Boulos como revitalização de Lula e o PSOL a serviço da governabilidade

O governo Lula tem passado por crises sistemáticas. No início do ano, sofreu uma derrota para o bolsonarismo, que conseguiu dirigir a narrativa sobre a suposta taxação do Pix, fazendo derreter a popularidade de Lula.
As últimas pesquisas começavam a apontar para uma leve recuperação da popularidade; contudo, com o escândalo no INSS, tudo indica que o governo vai ter ainda muitas dificuldades para entrar em 2026 com uma boa taxa de aprovação.
Foi para tentar reverter a queda da popularidade que o governo voltou a falar da possibilidade de isenção do Imposto de Renda para salários de até 5 mil reais. Com o mesmo objetivo, fez uma declaração no “Primeiro de Maio”, dando a entender que pretende se movimentar para acabar com a escala 6×1.
Agora, tenta revitalizar sua imagem, colocando Boulos como ministro, numa pasta central: a Secretaria-Geral da Presidência, responsável pela interlocução com os movimentos sociais.
O PSOL como satélite do PT?
A entrada de Boulos como ministro, longe de ser um giro à esquerda do governo, é um salto de qualidade na relação do PSOL com a gestão de Lula.
Nas eleições de 2022, o PSOL abriu mão de apresentar uma candidatura no primeiro turno, tendo apoiado o PT desde o início. Com a eleição de Lula, o PSOL passou a ser parte da base do governo no Congresso, abrindo uma “exceção” para que Sônia Guajajara fosse Ministra dos Povos Indígenas.
Naquela época, Valério Arcary, dirigente da corrente Resistência, que hoje protagoniza a integração do PSOL ao governo, defendia que “a adesão ao governo condenaria o PSOL a ser um satélite do PT.”
De janeiro de 2023 pra cá, a dita oposição à adesão ao governo foi sendo substituída por uma aproximação cada vez maior. Para além de ter Guajajara como ministra, o PSOL tem Guilherme Simões, do MTST, como Secretário Nacional de Periferias, no Ministério das Cidades. E como base parlamentar do governo atua na defesa de diversas medidas, inclusive tendo votado a favor da Reforma Tributária e dos cortes no Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Combater o bolsonarismo com neoliberalismo?
A justificativa dada para apoiar o governo seria o fato de que existe uma forte oposição de extrema direita e, portanto, seria necessário ampliar as alianças, sendo Lula a única opção para derrotar o bolsonarismo eleitoralmente. Mas, quase três anos após a derrota de Bolsonaro nas urnas, a extrema direita segue fortalecida.
Por outro lado, o governo Lula, apesar de não ser igual ao de Bolsonaro, continua a implementar políticas neoliberais que favorecem os interesses da burguesia, como o Arcabouço Fiscal, as alianças com o Centrão e ao acenos ao agronegócio, como o Plano Safra, com um recorde de R$ 400 bilhões.
Na prática, governo fortalece a extrema direita
Apesar da imagem que Lula pretende passar, suas políticas não enfrentam as causas estruturais do bolsonarismo e acabam fortalecendo a extrema direita.
No discurso, Lula diz o contrário e tenta apresentar medidas, insuficientes, para tentar agradar os trabalhadores. Mas, nada de estrutural muda: seguem a desigualdade, a desindustrialização e o domínio dos capitalistas. Em sua essência, o governo segue defendendo os interesses da classe dominante, tendo, assim, um caráter burguês.
Apoiar o governo com um critério meramente eleitoral, de combate à extrema direita, significa, efetivamente, abdicar de apresentar uma alternativa real para a classe trabalhadora. Além disso, não contribui para avançar em conquistas, pois o governo segue atacando direitos. No fim, não serve nem mesmo para combater a extrema direita.
Por isso, o PSTU se coloca como oposição de esquerda ao governo Lula, desde o primeiro dia. O PSOL, ao contrário, tem seguido o caminho da adesão, aproximando-se cada vez mais do governo e, com isso, abandonando até mesmo o programa inicial do próprio partido, que, embora não adotasse a revolução socialista como estratégia, nasceu justamente em oposição ao primeiro governo Lula.
Agora, já preparam uma revisão programática para tornar o PSOL mais coerente com sua atual integração ao governo.
Boulos como ministro, para blindar o governo
Tendo Boulos como principal expoente desse processo de adaptação, o PSOL está aprofundando sua institucionalização e passa a atuar como interlocutor entre os movimentos sociais e o governo. O caso da Favela do Moinho, em São Paulo, é um exemplo emblemático.
O governo federal se alinhou à política do governador de extrema direita, Tarcísio de Freitas, e só realizou concessões após a resistência firme da comunidade, que se recusou a deixar o terreno, enfrentando a polícia e a política dos governos federal e estadual, por três dias consecutivos.
O papel que Boulos terá como ministro, longe de ser pressionar o governo à esquerda, como se quer fazer parecer, será o de defender a política do governo junto dos movimentos sociais e não o de impulsionar um enfrentamento com o próprio governo, o que seria necessário para conquistar avanços reais.
O MES e a defesa do “apoio crítico”
Independência ou base de governo?
