BH: Tarifa Zero ou Busão 0800 e a privatização dos serviços, uma reflexão necessária

A privatização do transporte público não é novidade no Brasil e tampouco em Belo Horizonte. É tão antiga que muitos trabalhadores já se esqueceram de que o transporte coletivo é uma obrigação do município e um direito de toda a população. Direito esse que, na prática, vem sendo constantemente ameaçado pelos valores abusivos das passagens.
Como funciona a privatização na capital mineira
O transporte coletivo foi entregue à iniciativa privada por meio de concessões públicas. Isso significa que o poder público garante às empresas o direito de explorar o serviço — e também o lucro. Quando esse lucro não é atingido, a passagem aumenta ou a prefeitura cobre a diferença com dinheiro do orçamento público.
Hoje, o sistema de ônibus de Belo Horizonte conta com 347 linhas, operadas por 35 empresas reunidas em 4 consórcios (Pampulha, Leste, Dez e D. Pedro II). São 2.678 veículos transportando mais de 23,5 milhões de passageiros em maio de 2024. Desde 2019, houve concentração de empresas, reduzindo o número de operadores e ampliando o poder dos consórcios sobre o serviço.
Essa lógica resulta em problemas conhecidos: más condições do transporte, passagens caras, tempo excessivo no trânsito e frota insuficiente. Tudo isso agravado por uma estrutura viária desenhada historicamente para favorecer a indústria automobilística e os empresários do setor de ônibus — e não a mobilidade da população.
Tarifa Zero em Belo Horizonte: quem paga a conta?
Está em tramitação na Câmara Municipal um projeto que prevê a implementação da Tarifa Zero em até quatro anos. A proposta, contudo, não rompe com o monopólio das empresas privadas. Pelo contrário: mantém garantias de lucro e amplia os mecanismos de subsídio público.
A principal fonte de financiamento prevista é a Taxa do Transporte Público (TTP), obrigatória para empresas com mais de nove empregados. O valor sugerido é de R$ 168,82 por trabalhador ao mês (cerca de R$ 5,63 por dia). No entanto, não está claro de onde será debitado esse valor: do empregador? Do trabalhador, como ocorre hoje com o desconto em folha? Ou do consumidor final de bens e serviços? Essa indefinição abre espaço para novas distorções.
Além disso, o projeto mantém a dependência de subsídios municipais, sem delimitar claramente os valores. Em vários trechos, a lei prevê que o Executivo poderá criar novas formas de receita para o fundo de transporte, ou seja, deixa em aberto como e quanto será retirado do orçamento público.
Outro ponto crítico: embora se fale em modernizar a frota com veículos menos poluentes, isso também será custeado com recursos públicos, mas sem questionar o lucro privado. Ou seja: o povo paga a conta, enquanto os empresários continuam garantidos.
As contradições do projeto:
— A arrecadação prevista com a TTP já supera os custos estimados do sistema, mas ainda assim se mantém o subsídio;
— Não há garantias de aumento da frota ou de integração com a Região Metropolitana;
— O contrato atual de concessão só termina em 2028, e até lá as empresas continuam assegurando seus lucros com recursos públicos.
Em resumo: o projeto garante mais receitas às empresas, mas não assegura melhorias concretas no transporte para a população.
Tarifa Zero sim, mas sem repassar dinheiro público para a máfia do busão
Defendemos a Tarifa Zero como um direito social, mas se não rompermos os privilégios das empresas privadas, os trabalhadores continuam a pagar a conta. O caminho não é perpetuar o subsídio, mas romper os contratos e estatizar o transporte coletivo.
O dinheiro público deve ser investido em ampliar a frota, reduzir o tempo de viagem, melhorar a integração metropolitana e garantir qualidade de serviço — e não em engordar o lucro de empresários.
Tarifa Zero é possível, mas é preciso vir acompanhada do fim da privatização e da construção de um transporte público verdadeiramente público: controlado pela população e a serviço da mobilidade urbana, não do lucro privado.