COP 30: Relatório da ONU mostra falência do Acordo de Paris e que estamos no rumo do colapso climático
Jeferson Choma | Cobertura Especial Cúpula dos Povos/COP 30
À medida que chefes de Estado e negociadores desembarcam em Belém para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), um alerta da ONU ecoa: o mundo está prestes a ultrapassar, de forma definitiva, o limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, marco considerado extremamente perigoso para o aquecimento global.
Segundo o novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), mesmo que todos os compromissos assumidos desde o Acordo de Paris sejam cumpridos, a temperatura média do planeta deverá subir entre 2,5°C e 2,9°C até o fim do século. Em outras palavras, a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C fracassou. E, com ela, ruiu também a crença de que bastaria “ajustar o rumo” do capitalismo verde para salvar o planeta.
Os números são contundentes. O PNUMA estima que as chances de conter o aquecimento em 1,5°C são hoje nulas; de manter abaixo dos 2°C, apenas 8%. Mesmo as metas “mínimas” de mitigação só reduziriam as chances de colapso para patamares estatisticamente irrelevantes. Em suma, estamos avançando rumo a um cenário de 2,3°C a 2,5°C de aquecimento, mesmo se todas as promessas atuais forem cumpridas.
O capitalismo, como uma atenta leitura do relatório indica, é incapaz de deter a catástrofe que ele mesmo provocou.
O motor fóssil continua acelerando
O contraste entre o discurso diplomático e político e a realidade é gritante. Em vez de reduzir a produção de combustíveis fósseis, as potências econômicas estão ampliando a produção. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), a produção global de petróleo deve atingir 105,8 milhões de barris por dia em 2025 (2,7 milhões a mais do que em 2024) e chegar a 107,9 milhões em 2026.
O Production Gap Report 2025, também da ONU, confirma o abismo: os países planejam produzir 120% a mais de petróleo, gás e carvão até 2030 do que seria compatível com a meta de 1,5°C. Enquanto líderes discursam sobre “transição energética justa”, a engrenagem fóssil avança, movida por lucros bilionários.
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À beira do colapso
Os efeitos já são visíveis. Pela primeira vez, em 2024, a temperatura global ultrapassou permanentemente a marca de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. A caminho dos 2°C, o planeta se aproxima de um ponto de inflexão irreversível: derretimento acelerado das calotas polares, descongelamento do permafrost (liberando gases e patógenos milenares), colapso da biodiversidade e destruição de ecossistemas-chaves.
A Amazônia, uma das principais reguladoras climáticas do planeta, também está à beira do abismo. Cientistas alertam que, se entre 20% e 25% da floresta for destruída, ela deixará de absorver carbono e passará a emitir gases de efeito estufa. Hoje, já perdeu cerca de 17% de sua cobertura original. O colapso amazônico significaria a falência da regulação hídrica da América do Sul, a multiplicação de eventos extremos e o avanço de pandemias provocadas por desequilíbrios ecológicos.
Estamos diante de uma crise civilizatória, que ameaça desintegrar sociedades, destruir forças produtivas e impor um retrocesso histórico sem precedentes.
O discurso de Lula na COP 30
A escolha de Belém como sede da COP 30 deveria simbolizar um novo protagonismo ambiental brasileiro. Mas o país chega ao evento em meio a contradições gritantes.
De um lado, a extrema direita bolsonarista segue como inimiga declarada do meio ambiente, defendendo abertamente a invasão de terras indígenas, o desmonte da legislação ambiental e a retomada da “boiada” se retornar ao poder. De outro, o governo Lula, embora adote um discurso supostamente “progressista”, tem reforçado políticas que aprofundam a destruição ambiental.
Em seu discurso de abertura da COP, Lula afirmou: “Acelerar a transição energética e proteger a natureza são as duas maneiras mais efetivas de conter o aquecimento global. Estou convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos.” Palavras bonitas, mas divorciadas da prática.
Como conciliar o compromisso com a transição energética com o entusiasmo do próprio governo pela exploração de petróleo na Amazônia? Estudos mostram que, se todo o petróleo da região for extraído e queimado, seriam liberadas entre 4 e 13 bilhões de toneladas de CO₂, equivalentes às emissões somadas de China e Estados Unidos em 2020.
As contradições não param aí. Lula saudou a Amazônia e seus povos em seu discurso, dizendo: “No imaginário global, não há símbolo maior da causa ambiental do que a floresta amazônica. Aqui correm os milhares de rios e igarapés que conformam a maior bacia hidrográfica do planeta. (…) Por isso, é justo que seja a vez dos amazônidas de indagar o que está sendo feito pelo resto do mundo para evitar o colapso de sua casa.”
Mas, na prática, o governo defende políticas que levam a Amazônia cada vez mais perto do colapso. Lula apoia o asfaltamento da BR-319, que será um corredor de desmatamento cortando o coração da floresta, e a construção da Ferrogrão — ferrovia que ligará o Mato Grosso ao Pará para escoar a soja do agronegócio, atravessando áreas indígenas e unidades de conservação. Além disso, avança a privatização de hidrovias nos rios Madeira, Tocantins e Tapajós, transformando os maiores cursos d’água amazônicos em rodovias fluviais para exportação de commodities.
Esses projetos formam um pacote de bombas climáticas que ampliam o desmatamento, perpetuam o modelo extrativista e submetem o país aos interesses do capital internacional.
Enquanto isso, o governo negocia com os Estados Unidos de Trump a exploração de minerais críticos e terras raras, e concede isenções fiscais bilionárias a data centers que consomem enormes volumes de energia e água, sem nenhum retorno social.
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Entre o discurso e o abismo
O contraste entre o discurso verde e a prática negacionista revela o impasse estrutural da política ambiental brasileira e global. O capitalismo, dependente da expansão infinita do consumo e da extração de recursos finitos, não consegue resolver a crise climática sem negar a si mesmo.
A COP 30, portanto, será mais uma vitrine de promessas vazias. Enquanto líderes posam para fotos e proclamam compromissos, a máquina fóssil segue girando, acelerada, lubrificada por lucros e retóricas “progressistas”.
Belém será o palco simbólico de uma escolha: manter o modelo que empurra o planeta ao colapso. O tornado de categoria F3 que destruiu uma cidade no Paraná foi mais uma pequena demonstração de que o futuro já chegou. Ou tomamos a história nas mãos e superamos o capitalismo, ou a humanidade enfrentará uma catástrofe sem precedentes.
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