudo completo: https://www.cambridge.org/core/journals/public-health-nutrition/article/what-to-expect-from-the-price-of-healthy-and-unhealthy-foods-over-time-the-case-from-brazil/98FE380C358CCD2B25E99FFC7A4A8B9F
  6. Ver mais: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/603058-ministerio-da-agricultura-reforca-ofensiva-para-derrubar-guia-alimentar-referencia-internacional
  7. Ver mais: https://www.opiniaosocialista.com.br//uma-batalha-diaria-pela-sobrevivencia/