Meio ambiente

Capitalismo Verde: Manejo de madeira no Amapá é uma ameaça à floresta

Ministério Público Federal recomendou a suspensão de um projeto de exploração de madeira em área preservada da Amazônia

Jeferson Choma

3 de abril de 2025
star5 (2 avaliações)
Governador do Amapá, Clécio Luís (esquerda) e senador Davi Alcolumbre (direita) na fábrica da TW Forest, instalada em uma área de preservação permanente que foi desmatada para construção da serraria

O manejo de madeira está na mira do Ministério Público Federal (MPF) do Amapá. Recentemente, o órgão recomendou a suspensão de um projeto de exploração de madeira em área preservada da Amazônia, em Mazagão (AP). Segundo o MPF, há indícios de extração em escala empresarial na área destinada ao manejo sustentável.

O negócio envolve gente graúda. A viabilização do empreendimento foi articulada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Um inquérito do MPF apura supostas irregularidades no manejo da área ambiental. O órgão afirmou que a Controladoria-Geral da União (CGU) recebeu uma denúncia de um “esquema de captura” da Associação dos Trabalhadores do Assentamento Agroextrativista do Maracá (Atexma), entidade responsável pelo projeto, por agentes privados para explorar a madeira em escala empresarial na área agroextrativista, destinada exclusivamente ao uso sustentável e comunitário.

O Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Maracá previa a realização do manejo “sustentável” de 172 mil hectares de floresta, o equivalente a 172 mil campos de futebol. O Incra já havia suspendido, em 5 de julho de 2024, a extração de madeira por irregularidades na contratação de empresas. O órgão apontou falta de participação da comunidade e inexistência de uma ata de assembleia geral para aprovação do projeto.

A autorização para o projeto de manejo foi concedida à associação em setembro de 2023, mesmo com pareceres contrários das áreas técnicas do Incra e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) do Amapá. Foi aí que entrou a pressão de Alcolumbre para a liberação do projeto. O licenciamento ambiental só foi aprovado pelo governo do estado, comandado por Clécio Luís (Solidariedade), após a troca dos membros da comissão de avaliação ambiental, em junho de 2023.

Floresta e comunidades ameaçadas

A avaliação dos técnicos da Sema apontou o risco de escassez de recursos florestais devido à intensidade de corte proposta, que propunha a exploração de mais de 8 mil hectares, 80 vezes maior do que recomendava o órgão ambiental.

O projeto de manejo no Maracá vinha sendo realizado pela empresa TW Forest, em associação com a Eco Forte e a Norte Serviços Ambientais, que controlava toda a operação por meio de dois contratos assinados com a Atexma. A TW Forest já explora florestas públicas no Amapá desde 2016 e acumula uma série de infrações ambientais, incluindo desmatamento ilegal e comercialização de madeira sem documento de origem florestal (DOF). Entre 2022 e 2023, a madeireira foi multada seis vezes pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O seringueiro Osmarino Amâncio, que liderou os embates ao lado de Chico Mendes, esteve em novembro de 2024 na comunidade para discutir a situação. Ele denuncia que o caráter comercial do empreendimento está degradando a floresta e os meios de vida da população.

Os meios de comunicação do Amapá estão iludindo a população dizendo que o manejo traz benefícios, porque traz garantia de emprego, garantia disso, garantia daquilo. Primeiro que o que eles estão fazendo lá não é manejo. Porque eles não respeitam a regra técnica. É desmatamento aquilo, porque é um negócio fora do limite. Estão tirando, inclusive, muitas matas ciliares dos rios, estão entupindo os rios, os igarapés, o pessoal está tendo dificuldade, estão fazendo mutirão para desentupir, porque eles andam pelos rios. Não deixa nenhum resultado econômico, não paga sequer imposto. Só dá lucro para os empresários que estão envolvidos com isso”, explica Osmarino Amâncio.

Polícia Militar foi acionada para intimidar  a comunidade, que reunia com Osmarino Amâncio para debater sobre o manejo madeireiro

A farsa do “manejo sustentável”

“Eles estão usando o manejo como uma saída para o Amapá, mas o manejo vai ser o fim daquelas florestas do Amapá. O pessoal vai ficar sem a sua sobrevivência, porque eles estão destruindo castanheiras, seringueiras, muitas espécies estão sendo retiradas. E vai jogar a caça toda fora, porque é tanto trator que a caça fica desesperada”, completou.

O manejo no Maracá ganhou ares de programa de governo por meio da chamada Bolsa Floresta, que distribui uma pequena parte do lucro da venda da madeira para famílias no assentamento. Segundo informações divulgadas pelo governo do Amapá, 1.013 famílias recebem mensalmente R$ 1.058.

Segundo consta nos contratos assinados pela Atexma, a Eco Forte paga R$ 103 pelo metro cúbico de madeira retirada da área do assentamento, mas quase metade deste valor, R$ 50, fica com a Norte, pelos serviços de corte e transporte da madeira. Os outros R$ 53 são destinados à associação e distribuídos por meio do Bolsa Floresta.

Osmarino, que acompanhou as queixas da comunidade, explica: “O preço é muito irrisório. R$ 100 no metro e eles não estão pagando esse valor porque o pessoal não sabe medir. E aí eles fazem uma base. Então é um negócio muito sério isso. Tem que ter pessoas especializadas para medir.”

Capitalismo verde não é a solução

Projetos de manejo florestal são parte das políticas apresentadas e defendidas por setores do movimento ambiental como uma “solução” para deter o desmatamento. No entanto, tais projetos estão baseados em uma concepção neoliberal que vê a natureza como uma mercadoria, apresentando “soluções” pautadas nos interesses do mercado, ajustando a questão às estratégias empresariais. Assim, foram criados projetos de manejo florestal de madeira, a criação de um mercado de créditos de carbono, concessão de florestas públicas, entre outros programas. Todos eles foram abraçados pelo Estado e ganharam status de políticas públicas, principalmente nas gestões de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente.

Contudo, todos esses programas têm efeitos perversos nas comunidades. Um deles é a grilagem verde, uma modalidade de roubo de terras que envolve a apropriação de terras públicas ou de territórios onde vivem camponeses tradicionais (quilombolas, ribeirinhos e seringueiros) e indígenas. Seu objetivo é explorar economicamente tais territórios, seja com a venda de créditos de carbono nas bolsas de valores, seja com projetos de manejo de madeira. Todos eles impõem severas restrições ao uso comum da floresta por parte das comunidades, além de causarem impactos ambientais.

Em outras palavras, são estratégias de apropriação de ecossistemas pelo capitalismo que vêm convertendo territórios (sobretudo indígenas e camponeses) em ativos financeiros ou “esquentando” a exploração de madeiras garantida com o selo de “sustentável”.

Essas políticas têm ganhado força como formas de combate à questão das mudanças climáticas atuais. Mas a chamada economia verde é só uma estratégia para o capital garantir novas frentes de acumulação, passando por cima dos povos que realmente defendem a floresta em pé para seu sustento e para garantir a sobrevivência das gerações futuras.

Veja no YouTube

WordPress Appliance - Powered by TurnKey Linux - Hosted & Maintained by PopSolutions Digtial Coop