Eleição de Diretores e Gestão Democrática: Por que esse debate importa agora?
Nas próximas semanas, diversos municípios brasileiros, incluindo o Rio de Janeiro, realizarão processos de eleição de diretores das escolas públicas. Esses momentos, que movimentam a rotina escolar, não deveriam ser vistos apenas como um procedimento administrativo, mas como oportunidade para discutir o sentido da gestão democrática na educação. Mais do que escolher nomes, trata-se de refletir sobre quem governa a escola, quais interesses orientam o trabalho educacional e de que forma a comunidade escolar pode se tornar protagonista nesse processo.
Gestão democrática, entendendo o processo histórico e seus limites
Para compreender a importância das eleições para direções de escola, é preciso revisitar a história. Durante grande parte do Século XX, a direção escolar era um cargo preenchido por indicações de prefeitos e governadores, sem qualquer participação da comunidade. Esse modelo reforçava relações autoritárias, alinhadas a uma estrutura de poder que enxergava a escola como mera executora de ordens superiores. A ditadura militar intensificou essa lógica, transformando diretores em agentes do Estado dentro das escolas, responsáveis por garantir disciplina, vigilância e alinhamento às políticas governamentais.
Com a redemocratização nos anos 1980, movimentos de professores, estudantes e setores organizados da educação passaram a questionar esse modelo centralizador. A ideia de gestão democrática ganhou força como resposta à herança autoritária. A Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação social na educação, e outras legislações seguiram anunciando esse caminho, permitindo que estados e municípios regulamentassem mecanismos como conselhos escolares, participação na elaboração do projeto pedagógico, e também, a eleição direta de diretores.
Nesse novo cenário, a gestão democrática deixou de ser apresentada como mera técnica administrativa e passou a ser compreendida como um processo coletivo, no qual trabalhadores da educação, estudantes e responsáveis deveriam compartilhar as decisões. Fala-se de autonomia relativa da escola, construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico, fortalecimento dos conselhos e práticas permanentes de diálogo.
Entretanto, mesmo com tais avanços, a democratização real enfrenta obstáculos. Muitos governos impõem regras restritivas às eleições, filtram candidaturas, dificultam debates e mantêm parte da comunidade escolar excluída do processo, como professores contratados, trabalhadores terceirizados e até famílias em algumas redes. Em muitos casos, as eleições se tornam burocráticas, e a figura do diretor continua subordinada às determinações superiores, sem autonomia real para decidir sobre questões estruturais. Esses limites não são acidentais, obedecem aos interesses de grupos empresariais poderosos que atuam na educação.
Autoritarismo e farsa democrática: projetos políticos a serviço da privatização da educação
Nos últimos anos, cresceu no país uma visão autoritária sobre a educação, representada por projetos como o “Escola Sem Partido” e pela expansão das escolas cívico-militares. Esses projetos defendem que a escola deve ser um espaço de obediência e silenciamento, e não de reflexão crítica. Governos alinhados a essa perspectiva, como os do Paraná e de São Paulo, vêm avançando em políticas de privatização direta ou indireta da rede pública, entregando sua administração ou parte de seus serviços a grupos privados que enxergam a educação como mercado.
No outro polo político, governos que se apresentam como defensores da democracia mantêm práticas que afastam a comunidade das decisões mais importantes. Embora proclamem a gestão democrática, deixam que fundações empresariais e grupos privados definam conteúdos, metodologias, materiais didáticos e modelos de avaliação. A influência de grandes grupos empresarias de educação e de bilionários, como Jorge Paulo Lemman, que atua diretamente sobre o Ministério da Educação do governo Lula, demonstra que, mesmo sob governos supostamente progressistas, o projeto pedagógico nacional segue determinado por interesses de mercado.
Quem governa a escola?
Isso evidencia um problema estrutural: mesmo com eleições de diretores, conselhos escolares e outras instâncias participativas, as decisões centrais sobre educação são tomadas em espaços inacessíveis, onde prevalece a lógica do lucro e não as necessidades da comunidade escolar. Os mecanismos democráticos dentro das escolas têm valor, mas operam dentro de limites rígidos impostos por quem realmente controla a política educacional.
Essa constatação leva a uma pergunta necessária: por que a comunidade escolar pode escolher diretores, mas não pode escolher secretários municipais, secretários estaduais ou o próprio ministro da educação? A justificativa oficial é que cabe ao chefe do Executivo montar sua equipe, mas isso apenas encobre que esses cargos representam interesses econômicos e políticos que ditam o cotidiano das escolas, sem qualquer vínculo com quem vive o ambiente escolar diariamente. São nomeações que respondem aos interesses de grandes empresários, e não aos das comunidades.
Os trabalhadores e a juventude devem ser protagonistas
Questionar, assim, a forma como a gestão escolar e educacional é organizada significa questionar o próprio projeto de educação e, consequentemente, o projeto de país que se está construindo. Uma escola submetida a interesses privados não formará sujeitos críticos; uma gestão sem participação real não promoverá autonomia; uma comunidade escolar excluída das decisões não construirá educação pública de qualidade.
Por isso, é fundamental abrir um debate amplo, vivo e coletivo sobre o papel da comunidade escolar na construção da educação. Profissionais da educação, estudantes, responsáveis e trabalhadores que atuam nas escolas precisam se organizar para ocupar o lugar que lhes pertence: o de protagonistas das decisões que definem os rumos da escola pública. A instituição escolar deve ser governada por aqueles que a constroem cotidianamente, e não por uma minoria rica que decide o futuro da educação e do país a partir de interesses próprios.
A participação nas eleições de direção, nos conselhos e em outras formas organizativas não pode ser encarada como simples formalidade. Trata-se de disputar não apenas o modelo de escola, mas o modelo de sociedade. Quando a comunidade se envolve, ela afirma que quer decidir, e que a educação deve servir às necessidades da maioria, não aos lucros de poucos.