Negros

Em estudo inédito, pesquisadores e jornalistas revelam o passado escravagista de 33 políticos brasileiros

Claudio Donizete, operário do ABC e da Secretaria de Negros e Negras do PSTU

29 de novembro de 2024
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Nosso passado representa o presente e determina o futuro. Essa máxima na herança escravagista de quase 400 anos no Brasil, faz muito sentido com o levantamento inédito realizado pela Agência Pública, e revelado em seu estudo especial chamado “Projeto Escravizadores”, publicado no último dia 25 no artigo “Famílias que teriam origem escravocrata mantêm poder há 200 anos” (leia aqui).

Os estudos e pesquisas seguiram, ou fazem referência, a diversos outros estudos internacionais que conectam o passado escravocrata das famílias de políticos ao redor do mundo.

Em parte da matéria, sobre os ancestrais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, diz o seguinte: São várias as relações dos antepassados das autoridades brasileiras com a escravidão. O tataravô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, era o coronel José Manoel da Silva e Oliveira, nascido por volta de 1771, em Minas Gerais. O militar foi uma importante figura a comandar a exploração de ouro nas antigas capitanias de Minas e Goiás. Segundo registros históricos, em uma dessas empreitadas para tentar achar novos pontos de mineração, ele teria usado pessoas escravizadas, que morreram no caminho de forma trágica devido a doenças”.

A metodologia do estudo e pesquisa foram muito cuidadosos e rigorosos na apuração final dos seus resultados, concretos e factíveis, conforme demonstram a descrição metodológica das pesquisas. Onde, inicialmente, listaram todos os senadores da atual legislatura (2023-2027), todos os governadores estaduais na ativa e os presidentes eleitos após a redemocratização e fim da ditadura militar, que totalizou 116 políticos. Chegaram ao total de 33 políticos eleitos nesse período com ligações de familiares proprietários de escravos e escravas, conforme análise de suas árvores genealógicas.

Foi instituída uma equipe multidisciplinar com jornalistas e pesquisadores em genealogia, arquivologia e história ligados a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Alagoas (Ufal), e de outras instituições de ensino e pesquisa.

Quem são os herdeiros escravocratas que se mantém no poder?

No segundo semestre de 2023, foram mapeadas as fontes documentais do século 19, como censos, listas e registros cartoriais, inventários para a pesquisa. Todos esses documentos registraram que os descendentes dos 33 políticos identificados nos estudos “possuíam” entre seus bens, pessoas escravizadas, inclusive como herança aos seus descendentes.

É importante ressaltar que a Agência Pública não obteve nenhuma negação dos resultados por parte dos políticos apontados na pesquisa. Veja a lista dos políticos que tem elos escravocratas com seus familiares:

Dos oito presidentes da República pós a redemocratização e o fim da ditadura militar, metade entra nessa lista:

José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Senadores: Dos 81 senadores, 16 tem esse lastro escravocrata:

Augusta Brito (PT-CE), Carlos Portinho (PL-RJ), Carlos Viana (Podemos-MG), Cid Ferreira Gomes (PSB-CE), Ciro Nogueira (PP-PI), Efraim Filho (União-PB), Fernando Dueire (MDB-PE), Jader Barbalho (MDB-PA), Jayme Campos (União-MT), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Marcos do Val (Podemos-ES), Marcos Pontes (PL-SP), Rogério Marinho (PL-RN), Soraya Thronicke (Podemos-MS), Tereza Cristina (PP-MS) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PP).

Governadores: Dos 27 governadores, 13 também entraram no levantamento:

Carlos Brandão Júnior (PSB-MA), Cláudio Castro (PL-RJ), Eduardo Riedel (PSDB-MS), Fátima Bezerra (PT-RN), Gladson Camelli (PP-AC), Helder Barbalho (MDB-PA), João Azevêdo (PSB-PB), Jorginho Mello (PL-SC), Rafael Fonteles (PT-PI), Raquel Lyra (PSDB-PE), Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União-GO), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).

Quem mais poderia estar na pesquisa e lista da herança escravocrata?