A crescente integração do PSOL ao governo não ocorre sem contradições e crises internas. A mais recente e significativa ocorreu em fevereiro, com a demissão do economista David Deccache do cargo de assessor da bancada parlamentar do PSOL.
O deputado Glauber Braga se posicionou em defesa de Deccache, criticando o que considerou uma “virada de chave” por parte do campo majoritário do partido. A eventual nomeação de Boulos como ministro de Lula abre novos debates no PSOL.
PSOL é independente com licença de Boulos?
Diante da possibilidade de Boulos ser ministro, abrindo mão inclusive de sua candidatura a deputado em 2026, o Movimento Esquerda Socialista (MES) defende que Boulos se licencie do PSOL para ocupar o cargo.
No entanto, é evidente que tal medida não significaria uma real “independência” do PSOL em relação ao governo, já que Boulos é atualmente o principal dirigente do partido e lidera o grupo que detém a maioria na sua direção nacional.
A entrada de Boulos como ministro representaria um salto na integração do partido ao governo, evidenciando um fato incontestável: o PSOL não é independente e a maioria de sua direção sequer faz questão de disfarçar isso.
O MES apresenta uma fórmula jurídica para resolver um problema que é político. Expressando os limites da política da corrente, o MES, ao não se posicionar como oposição de esquerda, acaba, na prática, capitulando ao governo de conciliação de classes.
“Apoio crítico” é base do governo
Em um texto apresentado como uma “Declaração da Executiva Nacional do MES-PSOL sobre a possível nomeação de Guilherme Boulos para ministério do governo Lula”, o MES afirma que “o PSOL definiu que não teria cargos no governo, sendo que exceções deveriam se licenciar.” E que “a partir disso, a bancada do PSOL teve condições de apoiar medidas do governo contra a extrema direita e os golpistas, mas com liberdade para criticar e se posicionar de forma contrária quando necessário.”
Esse tipo de orientação é o que explica que as deputadas do MES e Glauber Braga tenham se abstido na votação da Reforma Tributária. Perante o fato de que a maioria da bancada do PSOL votou a favor, optaram pela abstenção, para “não se somarem ao bolsonarismo”.
Com isso, acabam por abrir mão de apresentar uma alternativa ao governo atual, adotando a postura de criticar o que tem “de ruim” e apoiar o que tem “de bom”. Ou seja, se mantendo como base do governo; crítica, mas base do governo.
A farsa da Frente Popular de Combate
O MES segue uma política semelhante à chamada “Frente Popular de Combate”, adotada por setores da esquerda diante de governos de colaboração de classes.
Essa tática surgiu na França, em 1936, com Marceau Pivert, que propunha pressionar os dirigentes reformistas para uma política revolucionária, sem romper com o governo de Léon Blum, ao qual acabou aderindo.
Também na França, situação similar ocorreu décadas depois, com a Organização Comunista Internacionalista (OCI), na Frente Popular dirigida pelo presidente François Mitterrand, do então Partido Socialista, nos anos 1980.
Naquele contexto, apesar de intensas lutas da classe trabalhadora por direitos, a Frente Popular atuou como mediadora entre sindicatos e patronato, servindo para conter o processo revolucionário. No primeiro exemplo, a desmoralização que se seguiu levou à queda do governo em 1938, substituído por um governo conservador.
Frente Ampla: um governo a serviço da burguesia
O terceiro Governo Lula é menos uma Frente Popular e mais uma Frente Ampla, como o próprio Lula e o PSOL defendem.
É um governo que está a serviço dos interesses da burguesia, mas que conta com o apoio de organizações da classe trabalhadora, com a justificativa de impedir uma nova vitória eleitoral do bolsonarismo.
Por outro lado, ainda que existam importantes processos de mobilização, como a luta pelo fim da escala 6×1, não vivemos um momento de ascenso no Brasil. Nesse contexto, a relação do MES com o governo acaba por ser exclusivamente de defesa de medidas “progressivas”, com uma postura de pouco combate ao governo. Dizem ser independentes; mas, de fato, apoiam o governo.
Essa posição, ao invés de desmascarar o governo, engana a classe trabalhadora. Ao não ter uma atitude firme e coerente de independência de classe, joga quem é contra as medidas do governo nos braços da extrema direita.
Saída
Por uma oposição de esquerda ao governo
No texto mencionado, o MES ainda afirma que “os princípios da fundação do PSOL são incompatíveis com a integração em um governo de colaboração de classes.”
Mas o fato é que o PSOL se integra cada vez mais à institucionalidade, colocando a esquerda do partido perante uma situação em que a decisão de continuar no PSOL implica, como consequência, em uma adesão ao governo. Procurar fórmulas jurídicas, não fará com que o PSOL seja independente.
O PSTU afirma que é impossível combater o bolsonarismo sem combater o governo e sua política econômica. Muito menos construir uma alternativa revolucionária e socialista para a classe trabalhadora apoiando o governo Lula.
Em nome de uma suposta governabilidade “progressista”, o PSOL se integra cada vez mais ao governo. Para romper esse ciclo, é necessário construir uma oposição de esquerda forte, que dispute a consciência da classe trabalhadora e lute por um projeto socialista e revolucionário.