Boulos ministro, a serviço de quê?
Após um longo período de crises, o governo Lula assumiu uma narrativa com o objetivo de recompor sua popularidade: passou a tratar o Congresso Nacional como inimigo do povo, adotou um discurso de defesa da soberania diante do ataque imperialista de Trump e incorporou pautas populares que dão uma aparência mais à esquerda ao governo.
A nomeação de Boulos como ministro da Secretaria-Geral da Presidência é parte dessas medidas que colocam Lula em “modo campanha 2026”, buscando revitalizar sua imagem entre trabalhadores e setores de esquerda.
Boulos soma-se a nomes como Sônia Guajajara, no Ministério dos Povos Indígenas, e Guilherme Simões, na Secretaria Nacional das Periferias, consolidando a presença do PSOL no governo.
Mas o que significa a entrada de Boulos como ministro para o governo Lula? Seria sinal de uma virada do governo à esquerda? O que nos fala sobre as escolhas de Boulos e do PSOL? É possível manter independência de classe sendo parte de um governo burguês?
Governo Lula vai à esquerda?
Desde a derrota na votação do decreto do IOF, a postura do governo em relação ao Congresso mudou. De aliados, os parlamentares do Centrão se tornaram, na narrativa petista, “inimigos do povo” que barram pautas populares. Essa retórica veio acompanhada de medidas com forte apelo social, como a isenção do imposto de renda até R$ 5 mil, e promessas que servirão de bandeira eleitoral em 2026, como a tarifa zero no transporte público e o fim da jornada 6×1.
Não há dúvida de que o Congresso e o Centrão atuam em função de seus próprios interesses e dos grupos empresariais que os sustentam. Mas as medidas populares do governo estão subordinadas a um projeto que serve à burguesia nacional e imperialista.
Enquanto Lula divulga a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, ou um projeto para implementar Tarifa-Zero, segue trabalhando para uma nova Reforma Administrativa que sucateia serviços públicos e ataca os servidores. Enquanto adota um discurso de transição energética, nas vésperas da COP 30, autoriza os estudos para exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.
A política econômica segue guiada pelo Arcabouço Fiscal, que prioriza os lucros de banqueiros e grandes empresários. Assim, as medidas “progressistas” de Lula funcionam como distrações que ocultam o verdadeiro destino do orçamento: os interesses capitalistas.
Qual será o papel de Boulos?
Em publicação na rede “X”, Boulos afirmou que sua “principal missão será ajudar a colocar o governo na rua”. Lula lhe atribuiu tarefas como melhorar a relação com trabalhadores de aplicativos e organizar, como parte de sua campanha, a pauta do fim da escala 6×1.
Longe de representar um giro à esquerda de Lula, a entrada de Boulos dá verniz popular a um governo que mantém o Arcabouço Fiscal e avança em ataques ao povo trabalhador.
Para isso Boulos utilizará a autoridade que ganhou como dirigente do maior movimento popular de luta por moradia no país, o MTST, não para enfrentar os interesses do setor imobiliário que lucram com o déficit habitacional no país, as empresas como Ifood e Uber que exploram trabalhadores por aplicativos, ou para enfrentar os grandes grupos do comércio, indústria e agronegócio que submetem os trabalhadores a jornadas extenuantes. Mas para negociar com esses grupos alternativas que lhes façam sair ganhando cedendo pequenas concessões.
Não é a primeira vez que lideranças operário-populares colocaram sua autoridade a serviço de governos que buscam aliar trabalhadores e capitalistas com a justificativa de que todos sairiam ganhando. O que a história demonstrou é que, em todas as situações, os trabalhadores saem perdendo e, muitas vezes, o resultado desse tipo de governo é o surgimento de alternativas ainda mais à direita e reacionárias.
O exemplo recente é o dos próprios três primeiros governos do PT, que, misturando medidas sociais compensatórias e cooptação de lideranças populares, com neoliberalismo econômico, resultaram em uma piora das condições de vida de trabalhadores e jovens, com reformas neoliberais, privatizações e avanço na desindustrialização do país, dando base para o surgimento do bolsonarismo.
Independência de classe em um partido da base do governo burguês?
