Meio ambiente

COP 30: Crise climática e a vulnerabilidades estruturais das mulheres negras

Vera, de São Paulo (SP)

23 de outubro de 2025
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Na cidade do Rio, favelas e periferias são quinze vezes mais atingidas por temporais que outros bairros | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A COP 30 acontece no mês em que o debate sobre discriminação e reparação ganha força: novembro é o mês da imortalidade de Zumbi dos Palmares, do Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, da II Marcha das Mulheres Negras e da Marcha da Periferia.

É simbólico que, nesse contexto, se realize manifestações que escancara como a crise climática atinge com mais força a parcela mais explorada da classe trabalhadora: as mulheres negras.

A crise climática não é um fenômeno distante. Ela se manifesta diariamente na vida das populações empobrecidas, vítimas da desigualdade produzida pelo capitalismo. No Brasil, país de raízes escravocratas e estruturado na segregação racial, os impactos recaem de forma brutal sobre a população negra e, sobretudo, sobre as mulheres, que enfrentam insegurança habitacional, ausência de infraestrutura e segregação territorial.

O modelo urbano e habitacional brasileiro empurra as populações pobres para áreas de risco: encostas frágeis, margens de rios, favelas e morros. Essa não é uma “escolha”, mas consequência da exclusão social, da especulação imobiliária e de políticas públicas que negam saneamento e moradia digna. O programa “Minha Casa, Minha Vida” ilustra isso: atende quem se encaixa nas regras dos bancos, não quem mais precisa.

Quando vêm as chuvas, essas regiões tornam-se armadilhas mortais: mais de 200 mortos em Petrópolis (RJ) em 2022; 133 em Pernambuco; 64 em São Sebastião (SP) em 2023; 208 no Rio Grande do Sul em 2024. Milhares perderam tudo. A crise climática acelera a barbárie capitalista sobre os setores mais pobres da população.

Segundo o PNUD (2024), 6,8 milhões de lares brasileiros são chefiados por mulheres negras — 27% das famílias. Quase 40% delas viviam em situação de fome em 2022. Mais de 50% dependem de programas sociais e abrigam 34% das crianças até 14 anos. Presas à informalidade e à precarização, essas mulheres têm menos condições de reconstruir a vida após um desastre: perdem bens, documentos, memórias. Perderam tudo.

Esse é o perfil da maioria dos mortos, desabrigados e desalojados nos desastres climáticos.

Discurso de sustentabilidade e a prática de destruição do capitalismo

A COP 30, em Belém (PA), escancara as contradições entre o discurso de sustentabilidade e a prática de destruição do capitalismo [baixe aqui, em PDF, o encarte especial do Opinião Socialista sobre a COP 30]. O governo Lula, que anuncia licenças ambientais para exploração de petróleo pela Petrobrás na Margem Equatorial, repete o padrão de subordinar o meio ambiente ao lucro. O chamado “projeto verde” não passa de fachada para novos ataques à natureza e à classe trabalhadora.

O veto parcial ao PL 2159/21 — o “PL da Devastação” — confirma a contradição: o texto facilita o licenciamento ambiental e cria a Licença Ambiental Especial (LAE), que acelera grandes empreendimentos sob a desculpa de “projetos estratégicos”. Enquanto isso, não há política efetiva de erradicação do déficit habitacional, nem reparação à população negra e indígena.

Os bilhões investidos em obras para “receber” chefes de Estado em Belém não resolvem os problemas de saneamento ou moradia. Pelo contrário, aprofundam a segregação e empurram os mais pobres ainda mais para as margens, os mesmos que nada lucram com a COP 30, a menos que, como os operários da construção civil, se organizem e lutem.

No verão, muda o tipo de sofrimento: o calor extremo atinge com força quem vive em casas sem ventilação, sem água potável, sem árvores, sem isolamento térmico. O que para os ricos é conforto: ar-condicionado, sombra, alimentação adequada. É luxo inalcançável para a maioria negra e pobre.

Aos negros e indígenas, o Estado e a burguesia seguem negando a reparação pelos séculos de escravidão e pelo roubo de suas terras. Ao contrário: as políticas atuais continuam violando suas vidas e ampliando a insegurança das mulheres negras. A falta de reparação histórica as condena às piores consequências das mudanças climáticas.

Após os desastres, surgem novos riscos: abrigos precários, violência sexual, falta de privacidade, doenças e abandono. As mulheres negras, já vulneráveis, tornam-se alvo fácil dessas violações. E suas vozes seguem ausentes nas decisões sobre políticas climáticas e de reconstrução, o que significa planos que ignoram necessidades básicas como água limpa, saneamento, transporte seguro e apoio psicológico.

Quando pensamos nas enchentes e deslizamentos recentes, são majoritariamente famílias negras as que perdem tudo. Essas perdas não são apenas materiais, mas simbólicas e emocionais, destruindo redes comunitárias e memórias. Esses impactos se acumulam geração após geração.

Reparação histórica

Por isso, qualquer política climática realmente transformadora deve começar colocando no centro a reparação às mulheres negras: moradia segura, infraestrutura, acesso a subsídios, redes de apoio e políticas integradas de gênero, raça e meio ambiente.

Não se trata de medidas paliativas, mas de reconstruir as condições de sobrevivência sobre bases seguras, amplas e permanentes em consonância com a natureza.

Enfrentar a crise climática exige mais que acordos diplomáticos: exige mobilizar a força dos povos, a memória negra e a dignidade das mulheres negras. Reparação história material e imaterial. Moradia digna já!

Essa é a luta necessária para mudar o curso da história. Exige e ruptura com o modo de produção capitalista que destrói os meios de produção: a natureza e a classe trabalhadora. Construir uma sociedade que rompa com a lógica do lucro é condição para a reparação completa e permanente da população negra e indígena e para a convivência mais equilibrada com a natureza. E somente uma sociedade socialista, reúne as condições para isso.

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