Vale dizer que a extensão dessa metodologia e pesquisa sobre o lastro escravagista entre as demais autoridades institucionais do Brasil, como juízes, desembargadores e demais setores da justiça, do parlamento (deputados federais, estaduais, vereadores) e do poder executivo (prefeitos), os resultados devem ser ainda mais latentes do emaranhado de suas riquezas, poderes e passado escravagista encoberto pela história não escrita da escravidão no país. Fica a dica para a extensão e profundidade da pesquisa e o acerto de contas com a população negra.

Trafico de escravizados, formação da burguesia e dos políticos no Brasil

Entre 1501 e 1900 foram sequestradas e embarcadas em navios negreiros 12.521.331 milhões de pessoas (64,5% homens e 21,7% crianças) do continente africano para diversas partes no mundo.

A maior concentração e destino foi ao Brasil, onde foram embarcadas 5.848.265 pessoas negras, segundo dados do renomado site slavevoyages.org, em seu estudo “Tráfego Transatlântico de Escravos”, que criou banco de dados atualizados permanentemente através de documentos de época e novas informações colhidas em pesquisas sobre o trafico negreiro.

Importante destacar o número de pessoas embarcadas e os totais desembarcados em seus destinos escravagistas, no geral morreram ou foram assassinados na travessia intercontinental mais de 1,8 milhão de pessoas, e, dos escravizados com destino ao Brasil, morreram 748.450 mil pessoas, documentadas pelos registros oficiais.

Racismo para manutenção do poder e riquezas

A contextualização da invasão e colonização europeia do Brasil, o extermínio indígena e escravização de quase 6 milhões de africanos, corrobora com os resultados dos estudos e pesquisas que ligam a formação da burguesia e políticos nacionais à prática escravagista de famílias da aristocracia política que governa estados e municípios desde então. E permanecem na manutenção do poder público depois de tantos séculos.

O apontamento das famílias dos governantes e parlamentares envolvidos no crime contra a humanidade através da escravização de seres humanos, e sua manutenção no poder politico e público, nos dá parte da dimensão estrutural que o capitalismo acumulou sobre as vidas barbarizadas no comércio, tráfico negreiro e a escravidão, até mesmo de crianças nos séculos passados, na defesa da sua riqueza familiar e do poder instituído na democracia brasileira ainda nos dias de hoje.

Familiares de políticos podem ter relação ou foram parceiros do Banco do Brasil na escravidão

Essas constatações podem fazer um elo necessário e atual na discussão do envolvimento do Estado e de suas instituições no favorecimento comercial e político dessas famílias e conglomerados comerciais, pois diversas revelações do papel das famílias e suas relações com a escravidão transcorrem no mesmo período em que o Banco do Brasil financiou o tráfico, o comércio e o suporte econômico de diversas famílias escravagistas na estruturação comercial da escravidão brasileira.

O Banco do Brasil é réu em denúncia, a partir do estudo de pesquisadores, acolhida pelo Ministério Público Federal (MPF), onde propõe amplo debate sobre a necessidade da reparação histórica da escravidão no Brasil. E combinado ao estudo inédito da Agência Pública, nos permite supor o desenvolvimento histórico, inclusive dos políticos e seus familiares citados na pesquisa, e o próprio Estado brasileiro na legitimação política de tal crime contra a humanidade, junto às suas instituições e o Banco do Brasil.

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Os dados familiares dos políticos e seu envolvimento com a escravidão no Brasil é um marco importante de como, estruturalmente, o Estado amparava concretamente as vantagens, e consequentemente o poder político e econômico dessa casta política que se mantém no poder em todas esferas federais até os dias de hoje.

Por outro lado, a direção do Banco do Brasil e o governo Lula tentam, de todas as formas, negar uma justa reparação, com políticas estruturais de valorização da vida dos descendentes diretos e indiretos da população escravizada em nosso país, como a titulação definitiva dos territórios quilombolas.

A direção do BB e o governo Lula se limitam a pedir perdão e desculpas pelos seus crimes e barbaridades. Apontam a extensão de políticas afirmativas, compensatórias ou de empoderamento individual que já existem em suas gestões, insuficientes diante das necessidades de reparação de um crime tão prolongado e danoso à população negra no Brasil. Um crime praticado com a morte, o sangue e sofrimento do povo negro, traficado, escravizado, e que a instituição e o Estado administraram junto à burguesia, os políticos e os interesses do imperialismo na formação de suas fortunas e do poder político em todo esse período, incluindo dos familiares e políticos beneficiados pela escravidão.