O MES, corrente do PSOL, se opondo à entrada de Boulos como ministro, afirma que “Boulos, que já estava subordinando sua ligação com o movimento em função dos interesses do governo, passou a ser agora uma completa correia de transmissão dos interesses do governo”.
Essa afirmação do MES está correta. Mas qual conclusão tirar dela? O que o MES não explica é qual a consequência, para o PSOL, que sua principal figura entre no ministério de um governo burguês e passe a ser “uma completa correia de transmissão dos interesses do governo”. É possível preservar a atuação independente como parte de um partido nessa situação?
É evidente que a entrada do principal dirigente do PSOL no governo sacramenta o apoio desse partido ao seu projeto, à defesa da governabilidade e do regime burguês.
O papel criminoso de ser uma “correia de transmissão” da política de um governo burguês aos movimentos sociais impede qualquer possibilidade de uma política independente. A prioridade do partido passa a não ser a organização dos trabalhadores e movimentos para conquistar seus interesses, mas os objetivos do governo que, ainda que em alguns momentos possa atender as demandas do povo em luta, o faz para desviar qualquer radicalidade e aplicar um projeto que, em seu conjunto, está a serviço dos capitalistas.
O combate à extrema direita passa pelo governo Lula?
A Resistência, outra corrente do PSOL, aconselhando a permanência de Boulos como deputado por questões táticas, anuncia que foi a “postura altiva do governo Lula” que, junto com os atos de massas, “colocaram a extrema direita na defensiva”.
Esse raciocínio serve para justificar sua política de adesão ao governo, com expressões vagas sobre independência, mas não explica por que, ao contrário do que dizem, Lula mantém em cargos centrais antigos bolsonaristas, segue fortalecendo o Centrão com emendas parlamentares e costurando alianças para 2026, e despejando ainda bilhões de reais para a burguesia do agronegócio, responsável pela destruição ambiental e que é base do bolsonarismo. Mesmo diante da PEC da Blindagem e dos projetos de Anistia, vários deputados do PT votaram no projeto e deram apoio a projetos de anistia mais brandas.
Com altos e baixos (nesse momento em uma defensiva pela condenação de Bolsonaro e o erro que cometeram diante do ataque imperialista de Trump) a extrema direita segue como uma força política expressiva no país, porque a polarização com o PT não a destrói, ao contrário, a alimenta.
O enfrentamento ao bolsonarismo e à extrema direita não será feita com conciliação de classes, mas com uma política independente dos trabalhadores que ataque as bases sociais e estruturais do bolsonarismo, e isso não será feito em aliança com o governo Lula.
Construir uma alternativa que supere a esquerda capitalista
Diante da crise do capitalismo e dos limites cada vez mais evidentes da esquerda da ordem, torna-se urgente construir uma nova alternativa política, independente e coerente com os interesses da classe trabalhadora.
O governo Lula e os partidos que o compõe (agora mais diretamente o PSOL) têm mostrado que suas ações estão presas à lógica da governabilidade e aos interesses das grandes empresas e do mercado.
A ideia de uma “frente ampla contra a extrema direita” acaba funcionando, na prática, como um instrumento de acomodação dentro do próprio sistema que produz desigualdade e exclusão.
É por isso que precisamos de uma oposição de esquerda ao governo, que seja consequente no enfrentamento à extrema direita, e que dialogue com os diferentes setores populares a partir de suas realidades.
Essa alternativa precisa se apoiar em um programa que una as demandas imediatas (como o combate à fome, por emprego, a luta contra a precarização do trabalho – como os de aplicativo e de jornadas como a 6×1 – o fim das privatizações e a revogação das reformas e do Arcabouço Fiscal) à perspectiva de derrubar o poder dos capitalistas e reorganizar o país sob controle dos trabalhadores. Somente assim será possível superar o falso dilema entre a conciliação e a barbárie e abrir caminho para uma verdadeira alternativa socialista no Brasil.
O desafio que temos diante de nós é reconstruir uma esquerda de combate, socialista e revolucionária, que não tema romper com o regime, o governo e o sistema, e que aposte na força e na consciência da classe trabalhadora como sujeito central da transformação social.