ENTREVISTA: “Hoje eu luto não só pelo meu Davi, mas pelos futuros Davis”
Sueidy Pena, ativista da luta por Direitos Humanos no Pará e mãe do Davi Pena Magalhães, assassinado pela Polícia Militar
Os governos do estado do Pará têm um longo histórico de violência policial. Embora sem a mesma visibilidade da tropa de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, a Polícia Militar (PM) paraense já se envolveu em casos de enorme repercussão como a Chacina do Tapanã, em 1994; o Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996; e o Massacre de Pau D’Arco, em 2017.
Além dos episódios inscritos na memória coletiva há o genocídio cotidiano, que passaria despercebido não fosse a luta de mães e familiares. O Opinião Socialista traz uma dessas histórias nesta conversa com Sueidy Pena, mãe de Davi Pena Magalhães.
Nesta quarta-feira, 08 de outubro, acontece a audiência de instrução do caso. Ao repercutir essa denúncia chamamos movimentos sociais, sindicatos e trabalhadores em geral a apoiarem a luta pela vida da nossa juventude.
Davi: alegre e sonhador, colecionava vitórias no jiu-jitsu
“Esse quadro resume o que o Davi era, um sorriso muito largo”, diz Sueidy olhando a foto que acompanha esta reportagem.
“O Davi era um menino muito encantador, muito cheio de vida, muito intenso. Tudo para ele era como se fosse a última vez”, conta olhando para as premiações do filho em campeonatos de luta.
Na escola “fazia amizade não só com a sala dele, mas com as outras séries. Era muito popular aonde ele estava”.
Quando começou a namorar pela primeira vez, “a gente tinha que ir deixar e buscar [na casa da garota], porque a gente se preocupava muito com essa questão da segurança”, relembra.
Foi justamente a polícia que, em tese, deveria tornar a cidade mais segura para a população trabalhadora, a responsável por uma reviravolta na vida da família de Sueidy.
Morto sem chance de defesa
Davi tinha apenas 16 anos em 25 de outubro de 2023. Na tarde daquele dia, voltava para casa de mototáxi em Ananindeua, cidade que integra a Região Metropolitana Belém, quando foi atingido na costela pelo primeiro disparo.
O tiro foi efetuado por PMs do 30º Batalhão que, como alegam, perseguiam assaltantes que teriam atirado primeiro. Em função da abordagem truculenta da polícia o condutor estacionou a motocicleta.
Tanto ele quanto Davi foram rendidos. Ferido, Davi chegou a pedir aos policiais que chamassem seu pai. Como resposta foi alvejado por dois agentes mais cinco vezes, segundo denúncia do Ministério Público do Estado do Pará.
Provavelmente, ao perceberem o erro que haviam cometido, os agentes “plantaram” armas na cena e apontaram o aparelho celular de Davi como fruto de roubo. A criminalização não parou aí.
Dias depois, quando Sueidy e seu marido, Marcelo Magalhães, foram à delegacia registrar o Boletim de Ocorrência do assassinato, ouviram da autoridade policial: “toda mãe diz que o filho é um santo”.
O caso chegou a passar pela Corregedoria da PM, lá se comprovou que houve implantação de arma, omissão de socorro e fraude processual. Apesar disso tudo, em dezembro de 2024 os envolvidos foram absolvidos no Conselho de Disciplina com base em uma suposta legítima defesa. Um deles inclusive foi promovido na corporação.
Sueidy reflete sobre a falsidade do discurso oficial: “eu nunca imaginei que eu ia ler a notícia de que o meu filho tinha morrido porque tinha feito confronto. Foi aí que eu gritei por justiça”.
“Não me sinto segura, mas também não tenho medo”
“Tinha uma vida de dona de casa, empreendedora, mãe, esposa, uma vida simples que muitas têm. De repente eu me vi estampada em jornal, em sites. Vi a foto, o nome do meu filho em muitos links de notícias”, conta Sueidy, que também é mãe de Maye e Maysa.
“Foi aí que eu percebi que eu moro numa periferia, que a gente é marginalizado todos os dias e todas as horas, que tantos jovens morreram muitas vezes inocentes. Hoje estou junto com tantas outras mães nessa luta por justiça”.
“Todas as cadeiras bonitas que ficam numa OAB, onde tem frente de Direitos Humanos, todas tão de enfeite. Nenhuma luta a nossa luta. Quem luta é a gente que coloca a cara a tapa”, lembrando em seguida que 55 defensores de Direitos Humanos foram mortos no Brasil, entre 2023 e 2024.
“Eu fico chocada de saber que a polícia é preparada para marginalizar, matar o cidadão quando ele é contrário ao sistema, ao Estado, quando ele luta por justiça”, observando que o contexto da COP 30, que será realizada em novembro, pode agravar essa situação.
Pará tem a terceira polícia mais assassina do Brasil
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, os estados com polícias mais letais por 100 mil habitantes são: Amapá, Bahia e Pará.
Em números absolutos, as mortes decorrentes de intervenção policial foram de 537, em 2023, para 606, em 2024. É importante notar que a letalidade policial aumentou enquanto outros tipos de mortes violentas diminuíram.
A exemplo do que acontece a nível nacional, a participação do governo paraense na violência letal é um fator que aumenta a insegurança. A proporção de mortes decorrentes de intervenção policial dentro das mortes violentas intencionais passou de 19,6 em 2023 para 23,7 em 2024.
Entre os dez municípios brasileiros com piores taxas nesse quesito, Marituba, na Região Metropolitana de Belém, está em terceiro lugar. O estado em tem a pior relação entre celulares furtados ou roubados e aparelhos recuperados: apenas um equipamento volta para o dono, contra 65,3 furtados ou roubados.
A aposta na guerra contra a população trabalhadora tem reflexos até nas corporações: o estado também está acima da média nacional na vitimização de policiais. Enquanto no Brasil esse dado é de 0,3 para cada mil profissionais, no Pará é de 0,8 para cada mil.
